Psychocandy ou O Dia Em Que o Rock Parou

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por reverendo Sérgio 'Cebola' Martinez

2005. Clashcityrockers e seu irmão virtual, Rockloco, em acalorada, polêmica, produtiva e inútil discussão sobre indie rock e sua crise de identidade de meia idade. Diversas questões, algumas respostas, brigas amigas, inimigos anônimos, o diabo. E, por falar no cujo, o santo nome de uma corrente de fé é usado em vão. Ou não. A pergunta ficou no ar, ou melhor, na rede, e desde então, falar sobre Jesus and Mary Chain (a tal corrente de fé, sacou, sacou?), se tornou uma obsessão deste fiel. Esperamos tentar contribuir de alguma forma para o fim desta discussão, ou, pelo menos, para unir todos os fiéis numa mesma igreja blasfema.

1986. Advertido pela saudosa (para mim, entendam), revista Bizz, saio da Sandiz (alguém?), com meu vinil do Psychocandy na sacola. O choque foi foda. Choque mesmo. Definitivamente, a beleza psicótica, quase desnorteada, melódica, agônica e doce, era nova, e sua influência na ilha foi impressionante. Os vocais divididos entre os Irmãos Jim e William Reid, também responsáveis pelas guitarras, desciam ao último círculo de Dante pra soarem as vezes puro bubblegum, Beach Boys primeira fase afundado em distorções, microfonias, volume e minimalismo. O baterista era Bobby Gilespie, depois Primal Scream, que tocava em pé em um kit que só se via em programa de dublagem da tv, de tão reduzido. Soava como Mo Tucker, do Velvet Underground, só que mais minimal ainda. Aliás, Estes podem ser considerados os verdadeiros pais de Jesus e Maria, versão esporro elétrico. Douglas Hart segurava o baixo gravíssimo e básico.

Lançado por lá em 85, provocou um tsunami sônico de tal proporção que seus reflexos se sentiram após muito tempo e em muitos lugares. Shoe gazers, indies, rockers, muitos pretenderam alcançar o clima deste disco. As canções eram simples rock'n'roll sixties. As guitarras davam o diferencial, ao elevar o volume, a microfonia e a simplicidade a níveis altíssimos. Em todos os sentidos.

Alguns preferem o Darklands, seu álbum seguinte, outros o Honey's Dead de 92, não importa. O estrago já estava feito. Quanta doçura em Just Like Honey (aquela do final de Encontros e Desencontros), agonia sulfurosa em The Living End e It's So Hard, pop perfeito em Taste Of Cindy e Never Understand...Rock arriscando, puro rock'n'roll, lotado de contra indicações, principalmente para aqueles buscavam, e ainda buscam, o comum insosso, o bonito insípido (aaah, eu gosto de tuuudooo!). Não, brothers and sisters, Jesus and Mary Chain é pra quem gosta de ROCK.

Como o Velvet, não alcançaram grandes posições nos charts, mas também como o Velvet, o Jesus exerceu uma influência absolutamente desproporcional à quantidade de discos vendidos. Nos discos seguintes, as microfonias foram se abrandando, mas nunca se calaram de todo. Em 99, a banda acaba, mas nos deixa um legado de canções e sugestões para serem ouvidas e passadas adiante...bom, é o que estou tentando fazer...

De volta a 2005, você quer saber ainda se eu tenho a resposta para aquela discussão lá de cima, se eles são indie ou não? Irmãos de fé, pagãos e detratores, em verdade vos digo, a resposta está aqui dentro.

Amém.

Rock também é coisa de mulher !!!

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Rita Lee, na época do album Fruto Proibido

por Yara Vasku

Século 21. Alguns pensam que o mundo está em constante evolução, inclusive culturalmente, enquanto outros acreditam que os movimentos são basicamente cíclicos. Não importa. Algumas verdades pairam – quase – absolutas no meio desta discussão filosófica. Uma delas é sobre a pequena, mas igualmente importante, participação das mulheres no rock´n´roll. O porquê desta pequena participação, no entanto, não interessa para os indivíduos que enxergam as coisas além dos cromossomos XX e XY.

