Everything's Ok

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foto divulgação

Al Green

por Marcos Rodrigues

Virada do ano se aproximando e as listas de melhores do ano começam a pipocar. Os cronistas 'caderno 2' de Sampa continuam se derramando por tudo que desce do nordeste (acima da Bahia). Se vier com o carimbo 'from Recife', tanto melhor. Tudo em perfeita sintonia com esses tempos onde, por conta da avassaladora globalização qualquer metrópole consome sushis, Nikes e capuccinos, a palavra de ordem passa a ser 'identidade'. Todos procuram desesperadamente por uma. Perdidos que estávamos de Deus e, nos últimos 40 anos, também de Marx, perdeu-se recentemente Freud. Estudos culturais e a superficial nova esquerda , no entanto, tratou de nos chamar à consciência sobre a importância do 'local'. Ah, sim. Ahãã.

Mas, bom; antes que naveguemos por uma caminho que fatalmente vai me fazer querer dizer impropérios contra o Campus da UFBa em São Lázaro, passo ao que importa. Uma provável listinha deste ano, na minha humilde opinião, incluiria A Bigger Bang, dos Stones e Stand by The Dance, dos Forgotten Boys. Dito isto, devo admitir que, fora um sensacional repertório de northern soul, modern jazz e outros 'rare grooves' - brasileiros, como João Donato, inclusos - que remonta o período de 59 a 74 e que (re)descobri este ano, só um novo disco me emocionou de fato: Everything's Ok, do reverendo Al Green.

E o que esse disco tem de mais? Nada. Nada de mais, nem de menos. É só um disco perfeito de canções de amor. E todos sabem: desde Shakespeare as estórias do coração são as mesmas, a única coisa que muda são as formas de contá-las. E considerando esse ponto, o velho Al Green as conta como poucos.

Everything's Ok é o segundo de Al Green pela prestigiosa Blue Note Records desde que ele voltou à ativa em 2003 com 'I Can't stop'. Antes ele passou um bom período dedicado ao gospel e as obrigações com a igreja. E, como o anterior, o pastor volta com o auxílio luxuoso do produtor Willie Mitchell, o mesmo que foi responsável pelos seus clássicos 'Call Me'(1973) e 'Al Green Is Love'(1975).

O disco é um primor, com seções de sopros e cordas completas à cargo dos The Royal Horns e The New Memphis Strings, respectivamente. A banda base é a mesma que ajudou colocar Al Green entre os papas da soul music no início dos 70. E, claro, a surpreendente voz de Green e os seus falsetes matadores (ah Prince; continua treinando, meu filho).

Sim, estamos falando de soul music. Na sua forma mais bem acabada. As faixas vão se sucedendo e, entre arroubos românticos e 'i love you, baby' pra todo lado, as harmonias, de uma sofisticação que só 'o soul de Memphis' tem, encontram sua razão de existir nas melodias exatas da dupla Green/Mitchell. Não bastasse isso, o reverendo ainda faz uma matadora versão para 'You are so beatiful', de Billy Preston, que ficou famosa na voz de Joe Cocker.

Religião é isso, amigos. Sem problemas com a louvação ao amor carnal. Grooves sensuais em 12 canções prontinhas para deixar muita gente em tentação ou mesmo pra livrar tua cara :)

Corre lá (sei lá onde, esse eu comprei - sim, comprei! - na São Rock) e põe pra rodar 'I can make music', 'Magic road', 'I wanna hold you', 'Build me up' (liga pr'aquela garota, vai) ou qualquer outra. Em uma palavra: obrigatório. Thanx, God.

Claro Q é Iggy Pop

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por Sérgio 'Cebola' Martinez

Flaming Lips fez um grande show psicodélico. Sonic Youth um grande show de noise rock. Nine inch nails um grande show de iluminação, Good Charlote um grande show de merda. Mas foi o Iguana que fez o grande show de minha vida. Eu sabia que seriam os Stooges. Só não sabia que os Stooges ainda são Os Stooges. Os patetas ainda sangram, e deixam sangrar, pode-se dizer. Foi turbulento, violento e imprevisível. Parecia que o velho Iggy sempre esteve esperando por este retorno. O homem fez muitos discos legais, na sua fase solo, mas foi com os Stooges que ele fez os melhores, com Ron e Scott Asheton, no primeiro e no Fun House. 1969, Real Cool Time, 1970, I Wanna Be Your Dog, porrada atrás de porrada, numa sucessão de canções mais atuais e inovadoras do que 99,99% das grandes novas coisas fantásticas do momento. E olha que eu gosto de uma porrada destas coisas...Definitivamente, faz você pensar. Como uma banda surgida nos idos da década de 60 ainda soa tão...no ponto? E não parece com um "retorno". Dava a impressão eque foi só uma (longa) espera. Que os caras só estavam à espreita, observando, "tocaiando". E aí, chegou a hora do ataque final. Com tudo. Se este retorno é devido a fins não tão nobres, Deus todo poderoso abençoe os fins não tão nobres, porque se alguém, a alguns parcos anos atrás me dissesse que eu algum dia veria Stooges ao vivo, eu mandava pastar lá no nono círculo. Mas vi, ouvi e senti. Já vi três shows dos Stones, um deles com Bob Dylan, já vi Nirvana, Faith No More, Pixies, Teenage Fanclub, entre outros, mas esse foi uma coisa além. Não sei precisar exatamente o que, mas foi. Ron Asheton disparando seus riffs agoniados, hipnóticos, peso e violência. A banda afinada. Aquele saxofone psicótico se insinuando pelo meio da parede de som, elevando tudo à um "mantra" dos infernos, e Iggy, ah, esse tava possuído. Rastejando réptil pelo palco, encarando insano o público, mergulhando de cabeça na galera pra desespero dos seguranças e felicidade total dos fotógrafos, chamando o povo pra cima do palco, depois de mandar mtv e motorola, e quem mais estivesse no caminho, se fuder...demais, Iggy parece tomar uma descarga elétrica antes de adentrar o palco. Pouco antes dele assumir o front, consegui vê-lo no canto do palco, sozinho, pulando, pronto pro ataque.

Não sei quem poderia superar ou sequer igualar uma apresentação dessas. Certamente ninguém naquela noite. E vejam bem, o Flaming Lips fez um puta de um show, em todos os aspectos. Do som aos adereços ( e que adereços) foi um show perfeito, emocionante, empolgante, grandioso, psicodelia pop e arena rock no mesmo set. A cara de tocar Bohemian Rapsody do Queen e War Pigs do Sabbath ( só lembrava da galera daqui gritando waaaar pigeeeeessss até em show de polca húngara) no mesmo show é de respeitar. A interação com o público é total, a banda fez a gente rir, marmanjo chorar, banger bangear, e todo mundo viajar. Foi, para mim, o segundo grande show do festival. Good Charlotte (é assim q se escreve?) foi legal pra gurizada, mas insuportável para quem tinha mais de 13 aninhos. Fantômas foi, bem...mas que porra é aquela?! Bom, não entendi, quase ninguém entendeu, deixa pra lá. Acho que Mike Patton desbirocou de vez. Mas, vá lá, foi inusitado, pelo menos, freak total. Faz Frank Zappa parecer um Elton John mais pop, por aí. Sonic Youth fez um show legal, mas ainda estava sob o efeito da overdose sônica dos Stooges, e confesso que não me liguei muito não. Mas tocaram Teenage Riot, o que já valeu pelo show todo. Nine Inch Nails deveriam ser contratados pra fazer o som e iluminação de todo festival deste porte. Incrível a perfeição técnica do show dos caras, um espetáculo à parte. Quanto ao show em si, quem gosta disse que foi muito bom, incrível e tal, mas não é o meu caso. Já estava meio grogue, cansado e sem saco, mas até que fiquei até o fim, mas lá longe na área Bahia da chácara. A área Bahia já é uma história a parte. Aliás, existem vááárias histórias à parte nesta pequena e inesquecível visita à São Paulo, mas isso é assunto pra depois. De qualquer forma, agradeço aqui a Peu e Leão por me agüentar em seus respectivos recintos, e a Yara por não me deixar invadir apartamentos alheios ( porra, errar de apartamento vá lá, mas de prédio?!). Real cool time for everybody.

Pearl Jam em Curitiba

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Notas de uma fã adolescente

por Bia Ribas

Eu estava lá, em 30 de novembro. Eu, Jeremy, Do The Evolution, Even Flow, Alive e Once. Do alto do morro, via Eddie Vedder iluminado no palco e a multidão de isqueiros e luzes de celulares balançando de um lado para o outro, acompanhando a introdução de Better Man mais emocionante que eu já ouvi (e vi!) em toda a minha vida! Arrepiante! Em português esforçado, entre seus arfantes “ããn” “ããããnn” “ôwn”, Vedder agradeceu ao público, aos brasileiros, elogiou o local e disse que voltaria a tocar ali quando quiséssemos. Num trocadilho com a palavra ‘rock’, o cantor contagiou a platéia quando disse que iria colocar as pedras de volta à Pedreira, naquela noite.

A Pedreira Paulo Leminski, onde aconteceu o show, rodeada por paredões de pedra, com um declive que leva ao palco, já foi uma pedreira de verdade e hoje é o espaço preferido do circuito dos grandes shows realizados em Curitiba. Noite de deleite, mesmo que no universo de uma música – sempre a mesma –, para os fãs dos Ramones que, como eu, quase choraram com a versão para I Believe in Miracles, dedicada ao Johnny. Em Porto Alegre, no primeiro show da turnê, o Marky foi convidado especial (sim, conheço o Marky, apertei sua mão, conversei com ele e tenho seu autógrafo no verso do meu bilhete de número 0001 do show que fez na Concha no dia 8/10/2000!). Em Curitiba, o Mark Arm da Mudhoney entrou no palco com a referência do fantástico MC5 no grito do Vedder “Kick out the jams motherfuckers!” e lançou um Kick out the jams com a banda toda. Foi muito bom!

As duas horas e pouco de Pearl Jam ao vivo e em cores, mesmo que sem telões (pasmem!) e com uma acústica meia-boca para o local que os curitibanos escolheram como crème de la crème do circuito dos grandes shows, valeu qualquer esforço. Com uma amiga eu comentava sobre a estrutura dos shows de axé que temos aqui em Salvador e a estrutura que estávamos vendo ali. Pearl Jam na Fonte Nova seria o máximo com os três telões da Ivete Sangalo e a infra do show do seu DVD. Pearl Jam, gente!! Pena que a estética trio elétrico não combina com rock’n roll. Por mim, eu botava os caras num trio elétrico e parava na Castro Alves a todo volume! É o Pearl Jam, curitibanos!!!

Ignoro os shows que já tiveram ali na Pedreira, mas esse foi de doer!! Para um público de, como dizem, cerca de 23 mil pessoas, seis barraquinhas de venda de bebidas, é meio apertado, não? Cerveja quente a 5 reais a lata de Schin, que acabou às 22h30, mesmo com os enormes avisos de "Só será permitido o consumo de bebida alcoólica até as 21h30". Depois disso, só água. Água??? Onde estou?? Bom, mas pelo menos eu posso dizer que vi o Vedder ali, na minha frente, um pouco distante, mas na minha frente, sentado num banquinho ao lado de um fã numa cadeira de rodas, cantando Yellow Ledbetter. E dizer também que vi o cara de um lado pro outro, bebendo vinho (ou o que estivesse naquela garrafa), abrindo os braços e ajoelhando perto da platéia, balançando seus cabelos como só ele faz, falando português (ou mais ou menos isso) no meu país. Eu, Corduroy, Jeremy, Dissident, Lukin, Do The Evolution, Even Flow, Black, Spin the Black Circle, Alive, Once, Whipping, e a minha adolescência.