Século 20, década de 60. Em São Paulo nascia uma das bandas de rock´n´roll mais criativas e talentosas do Brasil: Os Mutantes, tendo como formação inicial os irmãos Arnaldo Baptista e Sérgio Dias (mais tarde se juntariam ao grupo o baterista Ronaldo Paes Leme, o Dinho, e o baixista Arnolpho Lima Filho, o Liminha), ao lado de RITA LEE. Sim, a personagem deste post-quase-manifesto-feminista. Personagem interessante durante o período que realmente interessa: dos Mutantes a Tutti Frutti, antes de Rita Lee iniciar o caminho que a trouxe onde está hoje...

Nascida de descendentes americanos e italianos, Rita Lee desde criança se interessou por música (chegou a estudar piano clássico com a famosa concertista Madalena Tagliaferro) e também por quebrar as regras. Quando sua família descobriu que ela fugia de casa para cantar num grupo formado por amigas, o “Teenage Singers”, a obrigou a ser uma ‘boa menina’. Lee prometeu inclusive estudar muito, mas em troca, pediu uma bateria. Como baterista, e depois como baixista, Rita Lee tocava com este e outros grupos em festinhas na escola.

Em 1964 participou do Tulio Trio, depois do grupo Six Sided Rockers, que mudou o nome para O'Seis e lançou um compacto com as músicas "Suicida" e "Apocalipse". No final de 1965, com a mudança de alguns integrantes, o grupo mudou o nome para O Konjunto. Nessa época conheceu os irmãos Sérgio e Arnaldo. Quando chegaram a um trio, surgiu Os Bruxos que logo foi rebatizado de Os Mutantes, grupo do qual Rita fez parte de 1966 a 1972, gravando cinco discos. Estava formada a banda que surpreendia com suas melodias, letras, roupas e atitudes lúdicas, psicodélicas, debochadas, irreverentes, vanguardistas e muito mais.

Alguns discos depois e loucura demais – a turma se encharcava de LSD e maconha – fizeram Os Mutantes perderem um pouco o humor e o senso de pop do início. Nesta fase, (principalmente) Arnaldo culpou Rita Lee (também sua esposa) pelos problemas e insucessos da banda que acabou terminando. Eles acreditavam que a culpa era dela: uma mulher e, como tal, não tinha nascido para o rock. Pois é, uma mulher que era responsável pela voz (ao lado dos demais integrantes), percussão e efeitos das músicas da banda. Ela inclusive, foi co-autora da maioria das canções dos Mutantes desta fase (após 1972, a banda teve várias formações e gravou três discos), como “Ando Meio Desligado”, o rock visceral “Meu Refrigerador não Funciona”, a psicodélica “Tecnicolor”, a latinizada “El Justiciero”, a balada “Vida de Cachorro”, entre tantos outros sucessos.

Ainda na banda, em 1970, Rita Lee lançou o primeiro álbum solo, “Build Up” que, no entanto, traz direção musical de Arnaldo Baptista e Os Mutantes como participação especial. Depois, em 1972, um disco com a formação dos Mutantes (muitos consideram o sexto e último trabalho da banda com Rita Lee, mas que foi somente atribuído a ela) “Hoje é o Primeiro Dia do Resto de Sua Vida”. Duas pérolas do rock feito no Brasil ao lado dos já conceituados discos de Os Mutantes e da fase posterior, com a banda Tutti Frutti.

Em 1973, Rita e a cantora Lúcia Turnbull formam a dupla acústica "Cilibrinas do Éden" que não vai adiante, mas o trabalho juntas ainda pode ser conferido na banda seguinte que Lee monta ainda em 1973: Tutti Frutti. Esta é a época de consolidação de seu talento e carisma, com a gravação de quatro discos: “Atrás do Porto tem uma cidade”, de 1974; “Fruto Proibido”, de 1975 (apontado por muitos críticos como o melhor disco de rock nacional de todos os tempos); “Entradas e Bandeiras”, de 1976; e “Babilônia – Rita Lee & Tutti Frutti”, de 1978 (disco que estréia a parceria musical com Roberto de Carvalho).

Era época das primeiras turnês e de melhorar o astral e a auto-estima, mas o machismo (?) a perseguiu com esta banda e Rita Lee, deprimida, tentou o suicídio engolindo um monte de comprimidos. Foi salva por um amigo que arrombou a porta e a levou para o hospital. Em 1976, cumpriu um ano de prisão domiciliar por porte de maconha. Neste mesmo ano Rita conhece e se apaixona pela pessoa e pela música de Roberto de Carvalho. A partir daí nasce uma nova Rita Lee com algumas “coisas” interessantes no final da década de 70 e outras pitorescas e datadas na de 80... Mas aí é outra história...