Sly and The Family Stone

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por Marcos Rodrigues

1967. Um álbum de estréia de um combo multirracial chega à cena pop. Num cenário de subculturas rock'n'roll carente de batidas novas e de novos sons. Mas ninguém estava realmente preparado para a mágica e o mix musical multifacetado de Sly and The Family Stone.

A sua música foi inspirada num 'blend' de rock, soul, pop, jazz e de um gênero emergente que em breve seria conhecido como funk. Isto resultou num poderoso pacote de coisas que sempre se desejou em música; a emoção do novo, a excitação do inesperado, um groove galvanizado e letras que ainda hoje fazem sentido. Entendam; não havia precedentes para Sly and The Family Stone.

Formado em São Francisco, Califórnia o grupo era composto por Sly Stone, Freddie Stone, Rosie Stone, Cynthia Robinson, Jerry Martini, Larry Graham e greg Errico. Antes da banda, Sly estudou trompete e foi Dj nas rádios KSOL e KDIA

Em 67 grava o primeiro single com o nome Sly and The Family Stone, 'I Ain't Got Nobody', mas o sucesso começa mesmo quando se movem para o selo Epic e lançam o álbum 'A Whole New Thing', que continha o hit 'Dance to The Music', Top 10 nos Estados Unidos e no Reino Unido. Em 1969, Sly solta o álbum 'Stand', um set que continh as canções 'Everyday People', 'Sing A Simple Song', 'Don't Call Me Nigger, Whitey', 'Sex Machine' e 'I Want To Take You Higher'. Vendeu 2 milhões de cópias.

Com o sucesso vem também os problemas. O envolvimento com drogas pesadas leva Sly a desmarcar várias apresentações. Ainda assim a efervescência criativa não para. EM 1971, o album 'There's A Riot Goin' traz a belíssima canção 'Family Affair', número um nos charts de rythm'n'blues norte americano.

Os problemas de Sly com cocaína aumentam e a banda começa a perder força. Logo em seguida Larry Graham deixa o grupo e monta o Graham Central Station. Na sequência foi a vez de Andy Newmark substituir Greg Errico.

As décadas seguintes viram uma série de artistas com influências diretas de Sly, como Prince e Terence Trent D'Arby e mais a combinação de eletrônica e hip hop, em artistas como Public Enemy, sampleando diversas bases da Família Stone.

Os problemas com drogas levaram Sly para a cadeia em 87, por porte de cocaína. Mas essa é a parte triste. O mais importante é a enorme importância da maravilhosa música criada; os grooves 'entorta-gangote', as linhas de baixo em golpes no baixo ventre e as melodias; ah, as melodias! Coloque 'If you want me to stay' num encontro com o sexo oposto e faça a sua parte; Sly and The Family Stone cuida do resto.

Para quem quer começar (bem) a adentrar nesse mundo musical pode começar com a caixa de 2 cds 'The Essential Sly & The Family Stone', que foi lançado em 2003 e tem uma bela seleção de 35 músicas do melhor de Sly and The Family Stone. Altamente recomendável.


Discografia

A Whole New Thing (Epic 1967)
Dance To The Music (Epic 1968)
Life (U.S.A.) / M'Lady (U.K.) (Epic / Direction 1968)
Stand! (Epic 1969)
There's A Riot Going On (Epic 1971)
Fresh (Epic 1973)
Small Talk (Epic 1974)
High On You (Epic 1975)
Heard Ya Missed Me, Well I'm Back (Epic 1976)
Back On The Right Track (Warners 1979)
Ain't But The One Way (Warners 1982)

Tim Festival 2006

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Pequenas impressões de um grande festival

por Thiago Fernandes


Finalmente, estamos aqui
“Nós somos irmãos”, foi o recado do meio brasileiro baterista dos Strokes, Fabrício, para a platéia do Tim. Isso depois de nos dar um presente realmente fraternal: um show inesquecível. A espera de cinco anos por uma apresentação em terras canarinhas valeu a pena, afinal. Como nos discos, funcionam muito bem ao vivo. Toda a força do som que (mais uma vez) resgatou o rock está lá em cima do palco. E na platéia. Grande parte do show estava na devoção um tanto anestesiante dos fãs, que acompanhavam religiosamente as canções, mesmo as novas, que já se espalharam pelas redes peer-to-peer. Tudo muito bom e muito perfeito. Para finalizar, um tris. Depois da primeira e tradicional volta ao palco, milhares de palmas e pés incansáveis clamando pelo segundo retorno, atendido com um aviso: “só uma música”, no caso, I can’t win. Não é o caso do Strokes, que já venceram e vieram ao Brasil somente mostrar como é doce o gosto da vitória.

A queda dos reis
Leia o comentário sobre o show dos Strokes e inverta. Foram os Kings of Leon no Tim, a grande decepção do festival. Burocrático, fraco, sem tesão. Frustrante, enfim. Sem mais comentários, fique com os discos, que trazem os Reis em muito melhor performance do que no palco do Tim.

Triste beleza
A tristeza e a alegria que se alternam durante o disco de estréia do Arcade Fire estão no show. Mas não como em uma montanha russa emocional, mas sim juntas em todos os momentos. É estranho, mas ao vivo, a sensação é que toda a tristeza das canções do disco dedicado ao companheiro que morreu durante as gravações é o combustível para uma celebração à vida. No palco, sete pessoas felizes pela oportunidade de estar cantando. E só. O resto é mis en scene. Mas muito bem feita, diga-se de passagem. O carrossel de instrumentos é fantástico, com trocas de posição ao longo do show. Ninguém é dono de nenhum instrumento e a cada canção, a banda tem um formação diferente. Um circo que faz parte do espetáculo que é o show do Arcade Fire. Indie até a alma, durante o show, o grupo estava visivelmente impressionado com o coro de quase 2 mil pessoas de um país tão improvável quanto o Brasil, aonde certamente nunca pensaram em se apresentar quando o sucesso que faziam não ia além do Calypso de Montreal.

A vez dos grandes
Rival dos Strokes na categoria “melhor show do festival”. Os anos de estrada, no entanto, fizeram a diferença. O Wilco fez um show de gente grande, com direito a recado para os garotos e para a platéia que : “é assim”. Recado que já se lê nos discos. A dosagem correta de peso, distorção e experimentação da banda estava ainda mais refinada em cima do palco. O maior trabalho foi terminar o show. Depois de assistir meio boquiaberta, a platéia mezzo indie (o Wilco tocou logo após o Arcade Fire) não arredou pé enquanto a banda não voltou pela segunda vez ao palco. Lindo.

O peso dos anos
Tom Verlaine já não agüenta mais tocar I See No Evil. Deixou isso bem claro no show do Tim. Show correto, como não poderia deixar de ser para quem tem um nome a zelar, mas sem a força que se deveria esperar de uma banda do quilate do Television. O prazer de vê-los ao vivo deveria ser maior do que apenas testemunhar um grupo que marcou a história do rock’n’roll. Faltou aquela sensação mágica de que se estava diante de algo único na vida. A impressão é que o grupo está realmente estagnado e nesse caso só há duas opções: ou retomar a criação, com toda a responsabilidade de continuar uma discografia que inclui um disco tão sensacional quanto Marquee Moon; ou acabar de vez a banda e viver das glórias do passado. Sad but true.

No Olho da Tormenta



resenha Heaven Up Here . Echo and The Bunnymen

por Sérgio 'Cebola' Martinez

Um disco de tensões. Acho que isso é o mais próximo que consigo chegar de um definição geral para o experimentalismo pop/psicodélico deste que é o segundo disco (1981) de uma das bandas mais influentes dos anos 80. Uma "cozinha" sólida, monolítica, hipnótica, construída com precisão e inventividade por Les Pattinson (baixo) e Pete de Freitas ("O" baterista daquela década) , contrapõe-se às guitarras artesanalmente construídas, com esmero na busca de texturas, riffs, climas e fraseados marcantes, em função das canções, para engrandece-las, e não ao próprio ego, cortesia de Will Seargeant, elevando e caracterizando "um som" próprio, marcante, e identificável sob as mais ásperas condições climáticas. Por cima, ao lado e submerso, Ian Mcculoch (voz, guitarra rítmica), entoa com entrega e paixão, a sua voz, uma dádiva naqueles tempos áridos, algo entre Jim Morrison e David Bowie, percorrendo em paz, nervosamente, tensa e suave, as várias possibilidades de canções noturnas, mágicas, sólidas e frágeis, à beira do rompimento.

Na linha imaginária que liga Doors, Velvet e bandas psicodélicas de garagem tão bem retratadas na caixa quádrupla Nuggets, à Television, Gang of Four, Joy Division e Cure, os Bunnymen experimentaram e muito neste álbum. Não há concessões, não há hits. A Promise é o que mais perto se chega de uma canção no seu termo mas pop. Mas, ao mesmo tempo, paradoxalmente, dali você escuta ecos (soooorry), em bandas como Interpol (não é só Joy Division não), Franz Ferdinand, The Killers, e tantas outras dessa leva de bandas novas.

Um disco de tensões, porque parece ser assim que as canções são trabalhadas. Escute Over The Wall, por exemplo, o clima etéreo, "suspenso", ameaçador, vai se conduzindo em um crescendo que desemboca num clímax , onde a bateria soberba de de Freitas faz tremer as caixas , num terremoto particular. No Dark Things também é bem representativa desta tensão entre silêncio, calmaria e tormenta. Em Show of Strengh, canção de abertura do disco, toda a riqueza do imaginário de Will Seargent já é exposta, com seu trabalho de guitarras cheio de filigranas e dinâmicas. Das pegadas mais "groove", funkeadas, passando pelos dedilhados e fraseados psicodélicos, do baixo à Doors, cíclico, hipnótico, à bateria pesada, socada sem cerimônias e às vezes tão sutil quanto pode ser, estamos diante de um grande mosaico de sons e sensações estranhos à primeira audição, mas compensador para aquele viajante corajoso que não teme encarar chuvas torrenciais e tremores esporádicos para, no fim, encontrar abrigo e paz.

Há quem prefira o Crocodiles. Disco de estréia, de 1980, ou o soberbo discoteca básica Ocean Rain, o chamado pop perfeito, de 1984, eu mesmo tenho minhas dúvidas, mas minha certeza é sobre Heaven Up Here ser um dos trabalhos mais belos/estranhos da década de 80, onde uma banda trabalha realmente unida em busca de um som sem limitações externas, sem a sanha do sucesso fácil, na busca de sua própria identidade, esperimentando, buscando longe e perto, dentro e fora do olho do furacão. E, cá entre nós, encontrando.

Por fim, tenho que deixar claro também, que neste terreno pantanoso de comebaks e revivals de mau gosto, o retorno dos Bunnymen em 1997 foi um dos mais dignos, produtivos e justificáveis, se não "o" mais, de todos. Foram 4 discos de inéditas e um cd/dvd ao vivo, incluindo o mais recente, Sibéria, que tá saindo do forno, todos de altíssima qualidade, sem auto-paródia, respeitando suas limitações ("o relógio marca segmentos neste árido tempo"), e, talvez, emparelhando com sua produção oitentista. Bote sua capa de chuva, prepare-se para o vendaval, e mergulhe na tempestade. The Heaven´s up Here.

O vídeo matou a estrela do rádio


Talking Heads, na vanguarda do clip
por Miguel Cordeiro

O videoclipe é o melhor meio para a divulgação de uma canção e tem sido assim nos últimos 25 anos. Antes de 1978 existiam os filmezinhos promocionais - promos, que as bandas e artistas faziam de uma determinada música para promover aquele trabalho que estavam lançando. A maioria destes promos era desprovida de grandes efeitos visuais, e se limitavam, basicamente, a focar os seus autores executando a sua canção.

Bem, é certo que ainda nos anos 1960 existiram exemplos de alguns promos mais sofisticados e que funcionaram como precursores do videoclipe: Penny Lane e Strawberry Fields Forever dos Beatles, Happy Jack do The Who, Arnold Layne do Pink Floyd. Já nos anos 1970, personalidades com inclinações estéticas mais apuradas souberam lidar com esta questão visual dos promos de maneira criativa e extrapolando o seu formato. Neste caso estão David Bowie, Roxy Music e aqui no Brasil o próprio Raul Seixas - o promo da canção Gita é exemplo de sofisticação plástica.

Mas foi no pós-punk, a partir de 1978, que a preocupação em realizar filmezinhos musicais ganhou força, facilitada pelo surgimento das câmeras de vídeocassete e, também, pelo ambiente de criatividade e inquietação artística de um grupo de pessoas envolvidas com os músicos daquela geração. E elas souberam tirar proveito destas circunstâncias. David Byrne do Talking Heads concebeu para a sua banda ótimos clipes. O Duran Duran, Spandau Ballet e outros grupos da cena new romantic foram beneficiados pelos videoclipes e obtiveram grande sucesso devido a eles. David Bowie, um artista que sempre foi envolvido em experiências inovadoras, ao lançar o álbum Scary Monsters de 1980, escolheu a canção Ashes to Ashes como tema para um vídeo, o qual veio a ser um marco na história dos clipes musicais. Com uma refinada produção e um roteiro repleto de imagens surreais, este trabalho foi considerado uma obra de arte.

Sem dúvida, entre 1978 e 1983, no máximo 1985, surgiram os videoclipes mais criativos. Talvez porque neste período eles eram bolados, dirigidos, editados e produzidos por pessoas próximas aos músicos, e com idéias originais e pouca grana souberam passar para imagens situações instigantes.

Na virada dos anos 1970 para os anos 1980 estações de TV da Inglaterra exibiam inúmeras canções em forma de vídeo e elas começaram a cair no gosto popular. Daí para o surgimento da MTV - Music Television, em meados de 1981, foi um pulo. Esta fase inicial da MTV representou uma era de inocência, e, talvez, por isso mesmo, foi muito interessante e inovadora. Mas quando os departamentos de marketing das gravadoras perceberam o avassalador poder dos videoclipes a coisa começou a degringolar.

Os filmezinhos, que antes eram feitos por “amadores” e amigos parceiros dos músicos passaram a ser concebidos nos escritórios refrigerados das agências de publicidade por pessoas com interesse apenas mercantilista e alheias ao meio musical. Assim, começaram a pipocar na tela da MTV os clipes modernosos de enquadramentos oblíquos e invertidos, com sucessão de imagens rápidas e rodados em ambientes enfumaçados. E estas características se tornaram um clichê enfadonho a encobrir a falta de idéias e baixa qualidade dos seus roteiros.

Os Estados Unidos são pródigos nesta estratégia de massificação e banalização cultural e com o videoclipe a história não poderia ser diferente. E ao longo dos anos 1980 vimos surgir uma enorme quantidade de bandas que foram armadas e que cujas canções foram compostas com o objetivo único e exclusivo de se tornarem clipes, tendo o interesse focado em agradar o gosto médio e conservador do telespectador.

O grau de sofisticação dos clipes chegou a tal ponto que até renomados diretores de cinema foram escalados para filmá-los e dirigi-los. John Landis e Spike Lee fizeram clipes para Michael Jackson. O diretor alemão Wim Wenders fez o mesmo com o U2. Alguns criadores de clipes também fizeram o caminho inverso e se tornaram diretores de cinema, que é o caso de Julian Temple.

Por outro lado, muitos artistas que vinham utilizando os videoclipes como plataformas de divulgação de seus lançamentos se retraíram e passaram a questionar ou, mesmo, negar esta estratégia sob a alegação que o videoclipe limitava a percepção da canção a apenas aquela seqüência de imagens nele mostrada. Outros artistas, de proposta mais independente em relação às grandes gravadoras e que, ironicamente, foram os responsáveis pela consolidação desta nova mídia foram atropelados pelos artistas “comerciais” cujos clipes eram patrocinados pelos grandes conglomerados do showbizz.

Mas, postas todas estas situações de lado, não se pode negar a importância do videoclipe para a trajetória do rock´n´roll, e mesmo em meio a mediocridade pós-1985 ainda surgem coisas interessantes neste universo. É só ficar atento. E, então, para você, quais os clipes que te marcaram e que você nunca esqueceu?

The Dansettes



por Marcos Rodrigues

New York, 2005. Uma série de revivals sonoros e de estilos de todas as décadas invade as casas noturnas e as rádios da Big Apple. Alguns talentosos, outros nem tanto. Alguns resgatando o que de bom foi deixado para trás e avançando em bases mais seguras, outros se atolando na mesmice para compensar falta de criatividade.

No primeiro grupo pode-se incluir bandas que ressuscitaram os oitenta com alguma originalidade, como Interpol e Bravery. É o caso também do novo lançamento da Hammond Beat (um selo inglês, mod até não poder mais): umas garotas brancas metidas a negonas que se autodenominam The Dansettes.

Motivos para desconfiança são muitos. Até o disquinho começar a rolar no player. Uma vigorosa sonoridade lhe remete sem escalas para os anos 60 e ao cast das gravadoras Stax/Atlântico. Yeah! Um trabalho que poderia fácil ter sido gravado em Nashville, Memphis ou no legendário Fame Studios, no Alabama.

O EP abre com a doçura funky de Oh My!, que já está virando um hit subterrâneo nas net radios mais bacanas. Difícil não começar a bater os pés. Logo em seguida o vocal de Jennie Wasserman dirige, em Money Tree, as observações de uma mulher confiante que sabe como falível nós homens podemos ser.

E o disquinho fecha (sim, infelizmente só três músicas por enquanto) com I've Got a Feeling; um prazer particular na voz de Leah Fishman, retomando esse clássico do rythm'n'blues mais conhecido com Jeanette 'Baby' Washington. Ficaria bem na voz de qualquer umas das três Dansettes, diga-se de passagem.

Para não ficar na choradeira, o disco ainda vem com versões instrumentais das músicas corretamente executadas pela banda de apoio das ragazzas, que se chama The Bourbon Dinasty. É ai que o órgão Hammond e o piano elétrico entram rasgando.

Ficamos aguardando pelo trabalho completo para ver se essas meninas dão um caldo mesmo. Por enquanto fiquem com um 'tostão' do som das Dansettes, no link ai ao lado.


Clash City Rockers, A Festa. Intempestiva, relâmpago, de assalto, urgente. Assim como o nosso blog, a festa chega sem pedir licença, invadindo a noite do Rio Vermelho. Nas pick ups os colaboradores do blog mais polêmico da cidade e nossos convidados de honra. Só R$5 e a cerveja tá mais barata nessa quinta. É isso ai. Pra quem tá cansado de soltar foguetes pro mainstream de Salvador, dia 06 tem festa rock no Miss Modular. Venha comemorar com a gente os 17 mil acessos, em apenas 6 meses, de um blog politicamente incorreto.

Riot Grrrls Avant La Lettre



por Yara Vasku

Pouca coisa se salva (penso eu!) nesta onda revival dos anos 80. Uma delas é o grupo de garotas mais radicais que o rock brasileiro já viu: As Mercenárias. Além de reviver o som delas, em meio a “moda” dos oitenta, o momento é de comemorar a volta do grupo. Isso mesmo. As Mercenárias – e seu ataque supersônico, sua fúria e catarse – estão de volta desde fevereiro deste ano.

Provas não faltam. A banda paulista de pós-punk se apresentou no Campari Rock, no dia 13 de agosto, como uma das principais atrações da noite do festival que aconteceu em São Paulo, capital. Outros shows já foram realizados e outros tantos vêm por aí, inclusive em Londres (Inglaterra).

Outra prova é a inclusão da banda na coletânea “Post Punk From São Paulo – The Sexual Life of the Savages”, do selo inglês Soul Jazz, que traz ainda Fellini, Akira S e as Garotas que Erraram, Nau, Smack e Gueto. As Mercenárias abrem o disco com as clássicas “Inimigo” e “Pânico”.

Esta gravadora também é responsável pelo compacto em vinil “Pânico/Rock Europeu” que traz As Mercenárias de um lado e Fellini do outro; e deve lançar uma compilação dos dois únicos discos lançados pelas Mercenárias. Músicas das garotas aparecem ainda (ao lado de Fellini e Akira S, Voluntários da Pátria, Vzyadoq Moe, Muzak, Azul 29, etc) na coletânea “Não Wave”, que cobre o período de 1982 a 1988, lançada pelo pequeno selo alemão Man Recordings.

Tudo isso mostra o interesse, especialmente da Europa, para a música underground feita na década de 80 em São Paulo. Dizem que depois dos revivals da Bossa Nova e Tropicália, entre outros gêneros, é a vez dos grupos de punk e pós-punk serem descobertos pelo mercado internacional.

E, em meio a este interesse todo, As Mercenárias ganham destaque, provando que o grupo entrou para a história do rock nacional como um dos mais importantes para aquela década.

É isso aí. Quando se fala da história do rock brasileiro não dá para deixar de lado o som da banda que agradava tanto os fãs de porrada tipo Ramones e Sex Pistols, quanto os amantes de canções mais climáticas do tipo de Siouxie and the Banshees e Joy Division. Bem antes, diga-se de passagem, de o Bikini Kill inaugurar, em Washington, 1990, a chamada onda de punk hardcore feminista.

O grupo teve sua estréia em fevereiro de 1983, com um cara entre as garotas. A formação inicial era: voz e presença furiosa de Rosália Munhoz; musicalidade e postura rocker da baixista Sandra Coutinho; navalhadas e trovoadas na guitarra pela tímida Ana Machado; e na bateria Edgard Scandurra – hoje guitarrista do Ira!. Antes da gravação do primeiro disco “Cadê as Armas?” (Baratos Afins, 1986), Scandurra saiu da banda dando lugar à Lou. Esta foi a formação até o final, logo após o lançamento do segundo (e último) disco, “Trashland”, pela EMI, em 1988.