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Discografia Mutantes e Rita Lee:

Os Mutantes – 1968 (Os Mutantes com Rita Lee)
Os Mutantes – 1969 (Os Mutantes com Rita Lee)
A Divina Comédia ou Ando Meio Desligado – 1970 (Os Mutantes com Rita Lee)
Build Up – 1070 (álbum solo)
Jardim Elétrico – 1971 (Os Mutantes com Rita Lee)
Hoje é o Primeiro Dia do Resto de sua Vida – 1972 (com Os Mutantes em obra atribuída a ela)
Mutantes e seus Cometas no País dos Baurets – 1972 (Os Mutantes com Rita Lee)
O A e o Z – 1973 (Os Mutantes sem Rita Lee)
Atrás do Porto tem uma Cidade – 1974 (Rita Lee e Tutti Frutti)
Tudo foi Feito pelo Sol – 1974 (Os Mutantes sem Rita Lee)
Fruto Proibido – 1975 (Rita Lee e Tutti Frutti)
Entradas e Bandeiras (Rita Lee e Tutti Frutti)
Mutantes ao Vivo – 1977 (Os Mutantes sem Rita Lee)
“Babilônia – Rita Lee & Tutti Frutti”, de 1978 Tecnicolor – 2000 (obra póstuma de Os Mutantes com Rita Lee)

Biografia Rita Lee (pós Mutantes e Tutti Frutti):

“Rita Lee”, de 1979 (cinco músicas com Roberto de Carvalho, entre elas Chega Mais, Papai me Empresta o Carro e Mania de Você); “Rita Lee”, de 1980 (seis músicas com Roberto de Carvalho, a exemplo de Lança Perfume e Bem-me-quer); “Saúde”, de 1981(sete músicas com Roberto de Carvalho, como Saúde, Mutante e Banho de Espuma); “Rita Lee & Roberto de Carvalho”, de 1982 (o maridão pela primeira vez na capa e co-autoria de todas as músicas, entre elas Flagra, Cor-de-roda Choque); “Bom-Bom – Rita Lee & Roberto de Carvalho”, de 1983 (todas as músicas da dupla, fase de Desculpe o Auê); “Rita e Roberto”, de 1985 (novamente todas em dupla, como em Vírus do Amor, Noviças do Vício); “Flerte Fatal – Rita Lee & Roberto de Carvalho”, de 1987 (início de outros parceiros); “Zona Zen”, de 1988; “Rita Lee & Roberto de Carvalho”, de 1990; “Rita Lee em & Bossa´n´Roll ao vivo”, de 1991 (início do resgate músicas antigas); “Rita Lee”, de 1993; “A Marca da Zorra”, de 1995 (novo resgate); “Santa Rita de Sampa”, de 1997; “Acústico Rita Lee”, de 1998; “3001”, de 2000 (dizem que foi um novo disco de rock para compensar as bobagens de 80 e 90); “Aqui, Ali em Qualquer Lugar”, de 2001 (releituras de músicas do Beatles); “Balacobaco”, de 2003 e “Rita Lee MTV ao Vivo”, de 2004.

ROCKANDROLLFUCKITALL

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Raul Seixas exibia orgulhoso sua carteirinha de roqueiro

por Miguel Cordeiro

Ettore Scola, um dos mais brilhantes cineastas daquela incomparável geração de italianos que faziam cinema para contar estórias e histórias de maneira cativante e envolvente, dirigiu um filme em que ele dá a sua interpretação da trajetória da música ao longo do século 20. O nome deste filme é O Baile e nele não há diálogos, nem um sequer. Os atores, homens e mulheres estão sempre num salão de festas desfrutando de um baile sem fim que escorre através dos anos. Eles não pronunciam uma só palavra, mas dançam, gesticulam, representam vários grupos sociais que interagem, têm suas preferências enquanto uma orquestra vai executando, cronologicamente, a trilha sonora respectiva à cada época. O Baile é um filme obrigatório a todos os amantes da música, inclusive os roqueiros.