Este álbum foi eleito o melhor do ano na votação da revista Bizz, que reuniu também críticos de outras publicações, de vários lugares do país. Na mesma eleição, “Trashland” ganhou o prêmio de melhor capa (obra de Michel Spitale, atualmente diretor de arte da Playboy) e Sandra Coutinho com o de melhor baixista. No final do mesmo ano, porém, a gravadora dispensou a banda que, conseqüentemente, acabou. Em sua curta duração, no entanto, As Mercenárias arrastavam muitos fãs para os “inferninhos” do underground paulistano na década de 80, conquistando assim, com pouca divulgação, mas bons shows e excelentes álbuns, fiéis seguidores.

Agora é possível curtir a banda novamente, mas desta vez com Geórgia Branco na guitarra e Pitchu Ferraz na bateria. A presença de palco de Rosália Munhoz, e a firmeza de Sandra Coutinho no baixo, porém, permanecem e podem ser (novamente) conferidas. De acordo com Sandra Coutinho, nesta retomada da carreira, As Mercenárias vão tocar as canções dos dois discos lançados em 80, como “Pânico”, “Inimigo”, “Polícia”, “Me Perco Nesse Tempo”, além de músicas ‘quase desconhecidas’. Ela explica que, quem conhece a banda só pelos discos, não conhece estas músicas, pois nunca chegaram a ser gravadas. Temos uma nova chance!!

Creedence Clearwater Revival



por Sérgio 'Cebola' Martinez

1967-1972. Lições Básicas em 5 anos.

Em 1968, o rock ensaiva um retorno às suas raízes. Neste ano, Os Beatles lançaram o White Album, em que deixava um pouco de lado o arco-íris psicodélico de seus discos anteriores. The Byrds unia-se a Gram Parsons para enveredar pelos pastos e veredas da música country, com o seminal Sweet Heart of the Rodeo. The Band lança o não menos fundamental Songs from the Big Pink, onde folk, country, rock balads, bluegrass e gospels fuandiam-se em harmonias simples, porém sensíveis e emotivas. Rolling Stones cometem Beggar´s Banket, um dos melhores de sua carreira até hoje, na mesma praia country/blues. E assim por diante, temos exemplos diversos e dos mais variados graus, e é deste ano também, o lançamento do primeiro disco do Creedence Clearwater Revival, reforçando a guinada para o básico, para o berço do rock ´n´ roll.

Formada pelos irmãos John Fogerty ( voz e guitarra), Tom Fogerty (guitarra), mais Stu Cook (baixo) e Doug Clifford ( bateria) ainda em 1967, o Creedence ficou conhecido como uma banda de singles. Ok, seus álbuns eram fantásticos, mas, como que reafirmando o padrão do início do rock, na década de 50, funcionavam quase que como uma coleção de singles, onde a pedra fundamental, o cerne do trabalho, eram as canções que, individualmente, definiam a essência da banda. John Fogerty, fã de rockabilly, country, blues e soul, era o gênio por trás da máquina de compactos inesquecíveis que se tornara a banda. Quem não se lembra de Proud Mary, Green River, Have you Ever Seen The Rain, Bad Moon Rising, Fortunate Son, Travelling Band, e tantas outras que, se não reconhecíveis pelo nome, certamente seriam em qualquer audição ligeira.

Isso por si só já bastaria pra qualquer banda ter material suficiente pra uma carreira inteira. Mas daí vem aquele toque diferencial. Aquele "pequeno" detalhe que catapulta o Creedence ao posto de uma das maiores e mais influentes bandas americanas da história. John Fogerty era um fuckin´ gênio da guitarra, só isso. Nos álbuns da banda sempre havia duas ou três músicas que funcionavam como uma tapeçaria de timbres, fraseados, riffs poderosos, texturas e dinâmicas incendiárias, de silêncios e explosões cuidadosamente costurados, matematicamente libertários. Essas canções fugiam da estrutura "clássica" do creedence, com 7, 8 ou mais minutos de duração, sem cansar nem tirar de cima. As versões para Susie Q e Heard in through the Gapevine, as suas Effigy, Feelin´ Blue, Born on the Bayou, Graveyard train, Pagan Baby e outras estão nesta categoria. Swamp rock, letras sinistras, de "mau agouro", tudo isso era também o Creedence. Ah, antes que eu me esqueça, muita soul music. Isso aí, soul e country no mesmo caldeirão. Unidas sem traumas, sem forçar a barra, fluente e natural como deve ser. A voz, por vezes explosiva e gutural, Little Richards style, por vezes contida e emocional, de John Fogerty é um capítulo à parte. Na melhor corrente blues/soul man de ser.

Nesses tempos de busca desesperada pela próxima grande coisa, talvez seja tempo de parar um pouco, pra dar um tempo, relaxar (sorry Fábio Casca), fazer um pequeno retorno e tentar ouvir obras primas como Green River (1969), Willy and The Poor Boys (1969, meu preferido), Cosmo´s Factory (1970). Esses, pelo menos. Podes crer que não se arrependerá. Ou, se quiser ser apanhado mais rápido, tempos velozes são esses que correm, ouça Fortunate Son e It Came out of the Sky, ambos do Willy, que aí não vai ter jeito. É calça de fora ou bunda de veludo, como diria irmã Dulce.

Em 1972, a banda lança seu último disco de inéditas, Mardi Grass, meio fraquinho, onde John passa a dividir as composições com Doug e Stu, após a saída do seu irmão. Mas bastaram esses cinco anos para mais um capítulo desta História ser impresso a ferro e fogo em uma das estações dessa longa e emocionante saga chamada Rock´n´Roll.

Um brinde ao velho safado

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por Márcio Martinez

“– O QUE, SEU CHUPADOR DE PAU! – ela gritou.
Vi o sobrancelhudo saltar o balcão. Bom truque para um cara do seu tamanho. Tomei meu drinque e me levantei para enfrentá-lo. Me desviei do seu direito e mandei-lhe o joelho nas partes pudendas. Ele caiu, rolando no chão. Dei-lhe um pontapé na bunda e saí andando pelo Sunset Boulevard.

Minha sorte nos bares ia de mal a pior.”

(Charles Bukowski - trecho do livro Pulp)

Estavam na Civilização e a colega de trabalho da minha ex namorada também queria comprar um presente para seu homem. Ela então tomou este livro das mãos de minha ex e disse, “ah, esse é legal? Deixe eu ver, que fulano também gosta de livros”, toda sorridente... Drica me contou depois, às gargalhadas, como a expressão no rosto da colega foi se alterando aos poucos e se transformando num misto de surpresa e decepção quando terminou de ler este trecho na contra capa do último livro e primeiro lançamento póstumo do Dirt Old Man, há dez anos. “Ah, Márcio gosta desse ‘tipo’ de livro é?”

A vaca pensou o quê? Que seria alguma publicação ‘tipo’ auto-ajuda? Um romance mela-cueca de Sidney Sheldon? Ou mesmo texto pornográfico? A verdade é que a tal ex também não conhecia nem um pouco, nada, sobre o autor que escolhera para me presentear e só o fizera (dedicatória toda romântica e fofinha, contrastando com o conteúdo), porque eu havia visto este lançamento dias antes, demonstrado interesse em adquiri-lo e ela quis me surpreender, antecipando-se. Muito obrigado.

Tarefa ingrata essa. Prazerosa, é certo, mas ingrata. Escrever sobre quem a gente gosta e aprendeu a respeitar depois de compreender o que há por trás de rígida muralha de intolerância com o mundo que o cerca deveria ser fácil, agradável, mas não é. Quando se trata especificamente daquela MOSCA DE BAR, o Santo Padroeiro dos bêbados e fracassados, eu me pergunto se há moral (ou falta de) suficiente em mim para tanto. Vidinha ordinária de classe média, tudo na mão dentro de nossas limitações, a cortina de um falido sistema sócio-econômico jogando sua densa sombra em meu lar, mas por aqui todos cordeirinhos mansos, satisfeitos e incapazes de contestar tais limitações; por tudo isso e algo mais, o esqueleto do escritor-padroeiro deve estar chacoalhando nesse momento, enfurecido e esbravejante, dentadura trincando, louco pra me cuspir na cara: “SEU FILHO DA PUTA, VAI TOMAR NO CÚ QUE VOCÊ NÃO SABE DE NADA!”.

Putz, depois dessa desliguei o computador e fui pra casa. Outro dia eu tentaria continuar...

Bom e Velho Buck, andando pelas calçadas da Cidade dos Anjos, garrafa de vinho barato na mão, o DEMÔNIO em seu encalço. Maior algoz de si mesmo, era um verdadeiro proscrito do American Way of Life. Na posição de observador, era cada vez mais claro para ele que o sonho americano estava jogado bem no fundo de uma lata de lixo: “A América é uma prostituta de 150 quilos, um metro e meio de altura, que peida, uiva e destroça a cama quando goza”. Definitivamente, não posso deixar de amar um escroto que escreve um troço destes. Isso é poesia erudita pra mim.

Nascido na Alemanha em 1920, pai de ascendência alemã, sargento do exército americano e mãe alemã, migraram para os EUA quando tinha 3 anos. Charles Bukowski mostrava uma personalidade retraída desde a infância, odiava a figura ultra autoritária do pai e a indiferença da mãe e acumulou traumas pesados que viriam a criar a espessa e impenetrável casca anti-humanidade em que viveria ao longo do tempo. Para um atormentado disléxico, ainda muito jovem as coisas pioraram: Médicos examinaram seu rosto cheio de erupções pustulentas e as classificaram como acne vulgaris, de um tipo raro, que o desfigurava terrivelmente. Você encontra as dificuldades pelas quais passou na infância e juventude em MISTO QUENTE, romance que, como muitos outros textos seus, era meio que autobiográfico, já que se utilizava de sua própria experiência de vida como melhor matéria-prima da atividade que escolheu como válvula de escape do seu atribulado cotidiano.

Em sua vida, às vezes perdia tempo valioso com pessoas que não se importavam se ele estava vivo ou morto. Aqui o Rock’n’Roll que tanto detestava cai feito uma luva para definir alguns momentos de seu dia-a-dia, via The Smiths. Sua paixão era a música clássica que ele ouvia diariamente quando não passava as noites numa cadeia fétida ou num hospital de indigentes vomitando sangue devido aos excessos que atacavam seu estômago ulcerado. Segundo o próprio Bukowski, escrevia para não entrar em processo de completa loucura. As peças orquestradas eram a trilha sonora. O Adágio em Sol menor de Albinoni desliza pelos fones de ouvido enquanto escrevo. Uma peça dramática para um momento dramático. E é curta, em torno de sete minutos. Mas a vida leva o tempo de um cigarro, se pensarmos bem. Mahler, Handel, Beethoven... Zweeeeiiing, Shkrieeeeeek, tsoiiiiiiing... Bosta de rádio que não sintoniza direito!

Publicou o primeiro conto em 1944, aos 24 anos e começou a escrever poemas aos 35.

Bom e Velho Chinaski, coitado desse seu alter ego, junto a seu anjo da guarda, acumularam seqüelas de um modo de vida mortífero. “Maldita raça humana”, não se considerava um ser humano também? Curioso como sua inadaptação a este mundo o fazia parecer um alienígena. Henry Chinaski passeou pela maioria de suas histórias, fossem romances ou contos, nos guiando tropegamente, nos forçando a atravessar as perigosas ruas de seu universo distorcido, nas manhãs de névoa poluída de Los Angeles, em meio a fantasias alcoólicas e delirium tremens.

Henry era o nome do seu pai e talvez o usasse como alter ego numa tentativa oculta de fazê-lo sofrer e numa tentativa desesperada de expiar seus traumas.

O melhor que já li dele é MULHERES, o próprio título já informa do que se trata: suas desventuras, amores fracassados, noites mormacentas, relacionamentos rodeados em massas de sujeira e lama, complicados mas muitas vezes o trágico virando cômico e arrancando boas (às vezes nervosas) risadas do leitor. CARTAS NA RUA trata do emprego em que durou mais tempo, nos correios, período em que produziu muito e ganhou horríveis dores nas costas em dez anos separando cartas e andando pelas ruas para entregá-las. Duas ótimas coletâneas de contos, pra quem quiser começar devagar (mas cuidado!) são CRÔNICA DE UM AMOR LOUCO, título de um filme do diretor Marco Ferreri sobre as doideiras e devaneios de parte de sua vida como escritor outsider e FABULÁRIO GERAL DO DELÍRIO COTIDIANO, juntos se complementam. FACTOTUM já trata dos diversos empregos nos quais nunca conseguia durar mais de dois meses, às vezes uma semana, quiçá 1 dia! Tem HOLLYWOOD, um dos últimos ainda em vida, sobre as filmagens de um roteiro seu conseguido a muito custo ($), dirigido por Barbet Schroeder e protagonizado por Mickey Rourke e Faye Dunnaway. “A imortalidade é uma estúpida invenção dos homens”, escreveu num diário pouco antes de morrer e que foi lançado postumamente sob o título “O CAPITÃO SAIU PARA ALMOÇAR E OS MARINHEIROS TOMARAM CONTA DO NAVIO”. Concordo e ainda digo:

A eternidade também tem seu limite, que é o da própria vida. Reconhecimentos e homenagens póstumas o caralho, isso só interessa a quem está vivo.

Bom e Velho Safado, língua ferina e afiada, mas de corte irregular, seria mais confiável mamãe deixar sua filha sair com os Rolling Stones numa noitada. Escritor maldito, “não é mártir, nem nenhum anjo caído: quando cai, cai atirando, sem autopiedade”. Podia detonar facilmente qualquer incauto em platéias quando fazia suas leituras em meio à bebericadas nervosas na sua garrafa de vinho e aos desordeiros, berrando insultos, dizia calmamente: “Vocês ainda não voltaram pra casa, para a mamãe? Ela preparou uma mamadeira de leite quentinho para vocês”. Porra, botava a cabeça entre as pernas e procurava um buraco para enterrá-la mas ali é que eu não ficava mais. Viciado nos “cavalinhos” vivia rodando pela Freeway em direção ao hipódromo, para perder ou ganhar nas apostas. Perdia mais do que ganhava. “Existimos por acaso entre as percentagens, temporariamente”, então por que perdemos tanto tempo? “A simplicidade é essencial”, dizia.

Mas, apesar de tudo, de seus traumas, amores fracassados, prisões inesperadas, loucas desventuras e fantasias alcoólicas, conseguia também ser lírico e esperançoso. Em algum lugar, nos recônditos da medonha alma humana, no fundo, no fundo, ainda parecia enxergar uma possível salvação em meio ao caos e isso se justifica em sua indisfarçável ternura pelos perdedores e excluídos.

Do último lançamento de Charles Bukowski, ESSA LOUCURA ROUBADA QUE NÃO DESEJO A NINGUÉM A NÃO SER A MIM MESMO AMÉM, um livro de poemas, também no Brasil (trecho):

Isto não é um poema
Poemas são um tédio
Eles te fazem
Dormir

Estas palavras te arrastam
Para uma nova
Loucura

Você foi abençoado
Você foi atirado
Num
Lugar que cega
De tanta luz

Você já pode morrer agora
Você já pode morrer do jeito
Eu as pessoas deveriam
Morrer:

Esplêndidas,
Vitoriosas,
Ouvindo a música,
Sendo a música,
Rugindo,
Rugindo,
Rugindo.

Ruja bem alto, velho desgraçado, arrase comigo, arranque minha alma, vomite nela sangue e impropérios e jogue meus restos em sua sarjeta de indignação!

EU MEREÇO.

Marcelo Nova - Exclusivo!



Marcelo Nova está de volta a Salvador para tocar no Rock in Rio, dia 17 de setembro, sábado. Ele tambem aproveita a ocasião para lançar o seu CD de canções inéditas, O Galope do Tempo. Nova é um personagem do rock brasileiro que dispensa maiores apresentações. Nos anos 80, liderando o grupo baiano Camisa de Vênus desempenhou um papel fundamental para a consolidação do rock´n´roll em terras brasileiras. Anos depois, em dupla com o amigo e parceiro musical Raul Seixas excursionou pelo país e lançou o album A Panela do Diabo. Ao lado de Eric Burdon, vocalista da lendária banda inglesa The Animals, gravou o clássico Don´t let me be misunderstood que está registrado no disco do Camisa, Quem é você, de 1996. A partir daí desenvolveu uma parceria com Burdon e que foi apresentada ao público no álbum My secret life, lançado por este excepcional cantor em 2004. Agora, em setembro de 2005, Nova está lançando O Galope do Tempo e neste bate papo exclusivo com o Clash City Rocker Miguel Cordeiro, ele fala de seu novo trabalho e de outros assuntos.


E aí, Marcelo, o seu CD finalmente está sendo lançado. Fale sobre ele.

Este é um projeto que venho desenvolvendo há alguns bons anos. O CD chama-se O Galope do Tempo. São 70 minutos com 16 músicas e tem canções com 3 minutos, 6 minutos e até 9 minutos. Antes de mais nada, eu diria que este disco não foi feito para as viúvas do Camisa de Vênus. Estas canções têm um outro enfoque. São canções que venho compondo ao longo dos últimos 13 anos e elas tratam da minha observação do passar do tempo. Daí o nome do disco, O Galope do Tempo. É uma observação minha e própria da vida, é um trabalho autobiográfico, é a minha assinatura como compositor. Quando eu digo que não é um disco para as viúvas do Camisa é porque estas canções têm um outro tratamento, tanto musical como no aspecto das letras mas, sem dúvida, é um disco essencialmente de rock.

E as gravações?

Quando entramos no estúdio procuramos uma sonoridade que fosse capaz de reproduzir aquilo que eu imaginava. Uns dias antes das sessões de gravação eu e o Johnny Boy tocamos as canções e conversei com ele como eu queria que elas soassem. No estúdio procuramos ser o mais objetivo possível e quando fomos gravar as coisas fluíram com muita naturalidade.

Como você trabalhou esta questão da sonoridade?

Eu continuo achando que a base para um bom disco de rock ainda é aquela formação clássica: duas guitarras, baixo e bateria. Esta é a base desse meu disco. Eu e Johnny Boy nas guitarras, O Lú Stopa no baixo e o Denis Mendes na bateria. Johnny também tocou piano e órgão, e ainda tem algumas faixas com violoncelo. Esta banda que me acompanhou nas gravações é a banda que sempre tem tocado comigo, então, entre nós, já existe um entrosamento e uma grande afinidade e acho que cheguei bem próximo daquilo que eu queria. Como eu disse antes, este é um disco de rock, mas não tem nada a ver com este rock que está sendo feito no Brasil de hoje.

Você está enfatizando isto de ser um trabalho diferenciado e continuar sendo um disco de rock. E isso é interessante porque parece que no Brasil rock é só sonoridade e parece haver uma desinformação de que existe uma poética rock...

Bem lembrado! Eu percebo isso também e é por isso que faço questão de frisar que este álbum não se parece com nada que é feito em termos de rock no país. Eu vejo essas bandas que se dizem punk ou hardcore mas as letras deles são tão bobinhas que caberiam muito bem num disco de Sandy & Júnior ou do KLB. Essa falta de informação leva muita gente a pensar que só por ter guitarra distorcida a música se torna rock, e não é por aí.

Como vai ser a divulgação do disco e estas coisas?

Os custos da gravação do disco eu mesmo banquei de forma totalmente independente e sem nenhuma espécie de interferência. E após a gravação eu tive negociações com algumas gravadoras, mas elas sempre arranjam uma maneira de dar um palpite ali, te oferecer piores condições aqui ou mesmo recusar o seu trabalho. Aquela novela que a gente já conhece. Então o CD está sendo lançado por uma pequena distribuidora chamada Ouver. Assim eu tenho uma maior liberdade de ação. Por outro lado eu vou ter que me virar, né? Já fiz um clipe de uma canção que se chama Ninguem vai sair vivo daqui, que é o single deste CD. É um clipe simples, sem historinha. Apenas a banda tocando a música no estúdio. Depois vou fazer essa coisa de televisão, uma divulgação mais ampla possível. Vamos ver o que vai dar e estou disposto a percorrer todos estes caminhos porque este é um album de extrema importancia para a minha carreira. E como diria Baiaco (N.R. craque do Bahia nos anos 70 e autor de frases antológicas), “eu vou invistir nim mim”.

Como serão os shows deste album?

É como eu disse antes, este é um album muito peculiar, autobiográfico e, até mesmo, introspectivo. Penso em trabalhar este disco em teatros para 300, 400 pessoas onde elas possam perceber do que ele trata. É um disco para show em teatro. Vai ser um desafio para mim e para o meu público porque já existe aquele costume, mesmo, de quando eu entro no palco as pessoas ficarem gritando o “bota prá fuder”. Mas com este album a proposta é outra, tanto que no fim do ano farei um DVD registrando estas canções num show em teatro.

E este show vai correr o Brasil?

O objetivo é este! Mas eu continuo sendo um artista sem contrato com grandes gravadoras ou grandes empresários apesar de sempre estar fazendo shows pelo Brasil afora. Seria muito gratificante ter a possibilidade de fazer apresentações deste trabalho, neste formato, no maior numero de cidades possíveis. Mas no nosso país, o Brasil, tudo é muito complicado. Falta de grana e o Brasil tem essa incrível facilidade de inviabilizar as idéias. E, mais ainda, quando voce tem uma postura independente, voce tem de correr atrás, correr riscos. Voce bate o escanteio e voce mesmo tem de correr e tentar fazer o gol. Mesmo que seja um gol de mão...

De que maneira você enxerga esse ôba-ôba em torno dos anos 80, já que você teve uma participação importante naquele período?

Acho essa coisa de “revival” de uma época um troço meio por fora. Geralmente são feitos para pessoas que acham que o seu passado é que foi legal. O presente para elas é um saco porque elas já estão velhas, principalmente de cabeça e de idéias. Sei que eu tive um papel ali naqueles anos, mas não quero ficar preso àquilo. Sei que ocorreram coisas bacanas nos anos 80, pouquíssimas coisas, por sinal. Mas teve também muita coisa ridícula, que é o que, geralmente, é apresentado nestes “revivals”. Aquelas roupas, aqueles cabelos, aquela musiquinha insossa... E eu, com o Camisa, sempre fomos críticos ferrenhos daquilo tudo que acontecia em nossa volta, já mesmo naquela época. Éramos peixes fora daquela água.