Scola parte do inicio do século passado com os bailes da belle epoque, acompanha o passar dos anos, vê a chegada de novos ritmos, de novos costumes e quando chega o momento da segunda guerra mundial (1939/1945), o salão de baile é fechado, torna-se um abrigo anti-aéreo, a música sai de cena e o que se ouve é o aterrorizante som dos alarmes e dos bombardeios.

Uma das maiores curiosidades do filme se passa exatamente após a segunda guerra. É a época das big bands ao estilo Glenn Miller e a orquestra está tocando a nossa familiar Aquarela do Brasil. Neste período o ambiente do baile, a decoração, o figurino dos atores é propositalmente apresentado dentro de uma estética 'brega' e o chacoalhar das maracas envolve o lugar. De repente, um estrondo. Uma gangue adentra o salão com um pontapé na porta, dão bicudas nos instrumentos da pomposa orquestra. Eles se vestem de preto, usam casacos de couro. A partir deste momento as guitarras impõem o ritmo do frenético rock´n´roll e os participantes do baile passam a apresentar um comportamento bem diferente daquele de antes.

Ettore Scola numa única cena explica sem palavras e com a precisão cirúrgica das imagens o que é o rock´n´roll. Está ali a aversão radical ao regionalismo, o elogio à força dionisíaca, o alinhamento ao paganismo, um pé na porta do convencionalismo careta, o desprezo ao virtuosismo masturbatório, a oposição frontal aos ritmos étnicos, a opção pela rebelião e pela incorreção política.

Queiram ou não, domesticado ou não o rock´n´roll sempre foi isso e mesmo hoje em um mundo globalizado de inegáveis avanços mas onde tudo é pasteurizado e homogênico, o verdadeiro rock ainda guarda estas características.

Mas a hipocrisia do mundo globalizado é eliminar as 'identidades' impondo a apatia e a ausência de opinião. É embaralhar as mercadorias para confundir a escolha do indivíduo pelo rótulo que mais lhe agrada. É criar falsas sentinelas da liberdade para acusar vozes dissonantes de serem patrulheiras. É se apropriar da máxima secular de que 'tudo na vida é válido' para transformá-la no conformismo do 'tudo é válido' que priva o ser humano de expor a sua opinião e de ter a opção de acertar e de errar. É destruir, acertadamente, muros de concreto ideológicos, e, erguer, equivocadamente, outros muros abstratos e invisíveis colocando em cima deles pessoas que repetem pateticamente: 'este muro é apenas mais uma coisa na vida da gente'. A hipocrisia do mundo globalizado é também criar o roqueiro que reverencia o boneco fantoche regionalista que está sentado confortavelmente no colo do manipulador ventríloquo.

Ettore Scola dá a entender que roqueiro de verdade, independente da fantasia da vestimenta, tem mesmo de marcar o seu território em um mundo sem opiniões. Raul Seixas percebeu isso na essência do rock´n´roll, e exibia com orgulho a sua carteirinha de roqueiro. Aliás, todo mundo deveria ser assim, ter uma 'carteira de identidade', mesmo que imaginária, dizendo claramente o que ele é, porque as aparências não significam mais nada, mesmo as sonoras. Assim, as coisas seriam mais fáceis e evitaríamos a perda de tempo, os subterfúgios. Saberíamos diferenciar o roqueiro que para ele 'rock é rock mesmo' daquele que estufa o peito, arrota distorção, mas assimila e incorpora, despersonalizadamente, os regionalismos. Não existe rock quando ele se mistura aos regionalismos, por mais radical que esta afirmação possa parecer. Ele deixa de ser rock e passa a ser uma outra coisa. E sem inteligência o rock´n´roll torna-se tão imbecil quanto a cultura regionalista de fácil manipulação.

Desça do muro e seja um roqueiro de carteirinha, e mesmo que seu gosto musical pessoal seja abrangente, universal e variado não misture as bolas. Rock é rock mesmo.

Joy Division 1977 - 1980

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Stephen Morris, Ian Curtis, Bernard Sumner e Peter Hook.

O Clash City Rockers aproveita a passagem da data de aniversário da morte do vocalista do Joy Division, Ian Curtis para, através dos textos de dois colaboradores, tentar lançar luzes onde muitos só querem escuridão. Não são textos para os que preferem ficar nas superfícies lustrosas e vampirescas dos obituários musicais. Se não é o seu caso, conheça um pouco mais sobre a história e a importância de uma das mais influentes bandas de rock'n'roll de todos os tempos.
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Uma banda além do mito

por Osvaldo Júnior

Vinte e cinco anos depois e com o mito cada vez maior, o suicídio de Ian Curtis continua sendo considerado pelos seus ex-companheiros de banda e pessoas que o conheciam de perto, um ato sem o menor sentido. A imagem do visionário sombrio, autor de canções carregadas de significados soturnos como Dead Souls e New Dawn Fades, comentarista íntimo da finitude da existência humana, tão intimo da morte que ele podia senti-la, oferecendo seu suicídio como seu testamento artístico definitivo, causa risadas nos seus ex-companheiros.

Tony Wilson, ex-empresário do Joy Division/New Order, é incisivo: " na verdade Ian era um cara muito divertido". O baixista Peter Hook acrescenta, "lan era um cara normal, casado, com uma hipoteca pra pagar e que amava música apesar de sabermos de alguns problemas que enfrentava, nada levava a crer que se mataria. "O vocalista Bernard Sumner não raramente se refere a Curtis como o cara que deixou os parceiros na mão," tínhamos uma tour pela América já marcada, mas não a fizemos porque o vocalista deu cano na gente." Sumner revela uma ponta de raiva com a história toda, e é dele a melhor definição que conheço sobre o que viria a se chamar de pós-punk," O punk foi vital porque salvou o rock, mas a linguagem era restrita, se limitava a dizer: estou entediado e vá se fuder. O Joy Division procurou exprimir emoções mais complexas, em vez do vá se fuder, dizíamos, estou fudido, e desta forma criando o pós-punk."

O Joy Division, que era a banda punk Warzaw, aproveitou a mudança do nome para mudar sua concepção artística e musical. E Ian Curtis era o poeta que melhor traduzia o sentimento de opressão e contradição vividos por quatro rapazes ingleses na moderna, industrial e fria Manchester, uma cidade fundamental para compreendermos alguns dos dilemas e das contradições do mundo moderno, inclusive no "tropicaliente" Brasil. O Brasil com suas contradições esquizofrênicas é um prato cheio para esta discussão pós-punkiana: a euforia tropical diante da miséria e violência que num Brasil urbano e moderno, convivem ao mesmo tempo.

Voltando, Deborah Curtis, a viúva oficial, contradiz a visão dos ex-bandmates, e diz que Ian secretamente alimentava sentimentos suicidas, seu livro "Touching From A Distance" é a base do filme sobre a vida de Curtis, que será lançado ano próximo, no debut como diretor do badalado fotógrafo Anton Corbijn. Foi a decisão de Deborah de sair de casa que teria sido o estopim para o suicídio de Ian, Deborah descobriu que ele tinha uma amante, a belga Annik Honoré, que o acompanhou na tour européia do Joy Division em 1980. Ian tinha o caso desde 1979, quando ele a conheceu na Bélgica numa tour do Joy Division , que abria para os Buzzcocks. Annik era uma loura, glamorosa e exótica, que não demorou a se atritar com os membros da banda durante a tour. Em Colônia, Alemanha , ao saber que a banda ficaria hospedado num puteiro, deu um piti, se negando a ficar lá e carregando Ian com ela. O clima pesou, e Ian, que vinha tendo freqüentes ataques de epilepsia, começou a se deprimir com a estória toda. Não conseguia acompanhar a banda nas baladas, que eram regadas a álcool e anfetaminas, a doença estava avançando, e a briga doméstica teria sido a pá de cal (literalmente).

O fato é que o mito continua a crescer, e a transformação do Joy Division na tão ou mais influente New Order é uma das mais fantásticas jornadas de sobrevivência e transformação artística do rock, uma verdadeira saga. Mas isto é uma outra história.

Extra info que acho importante:

- O som abafado e claustrofóbico do Joy Division foi concebido pelo produtor musical Martin Hannet. Produtor da gravadora Factory de Tony Wilson, ele "criou" a ambiência sonora que deu identidade a banda. Detalhe, a banda odiou Unknown Pleasures, alias Stephen Morris é critico até hoje. Hannet, pesado usuário de heroína, produziu também Buzzcocks e Magazine , Happy Mondays, morreu em 91.