Conversando frequentemente com você tenho conhecimento dos lugares em que você se apresenta. Capitais de estados em todo Brasil, cidades importantes do sul do país e algumas outras não tão conhecidas como Santa Adélia, Ilha Solteira, Taquaratinga (todas de São Paulo), Ubá e Viçosa (Minas Gerais), Bento Gonçalves, São Borja (Rio Grande do Sul) e por aí vai. E Salvador? Por que, apesar de ser baiano, voce se apresenta tão pouco por aqui?

Olha, estarei tocando aí em Salvador no dia 17 de setembro, no Rock in Rio. A última vez que estive por aí foi no inicio de 2004, no Festival de Verão com o Camisa de Vênus, portanto há um ano e meio. Eu gostaria muito de tocar em Salvador com mais frequência, a exemplo do que faço em Porto Alegre e em muitas cidades daqui do interior de São Paulo como Campinas, São José do Rio Preto ou Bauru. E mesmo sendo do interior paulista, às vezes acho que essas cidades já são mais adiantadas que Salvador porque nelas existe uma maior diversidade cultural. Salvador continua sendo a terra do axé e daqui me parece que na Bahia só se incentiva esta expressão artística, o que é um erro e uma característica deste atraso.

Mas, diversas vezes foi anunciado que voce tocaria aqui mas não se concretizou.

É, né? Olha, eu nasci e passei boa parte de minha vida aí, e o Camisa foi um grande sucesso em Salvador antes mesmo de fazer sucesso no Brasil. Após os primeiros shows do Camisa dezenas de bandas se formaram em Salvador, uma cena forte, Então seria mais que natural eu tocar na Bahia mas me parece que por aí todas as produtoras de eventos têm ligação com a música baiana e elas acham que eu sou um inimigo e que eu vou detonar o negócio deles. Já o pessoal da oposição que seria a parte interessada em fazer um contraponto e tentar diversificar a cena cultural, de certa forma parece também estar ligada ao esquema da música baiana, ou melhor, ao baixo clero da musica baiana. Já fui sondado algumas vezes para me apresentar num evento na Concha Acústica que é ligado a um órgão do governo estadual (N.R. Projeto Sua Nota é um Show), mas quando tudo parece estar se concretizando vem o produtor do evento com aquele argumento furado, aquela conversa fiada: “ah. Marcelo vai falar mal de ACM, Marcelo tem de segurar a língua”...Aí não dá, né? O produtor não se impõe, não tem personalidade, ele tem medo do diretor, tem medo do secretário e Marcelo Nova é que é o culpado. Para se ter uma idéia, toquei dias atrás em Campinas num evento patrocinado pela secretaria de cultura da cidade e lá não existe nenhum tipo de empecilho ou censura. Outras vezes entro em negociação com algum produtor daí, e ele vem com o papo, “mas Marcelo, eu queria trazer você mas o preço do abadá teve uma alta”... Fica até parecendo que as ações da Bolsa de Valores da Bahia são vinculadas ao preço do abadá. A motoniveladora e a monocultura da musica baiana transformou a Bahia num celeiro de mediocridade e em todos os níveis. É impressionante!

O Clashcityrockers é um blog na internet sobre assuntos diversos que, de uma forma, estão ligados ao rock´n´roll...

Legal. Realmente tem muita coisa acontecendo na internet. Meu filho Drake sempre está baixando coisas interessantes da rede, principalmente no Soulseek. O Ary, que é o cara que trabalha comigo nas produções e é quem informa através da rede os meus shows, as minhas atividades me fala que sempre estão rolando discussões por lá. Mas eu, particularmente, não tenho saco prá ficar na frente de computador, internet e essas coisas.

E o CD de Eric Burdon, cantor do Animals, que tem três músicas suas?

Esta foi uma grata surpresa! Na verdade das três canções, apenas uma é inédita: Black and White World, que escrevemos juntos. As outras duas são Coração Satânico e Garota da Motorcicleta que estão no meu album de 1994, Sessão sem fim. O Eric as traduziu para o inglês e passaram a se chamar, respectivamente, Devil´s Slide e Motorcycle Girl. E o disco dele é mesmo excelente e foi considerado um dos melhores da sua carreira. Quando ouvi o CD pela primeira vez eu fiquei emocionado, não só pelo fato de estar sendo interpretado por um dos meus ídolos de todos os tempos, um dos maiores vocalistas do rock como por estar ao lado de compositores que admiro muito, a exemplo de Leonard Cohen e David Byrne da época do Talking Heads que também estão sendo interpretados neste CD de Eric Burdon. Fiquei ouvindo o disco por horas e em homenagem derrubei uma garrafa de uísque.

Diga pros nossos leitores os CDs que voce tem ouvido ultimamente. E qual a sua opinião sobre esta nova safra de bandas que tem surgido lá fora?

Tenho ouvido um CD que os Yardbirds lançaram recentemente e que se chama Birdland que é muito legal, São oito releituras de seua clássicos e sete canções inéditas tão boas quanto. Tambem tenho ouvido muito o disco novo do Brian Setzer, guitarrista e vocalista do Stray Cats, que é um puta album de rockabilly e só com canções da Sun Records. Outro CD é o Atom Bomb dos Blind Boys of Alabama, um belo trabalho deste grupo vocal das antigas e que já tinha participado de um disco de Lou Reed. E, claro, ouço bastante o CD novo do Bruce Springsteen, Devils and Dust. Já essas bandas novas eu confesso que não tenho muito interesse. Ouço algumas coisas mas acho tudo muito vazio e efêmero, parecem miniaturas daqueles carrinhos matchbox... É certo que existem coisas interessantes mas sempre me pergunto até quando elas duram.

E o show do dia 17 de setembro aqui em Salvador no Rock in Rio?

Estou muito animado porque tocar aí na Bahia é para mim um prato cheio para fazer um contraponto a essa tal da “baianidade”. Soube que o local do show é uma casa legal, com infraestrutura e um espaço físico bem propício para shows de rock. Porque aí na Bahia tudo é muito improvisado. Ou é show em espaços abertos como o Festival de Verão ou é em barzinho sem nenhuma estrutura. O que mais me espanta é que em todos estas apresentações que faço pelo Brasil e no interior de São Paulo é constatar que estas cidades têm casas de shows de qualidade com capacidade para 500, 700 ou 1000 pessoas. Salvador isso não rola. Fico impressionado. A terceira cidade do páis com quase 3 milhões de habitantes e não tem casas para shows. Sei atraves das pessoas daí que o Rock in Rio está abrindo mais espaço para o rock´n´roll e isto é positivo. O fato de estar agora indo tocar neste lugar é muito animador e vamos ver como vai ser. Espero que o som e a parte técnica seja de qualidade

Você vai mostras músicas novas deste CD?

Claro! E muito mais. Vai ter de tudo que já fiz. E o que posso prometer é que vai ser uma grande noite de rock´n´roll.

Northern Soul

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Gloria Jones

por Marcos Rodrigues

Desde o fim da Segunda Guerra, o mundo não parou de produzir subculturas jovens. Sinal dos tempos, já anunciando os novos rumos da era moderna. Paris, 1946, à margem esquerda do Sena. Poetas, escritores, artistas, niilistas, a juventude sem futuro enfim, reunidas em torno do Existencialismo de Sartre, Beauvoir, Camus. Inglaterra à mesma época tinha os Angry Young Men, um movimento intelectual de esquerda, com peças, filmes e livros tratando da classe trabalhadora. Nos Estados Unidos, a Universidade de Columbia; o Village, em New York e a zona boêmia de São Francisco eram o cenário onde circulavam alucinados os Beatniks, on the road. Caronas, meditação, benzedrina e cool jazz. "kerouac dizia que, quando Miles Davis soprava seu trumpete era como longas sentenças escritas por Proust" (Bivar). E o Brasil, via Rio de Janeiro, que, sejamos honestos, era na década de 50 "o Brasil", com a Bossa Nova e cantinhos e violões, Nara Leão e todas uma turma bem nascida que girava em torno de Copacabana. Vieram depois o hippies, os freaks, os punks e o resto vocês sabem.

No meio de toda a movimentação dos anos 60, Beatles inclusos, surgiu na Inglaterra uma das mais inusitadas cenas da cultura pop. Falo dos Mods, abreviação de Modernists, tema que já foi abordado aqui no Clash City Rockers há algum tempo. Como vocês sabem, os Mods originalmente gostavam mesmo era de música negra norteamericana; modern jazz, rythm'n'blues e soul music. E juntavam todo o seu suado dinheirinho para incrementar suas Lambrettas e Vespas, comprar sapatos italianos e camisas Ben Shermann e sair na noite para dançar em clubes como The Twisted Wheel, The Golden Torch e, talvez o mais famoso deles, The Wigan Casino.

A disputa dos djs por tocar sons desconhecidos levou muitos deles aos Estados Unidos, para fuçar novidades da Soul Music que não chegavam na Ilha de Elizabeth. Deu-se o efeito colateral. No meio dos discos, entre clássicos da Motown, como Temptations, Supremes e Marvin Gaye, muitos singles de selos obscuros, como Shrine, também atravessaram o Atlântico. Pequenos selos desconhecidos inclusive nos EUA. Uma série de cantores, cantoras e grupos vocais com pouca expressividade comercial viraram febre nos clubes de Londres e muitos iam ver determinado dj porque só ele tinha 'aquela' música. Nasce uma cultura underground, com seus ritos e códigos e singles que viraram peças de colecionadores - a maioria daqueles pequenos selos não existem mais - e que construiram a aura e o charme do movimento mod. Uma verdadeira irmandade que deu forma a uma cena que vem se espalhando pelo mundo nas últimas três décadas. Primeiro norte da Europa e Itália, depois França e Espanha e, mais recentemente, com o advento da net retorna aos Estados Unidos, via Califórnia, chega a São Paulo, Curitiba e...Salvador. Ãh?! Explico abaixo.

Mas afinal, o que vem a ser Northern Soul? No final da década de 60, o jornalista Dave Godin montou uma loja de discos para vender essa música negra norteamericana, inclusive aqueles discos de selos pouco conhecidos. Entre os frequentadores da loja, Godim percebeu que o pessoal que chegava do norte da Inglaterra, sobretudo jogadores de futebol em passagem por Londres, procurava sempre por grooves mais orientados para a pista, menos redondos e rebuscados que os sons da Motown e com uma certa atitude, que é difícil de explicar. É aquela coisa, tem que ouvir. Assim para facilitar a vida de quem entrava na loja procurando esses sons específicos, Godim separou uma seção e escreveu na plaquinha 'Northern Soul'. Simples assim. É sério.

Mais do que um gênero específico Northern Soul diz respeito a uma cena e certo modo de vida. Música de qualidade, vocais incríveis, músicos sensacionais e um groove que melhora o seu dia. Assim ilustres desconhecidos como Bettye Lavette, Eddie Jefferson, Gloria Jones, Mose Dillard e dezenas de outros viraram pop stars para uma comunidade bem informada e que gira pelo mundo em torno de clubes e djs (de verdade) e cultura mod.