- Bono, fã assumido de Curtis, não nega que no inicio Ian era seu grande idolo.

- Aliás Tony Wilson acha que se o Joy Division fizesse a tour americana eles teriam sido grandes como o U2.

- Joy Division, ou divisão do prazer, era o local onde os comandantes nazistas levavam judias prostituídas para aliviar a tropa. O nome foi retirado do livro House of Dolls. Curtis era fascinado pelo tema, fato que levou a banda a ser acusada de usar símbolos nazistas. Depois com New Order (outra referencia nazista), Sumner disse que eram "shock tactics".
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Here are the young men, a weight on their shoulders


por Marcos Rodrigues

Esta semana os periódicos musicais de todo o mundo estamparão fotos de Ian Curtis, vocalista do Joy Division, que cometeu suicídio há exatos vinte e cinco anos. Enforcou-se aos 23 anos de idade, dando fim a uma vida breve e início a uma lenda que está longe de esmaecer. A dimensão simbólica de morte tão trágica costuma soterrar o bom senso das análises, sobretudo quando se trata de arte. Neste caso a obra musical de uma banda que definitivamente trilhou caminhos bem peculiares.

Joy Division, o nome, inspirado no livro sadomasoquista House Of Dolls (de Karol Cetinsky), foi retirado da denominação dada à ala onde ficavam as prostitutas nos campos de concentração nazistas. O primeiro nome da banda, Warsaw, foi inspirado na música Waszawa, do album Low, de David Bowie, lançado em 1977, mesmo ano da formação do que viria a ser o Joy Division. Foi descartado, no entanto, porque descobriram uma outra banda londrina com o nome Warsaw Pakt.

Novamente uma banda inglesa, da industrial e cinzenta Manchester, com uma série de referências que extrapolam o universo da música pop. Os contornos do que representou essa cidade e suas bandas para a formatação do chamado póspunk foram timidamente delineados no filme 24 Hours Party People, que passou por aqui, mas ainda estão por merecer um texto próprio também aqui no Clash City Rockers.

De fato a coisa mais importante a acontecer no Joy Division não foi a morte de Ian Curtis, como querem os vampiros de plantão e sim, vejam só, a própria música. De uma banda punk, como milhares de outras no Reino Unido, a criadores de uma nova sonoridade, tudo foi muito rápido.

Bernard Sumner, Peter Hook, Ian Curtis e Stephen Morris, como boa parte da molecada entediada e pensante de Manchester, que veio depois a montar bandas fundamentais, estavam em 09 de dezembro de 1976 no Electric Circus, dia em que a incendiária Anarchy Tour dos Sex Pistols passou pela cidade, agregando também no palco os Buzzcocks, de Howard Devoto. Dali para os primeiros ensaios e para o início de uma pequena revolução.

Cerca de um ano depois lançavam o primeiro ep An ideal for living, ainda bastante ancorado na sonoridade punk, mas que já davam conta da carga trágica nas letras do garoto Curtis. No início de 1979 gravaram quatro músicas para o famoso programa de rádio de John Peel, para as não menos famosas Peel Sessions, onde já estavam definidas as características sonoras básicas da banda: fraseados de guitarra distorcida repetidos em loops, linhas de baixo minimalistas, herdeiras diretas da new wave novaiorquina e as batidas tribais do Gang of Four. Finalmente, em abril do mesmo ano, o primeiro album Unknown Pleasures, pela Factory Records, gravado em apenas quatro dias e meio, onde, seguindo a máxima de Nietzsche do 'torna-te o que és', o Joy Division virou o Joy Division.

O que mudou? aparentemente não muita coisa. As músicas ainda estavam mal executadas; a cada virada da bateria, um susto. E Ian Curtis desafina o tempo todo. Uma série de pequenos erros registrados em fitas de rolo, prensados em vinil e distribuidos pelo mundo. Mas enfim, existe algo diferente. O produtor do disco, Martin Hannett, havia descoberto o 'som Joy Division' ao desacelerar o tempo das músicas, gravar a bateria e a voz em reverberações altas (pensem numa catedral) e introduzir uma inovação para o rock: mixar o baixo e a bateria mais altos do que a guitarra e a voz. Pronto. Associe tudo isso a letras desesperadas, de real valor poético, cantadas por uma voz cavernosa e, com um pouco de sensibilidade, perceberá que Hannett não só lapidou um diamante bruto como fez história.