E o que Salvador tem a ver com isso? Bom, posso adiantar em primeira mão, para os leitores deste prestigioso blog, que o Miss Modular passa a abrir todos os domingos, a partir do final de novembro para as chamadas Soul Sundays. Motown, Classic & Northern Soul e Mod Jazz. Uma prévia do que virá pode ser ouvida no programa 16 Toneladas, da Rádio Educadora, no próxima dia 09. Por enquanto fiquem com a maravilhosa Gloria Jones (que, diga-se de passagem, era a mulher de Marc Bolan) no link ai ao lado.

Uma penetra no Clube do Bolinha

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por Miguel Cordeiro

Sempre que voce lê, lembra ou conversa sobre os primórdios do rock´n´roll lá nos idos da década de 1950, a primeira imagem que surge é a de um bando de marmanjos ora remexendo a pélvis, ora empunhando guitarras endiabradas, ora martelando as teclas do piano ou berrando a plenos pulmões “uop bop loom uop lop bam bum”. Mas não era só isto. No meio daquele universo dominado por testosterona existia uma garota fora de série chamada Wanda Jackson. Nascida em 1937 no estado de Oklahoma (USA) e com o apoio do pai músico, Wanda deu os primeiros passos no piano, no violão e participando de corais gospel da igreja local. Entre 1954 e 1956 lançou alguns compactos como intérprete de canções country de apelo romântico. Mas, ao excursionar com Elvis Presley que, impressionado pela sua voz e por outros atributos, a incentivou a cantar o rock´n´roll e Wanda Jackson seguiu os conselhos do Rei e decidiu ser intérprete daquela música animalesca e libidinosa.

Em 1956 lançou seu primeiro álbum já dentro deste estilo e começou a se destacar no meio dos marmanjos, o que gerou comentários elogiosos pela sua verve artística, sua bela voz e também comentários maldosos de que ela seria uma garota selvagem... Mas aquela era uma época em que o mundo era mesmo muito machista e as mudanças comportamentais ainda estavam por vir; e, afinal de contas, o rock´n´roll era um palco basicamente restrito aos homens.

Wanda Jackson era uma garota deslumbrante, uma pioneira em todos os sentidos. Peitou, literalmente, as regras vigentes e foi a primeira performer da musica popular a usar maquiagem marcante, roupas sexy e provocantes e ter postura de palco incendiária. Uma cantora versátil, de voz privilegiada que nas suas interpretações lhe permitia alternar suavidade, doçura e grunhidos rascantes.

As versões de Wanda para os hinos do rock´n´roll são simplesmente sensacionais. Para confirmar isto basta ouvi-la cantando Long tall Sally e Slippin´ and slidin´ (Little Richard), Brown eyed handsome man (Chuck Berry), My baby left me (Arthur Crudup), Kansas City, Riot in cell block # 9. Outras canções ela própria popularizou: Mean mean man, Let´s have a party e Fujyama mama.

Apesar de fazer sucesso ela nunca foi um fenômeno de vendas, mas entre 1956 e 1962 Wanda Furacão reinou sozinha como a mais legítima representante feminina do rock´n´roll. Devido aos preconceitos e sendo uma mulher à frente do seu tempo, ela não teve um apoio mais incisivo dos produtores e das gravadoras e preferiu redirecionar sua carreira para a musica country. Abraçou a causa cristã mas nas excursões que sempre faz pela América e Europa (onde tem um público fiel), o fogo profano do rock´n´roll arde em altas labaredas.

Reverenciada pelo Cramps, Brian Setzer, Elvis Costelo, Jack White e muitos outros o exemplo de Wanda Jackson repete a lenda que diz que os pioneiros pagam um preço muito alto pela sua originalidade, porém o reconhecimento torna-se cada vez maior à medida que o tempo passa. Entretanto, a maior ousadia de Wanda Jackson foi participar do Clube do Bolinha e se recusar a só bancar o papel da garotinha que faz os serviços domésticos. Ela foi pro centro de decisões, subiu no palco e se fez, com todos os méritos, a Rainha do Rockabilly.

O homem que inventou a Soul Music

photo Wally Seawell


por Nei Bahia

Confesso que tem algumas cidade dos Estados Unidos em que queria beber a água, respirar o ar ou nadar do rio das redondezas; tudo isso pra tentar entender o porque num mesmo lugar nascerem Litlle Richard e Otis Redding; a pequena Macon; ou Clarksdale, Mississippi, onde nasceram Muddy Waters, John Lee Hooker e o meu personagem, Sam Cooke. Não conhece?

Não é problema, mas o que ele começou, você não só conhece como dançou e ainda dança, assoviou e ainda vai assoviar muito, canta e cantou muitas vezes.

Sim, Ray Charles já tinha arrombado a porta da Igreja e junto com um turco chamado Ahmet Ertegun colocado de cabeça pra baixo as paradas americanas, o filho do Pastor Charles Cooke usou a sutileza que trouxe dos Soul Stirrers, (grupo de gospel), e partindo de seu primeiro single "You send me" de 1957, deu inicio a uma carreira onde ele não respeitou as barreiras do mercado de discos e das rádios, agradando tanto seu antigo público gospel(que o ouvia escondido dos pastores e ministros da igreja), como um público negro mais moderno, chegando até ao público médio, onde Frank Sinatra era imbatível. Sim, Sinatra, "Old blue eyes" para os íntimos, que confessou uma vez só ficar tranquilo quando ouvia Sam Cooke depois que lembrava que ele não era branco...(que mundo f...).

Bastaram 2 anos no mercado como cantor profano, para ele trocar a pequena Specialty pela gigante RCA, onde gravava um certo Elvis, e ali ser talvez um dos inventores do LP como obra e não como coletânea de singles. Poderia ali permanecer, mais parte para mostrar o modelo que a Motown e Berry Gordy iriam seguir: música negra, pop e perfeita, imune às loucuras da sociedade hipócrita americana. Abre seu selo, a SAR, e grava tanto música sagrada quanto popular.

Muito antes de James Brown pedir pra os negros gritarem alto "...sou negro e orgulhoso disso, Sam faz "A Change Is Gonna Come", e deixa perplexos muitos que nunca pensariam que aquele negro que se vestia e se portava como Tony Bennet pudesse tentar algo claramente revolucionário. Otis Redding foi mais influente como cantor, Al Green ainda convive com maestria única entre o gospel e o soul, Marvin Gaye foi o mais lascivo de todos, Michael Jackson (sim, ele mesmo) teve a chance de ser o maior de todos e não quis, James Brown o maior em cima do palco, mais Sam é o mais perfeito cantor da música negra americana.

Pra terminar, queria deixar um conselho: não passe mais um segundo sem ouvir "Live at The Harlem Square Club - 1963", disco ao vivo lançado no fim da década de 80, que mostra todo o poder de Sam. Acompanhado da banda do saxofonista King Curtis, esse disco tem um poder quase sobrenatural de fazer pessoas felizes; do início com "Feel it" (perfeito título) e "Chai chang" (dúvido que você não acompanhe o refrão quando estiver ouvindo), até o fim com "Having a Party" (canção usada por Rod stewart p´ra terminar seus shows durante toda a sua carreira solo, sim, eu disse TODOS os shows dele em mais de 30 anos), passando pela românticas (no bom sentido) "Cupid" e "It's All Right/For Sentimental Reasons" que praticamente fazem você ouvir as calcinhas voando em direção ao palco.

Você acha exagero? Pode acreditar, eu não tenho capacidade de descrever, ouça!

Conflito de gerações

ilustração sobre foto M.Rodrigues


por Miguel Cordeiro

Quando um filho está para nascer os pais se perdem em longas discussões sobre qual será o nome que o rebento receberá. E o que leva os pais a batizar o seu filhote com o surpreendente nome de Creedence Clearwater Revival? Pois este é o caso verídico de um pai paulista que deu este nome ao seu filho, e, este, anos depois, veio a se destacar como um craque do futebol. E quando um pai constata que o filho corre numa direção oposta àquela que o pai imaginara ao dar aquele determinado nome ao filhote? Pois não é que o craque Creedence Clearwater Revival gosta de pagode? Logo o pagode, um dos inimigos mortais do rock´n´roll, ritmo que serviu de inspiração para o seu próprio nome?!!


É o tal do conflito de gerações que quase sempre leva o filho a fazer e gostar de tudo que seja contrário ao que os pais fazem e gostam. Isto me lembra do exemplo de um amigo que se viu nesta situação. O pai cresceu ouvindo rock e guardava com todo carinho e cuidado os seus discos de vinil e seus cds, acalentando um sonho que os seus filhos tivessem ao alcance das mãos aquele acervo de preciosidades.Quando o seu primeiro filho nasceu, ele escolheu um nome e fazia questão de explicar o seu significado para os amigos, e, ao encontrá-lo numa rua da cidade, ele me falou que o nome do seu herdeiro era Joe, em homenagem a Joe Strummer, da banda The Clash. Logo imaginei o garotinho sendo ninado ao som de Guns of Brixton ou de Spanish Bombs e achava que o futuro do rock estava preservado. Mas aos poucos o conflito de gerações se estabeleceu naquela célula familiar e o nosso Joe cresceu gostando de rock, mas de um rock que o zeloso papai não tinha nenhuma afinidade.


Papai mostrava ao filhote os clássicos do T. Rex e o filhote ficava entediado, dava as costas e ia pro seu quarto ouvir o System of a down. Papai mostrava os riffs cristalinos e econômicos do mestre B.B. King mas o filhote preferia a avalanche de notas do Malmsteen. Papai apresentava o rock pesado do Foghat mas o filhote achava que aquilo era pop e caía de cabeça no Motley Crue. Papai botava para tocar The Cure, Echo & The Bunnymen, o filhote dizia que aquilo era rock de veado e ia ouvir o rock de macho de Rob Halford e seus Judas Priest. Papai apresentou o rock de Brasilia e suas roupas pretas mas o filhote aprendeu com os coleguinhas a gostar das bandas de Recife com suas roupas coloridas. Papai sentia na alma os gemidos de Otis Redding e o filhote sentia nos nervos o blá blá blá dos rappers. Papai pulava enraivecido com o Ira e o filhote pulava conformado com o hardcore melódico. Filhote apareceu com um cd do macabro Marilyn Manson e papai disse que Alice Cooper já tinha feito aquilo e filhote ficou chateado. Papai mostrou o som da poesia nordestina apocalíptica de Zé Ramalho mas um dia flagrou o filhote meio estranho, vestido numa bata branca e escutando escondido o som da poesia parnasiana do Cordel do Fogo Encantado.


Por fim, e depois de muitas brigas homéricas, papai encheu o saco de querer fazer a cabeça do filhote e decidiram ir cada um para o seu lado.Papai tomou para si todos os discos e cds da sua própria coleção e o filhote armazenou no seu computador os sons do seu universo juvenil. Às vezes, num dia iluminado e rodando de carro pela cidade os dois se encontravam, viajandões, ao som de Jimi Hendrix ou do Zeppelin mas aqueles eram momentos cada vez mais raros. E a vida seguia seu rumo.


Eis que, numa noite, a familia se preparava para um jantar de aniversário de um velho amigo da familia. Papai aproveitava o momento e ouvia um album do Crosby Stills Nash & Young. O filhote em seu quarto ouvia Marcelo D2, aumenta o volume abafando a música que papai escuta na sala. Papai dá um grito de ordem mandando baixar o som e este grita de volta dizendo a mesma coisa. Tem início uma forte discussão e mamãe intercede ordenando que os dois desliguem os seus equipamentos.


Um silêncio apreensivo toma conta do lar. Papai já está pronto e reclama do atraso da mamãe e da filhota que, indecisas, conversam sobre qual roupa devem vestir. Papai se impacienta, dá pressa à familia e pega o jornal para ler. Só notícias ruins. No caderno 2 mais uma entrevista com respostas indecifráveis do ministro Gilberto Gil, no caderno de política só falcatruas, corrupção e roubalheiras envolvendo, justamente, o governo que papai ajudou a eleger com o seu voto. Papai fica revoltado mas no seu lar não tem com quem dividir a sua indignação. Lembra que o filhote é um alienado político, alheio a realidade do país. Mamãe e filhota não ligam para isso e vivem no universo das revistas de celebridades e das novelas da televisão.


Finalmente, a familia está pronta para sair e quando o filhote surge do quarto com sua indumentária padrão - o boné virado, o tênis pé de pato, a calça arriada e uma T-shirt extra-extra-grande do Linkin Park, aquilo soou como uma provocação para o papai. Ele resmunga, reprova a roupa do filhote, reclama da calça arriada, da cueca aparecendo e diz que a roupa é ridícula. O filhote responde a altura: ridícula é a roupa do papai com aquela calça jeans apertadinha de cantor sertanejo. Foi a gota dágua. Papai ficou furioso, começa a berrar transtornado e, descontrolado, atira o seu celular contra a parede que se espatifa em mil pedaços. E começa a chorar convulsivamente. Amaldiçoa a vida familiar e escancara o abismo profundo que os separa. Mamãe desmorona e cai em prantos. Filhote volta pro seu quarto. Filhota corre e se tranca no seu quarto. A ida pro jantar de aniversário foi abortada. A familia passou dias sem trocar palavras entre si. Uma atmosfera lúgubre tomou conta daquele lar. Os equipamentos de som ficaram mudos. E, a partir daquela data, o rock´n´roll morreu naquela casa.


The Beatles, Looking Through a Glass Onion

ilustração M. Rodrigues


por Sérgio 'Cebola' Martinez

Não ha nada de novo que essas linhas possam acrescentar ao legado dos Beatles. Provavelmente pouca coisa que todos já não saibam. Mas, como dizem, o óbvio nem sempre é ululante e é sempre válido acreditar na possibilidade de alguém, em algum lugar, nesses tempos cínicos e superinformados, alguém ao menos, vir a pensar lá com seus botões inflados de megabytes poderosos: Poxa, tanto assim?! É nesta fé que venho aqui, antes tarde do que mais tarde ainda, me arriscar no labirinto de sonhos desta terra de lugar nenhum, naquele canto congelado do tempo que começou em Liverpool com quatro carinhas viciados em rock'n'roll.

Foi Bob Dylan quem disse (isso em 1964!), uma frase que arrepiaria os seus fãs mais puristas na América: " Eles (os Beatles) estavam fazendo coisas que ninguém fazia". O frescor excitante das melodias, as harmonias em duas ou três vozes, os refrões ganchudos, a energia na execução instrumental, a produção de George Martin, muitos fatores simultâneos ocorriam com inteligência sutil e certa ingenuidade jovem, isso já nos primeiros discos. Os dois primeiros álbuns, PleasePlease Me (03/1963) e With the Beatles (12/1963), já revelavam uma auto suficiência quase arrogante para uma banda iniciante daqueles tempos. Mais da metade das canções eram de autoria da banda, o que não era comum. Só para se comparar, os primeiros discos dos Rolling Stones praticamente não possuíam faixas próprias, o que era a prática corriqueira. Não só isso, boa parte dessas canções tornaram-se clássicos atemporais, como I Saw Her Standing There, Please Please me, Love Me Do, I Wanna Hold Your Hand, e muito mais. Os ingleses tomarama América com um furor nunca igualado. Acima de qualquer explicação sócio-cultural, a qualidade/quantidade de canções da usina Lennon/McCartney falava por si só, influenciando artistas pop em todosos cantos do planeta. Alguém, ok, um pouco exageradamente falou na época que compor da forma como compunham, sem conhecimento teórico de música, equivaleria a uma pessoa que nunca estudou física, montar a bomba H. Mas o melhor ainda estava por vir.

Foi em Rubber Soul (12/1965) que as mudanças sutis que já seprenunciavam em A Hard Day´s Night e Help, se concretizaram. As canções ganhavam em complexidade sem perder a urgência característicada primeira fase. As letras se aprofundam, a técnica se aprimora em todos os sentidos, cada canção, um universo em si mesma. A agressividade de Drive My Car, a beleza nostálgica de In My Life, as sublimes harmonias vocais em Nowhere Man, este disco foi, de certa forma, o responsável por Pet Sounds, álbum seminal dos Beach Boys (onde Brian Wilson, como queiram), e isso é mais do que o necessário para exemplificar sua importância. Daí veio Revolver, e o mundo rock nunca mais foi o mesmo.

Qual a importância de um disco que escancarou o formato canção pop? Que incorporou com maestria violinos, violoncelos, violas, tablas, fitas ao contrário, efeitos sonoros, solos de guitarra invertidos,vozes etéreas...? Que falava de maconha, descrevia viagens de ácido, citava o Livro dos Mortos do Tibet, dava vazão à crítica social, submarinos amarelos e amores perdidos? Que possui duas das melhores canções psicodélicas da história (She Said She Said e Tomorrow NeverKnows)? Que, definitivamente criou e ao mesmo tempo já ultrapassou, em uma tresloucada agonia criativa, a psicodelia?? Qual a importância de Revolver??? Simplesmente desligue sua mente, relaxe e flutue na corrente...

HEY, WAKE UP, depois veio Sgt. Pepper´s Lonely Hearts Club Band!!

As experiências de Revolver levadas às últimas conseqüências, Sgt.Pepper´s é considerado por muitos a obra máxima da história da música pop. George Martim, o produtor, o "quinto Beatle", conseguira traduzirem sons todas as visões oníricas da banda. Primeiro álbum conceitualda história, Sgt. Peppers é um disco pra ser ouvido por inteiro. As canções se interligam em uma sinfonia pop psicodélica antecipando as experiências posteriores de Pete Townsend na ópera rock Tommy e até o rock progressivo dos anos 70.

Pra não me alongar muito, sugiro a leitura do livro Paz, Amor e Sgt.Pepper de George Martin que dá uma dissecada legal em todo o processo de produção do disco mais importante da cultura pop. Ainda na cola da psicodelia os Fab Four ainda geraram dois discos/filmes importantíssimos para a compreensão deste período da cultura sixties, Yellow Submarine, trilha da fantástica animação de mesmo nome e Magical Mystery Tour, também trilha sonora.

White Album, Álbum Branco, ou simplesmente, The Beatles, é o disco de 1968. Como sugere o título, deixa pra trás a psicodelia, o colorido hippie, as viagens ácidas para, como muitas outras bandas neste ano, voltar ao básico. Não tanto, é verdade, afinal, Revolution #9 é tudomenos básica. Na verdade nem se trata de uma canção. É mais uma colagem de sons e efeitos sonoros que sugere um pesadelo recorrente, onde uma insistente number 9, number 9, é repetido, pontuando a estrutura da peça. E pra quem, simploriamente, ainda acha que Paul era o cara comportado e John o visceral, fique sabendo que é dele, Paul, o esporro sônico, avô do grunge, segundo Jack Endino, pai do hard rock, antecipação da brutalidade em forma de canção, Helter Skelter. Álbum duplo, The Beatles, meu predileto, se me permitem, atira em tantas direções quanto possível, e sempre acerta o alvo. Eric Clapton toca em While My Guitar Gently Weeps, de George, talvez a melhor dele, John canta o hino dos insones, I´m So Tired, Paul escancara sua influência black 'n'blues em Why Don´t We Do It In The Road, que é, segundo teoria abalizada do Brother Nei Bahia, um apelo ao retorno à estrada, abandonada pelos Beatles desde 1966. Revolution ganha uma versão mais arrastada, com vocalizações doowop e o mundo ganha um baú repleto decanções pra todos os gostos, pronto pra ser saqueado sem dó nem piedade. Aproveitem, tá tudo lá.

Lançado após Abbey Road mas gravado antes, Let It Be acabou não ficando tão bom quanto poderia ter sido. Ouvindo sua reedição recente, sem a pós-produção de Phil Spector, o cara do wall of sound,chegamos mais próximo, ironicamente, do que parecia ser a idéia original de John e Paul para o disco, uma volta às raízes, um disco mais crú, mais básico, tanto que o projeto inicialmente chamava-se Get Back, que acabou sendo o título da música que fecha o lado b (sorry,era vinil), rock n´roll puro, com Billy Preston no órgão. Só esta, mais Let it Be e Across the Universe já bastavam pra justificar a existência de qualquer banda hoje em dia, quanto mais um disco. Lançado em maio de 1970, muita gente acredita ser este o canto do cisne dos Beatles, mas o melhor ficou pro fim.

O último trabalho produzido pela banda é aquele da famosa capa dos quatro atravessando a rua, que está cheio de "referências" à suposta morte de Paul, o morto mais vivo da história. Mas essa é uma historinha paralela que merece até um post. Abbey Road é perfeito. O que o Sir Paul McCartney aprontou naquele lado b não é brincadeira não. Depois da abertura com Here Comes The Sun, fantástica composição de George Harrison, Because inicia uma viagem deliciosa onde as canções são mais uma vez interligadas (como em Sgt Peppers) em uma montanha russa de sons e texturas, inesquecíveis melodias, harmonizações vocais à Beach Boys, e até um solo de bateria. O lado A é mais tradicional, mas tradição com o selo Lennon/Mccartney de qualidade. Destaque para Come Together, coverizado pelo Aerosmithanos depois, Oh! Darling e a alucinada I Want You (She´s So Heavy). Nesta música toda a letra se resume ao título, e seu final é no mínimo, inusitado. A melodia original vai se afundando sob uma rajada contínua e cada vez mais alta de um ruído que aos poucos vai"engolindo" a canção que acaba de repente, como se alguém tivesse tropeçado na tomada e "desligado" o gravador. Ruído sobre melodia? Alguém por aí pensou em Sonic Youth? Ou Jesus And Mary Chain?? Tudo bem, velhinho. O disco acaba, profeticamente (o fim estava próximo, lembrem-se), com uma canção chamada The End: "E no fim, o amor que você ganha é igual ao amor que você faz", perfeito, não? Depois de 18 segundos de silêncio entra uma vinhetinha, Her Majesty, mas não está nem creditada na capa do disco...Primeira faixa bônus da história? Mas até isso??

Bom, acho que já me alonguei demais, mesmo não achando o suficiente. Vale a pena, a título de desculpas, ressaltar que o fato de não ter me detido sobre Beatles For Sale, A Hard Day´s Night e Help!, não significa que eles não são tão bons quanto os demais. Aliás, não tenho medo de dizer que toda a discografia oficial dos Beatles, incluindo compactos, é fundamental para o entendimento do fenômeno. iPod baixar tudo, que vale a pena.