A partir dai a banda começou a ficar conhecida, ganhar capas nos semanários e a se tornar lendária, este último ponto consequência também das apresentações ao vivo, onde Ian Curtis, que sofria de epilepsia, dançava de maneira descordenada, cantando como um alucinado. Instintos que ainda podem nos trair / Uma jornada que leva até o sol / Desalmado e inclinado à destruição / Embate entre o certo e o errado / Assuma você meu lugar no confronto final / Ficarei observando com olhar cheio de desprezo / E, humilde, invocarei o perdão / Um pedido muito além de você e de mim / Coração e alma, um dos dois há de arder. Em 18 de maio de 1980, um dia antes do início da primeira tournée da banda pelos Estados Unidos, Curtis é encontrado morto na casa dos pais.

No mesmo mês sai o single Love Will Tear Us Apart, uma letra melancólica sobre uma batida disco, que coloca a banda pela primeira vez no Top 20 da Inglaterra. Um mês depois sai a obra prima, Closer. Produção muito mais cuidada, ainda à cargo de Hannett, que registra o alto grau de distanciamento sonoro do Joy Division em relação as outras bandas da época. Não é exagero dizer que o disco, um monolito conceitual, tem em muitos momentos uma atmosfera que remete a uma liturgia. Com o acréscimo de teclados etéreos o som da banda ganhou densidade dentro das estruturas ainda simples. As músicas se sucedem em títulos curtos e lacônicos; Assolation, Passover, Colony, The Eternal, Decades. O design gráfico sóbrio e clássico de Peter Saville arremata a lápide com uma das capas mais dolorosas da história do rock.

Mas então não havia mais nada a ser dito, pelo menos não naqueles termos. Ficou a intensidade de uma música e de uma poética que pode ser contemplada por todos aqueles que não têm medo das suas noites mais solitárias. Uma inversão na lógica de que o rock'n'roll só pode ser o playground da frivolidade, da fuga de si mesmo. Ficaram também três integrantes, que se reergueram sob o sugestivo nome de New Order e afastaram o fantasma de Ian Curtis, com uma história seguramente tão importante para a música dos últimos cinquenta anos quanto a do Joy Division.

Esse um quarto de década ainda ganha as devidas lembranças com o lançamento de um filme que conta a história da banda. Transmission é baseado na biografia Touching From A Distance, escrita pela viúva de Ian Curtis, Deborah, em 1995. Um monte de bobagens ainda vão ser ditas nos próximos meses, um monte de gente ainda vai endossar essas bobagens. Quem quiser, no entanto, ir além da fabricação dos consensos e dos estereótipos, deve ir diretamente aos discos do Joy Division, fechar o olhos e entender porque rock'n'roll pode ser importante. De todo o modo, o rock'n'roll não muda o mundo, quem muda o mundo são as pessoas. O rock'n'roll só muda as pessoas.

Stones, Exilados no Paraíso

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CDs que você tem que ouvir antes de morrer

por Sérgio 'Cebola' Martinez

Irmãos, vossas almas podem ser salvas, ou perdidas, ou esquecidas ou simplesmente caírem na mais pura festa sem compaixão pelo semelhante. Quando os Rolling Stones resolveram se exilar na França com seu móbile studio no início da década de 70, conjuraram espíritos e sons e riffs e tapeçarias de guitarras e sopros em sublime rock'n'roll e soul e pervertidos blues profundos cantados em uma orgia digna da perdição eterna, só para nós, e foi tudo registrado, oh lord, a bíblia infernal, a verdadeira caixa de Pandora. Exile on Main Street, duplo álbum de 72 é muito e é somente isso. Celebração e reverência. Festa pagã. Mick Taylor no ápice de sua criatividade, antes de deixar-se sucumbir ao lado negro dos Stones (tem outro lado?), e Keith Richards, esse já perdido mesmo, comandam uma profusão de canções de guitarras na mais perfeita dupla antes da segunda vinda do filho do Cara lá de cima.

Antes, já haviam cometido o Sticky Fingers, obra prima, o Let it Bleed, fundamental, o Beggar´s Banket, o da simpatia pelo demo, acho que vocês conhecem... Mas é neste, meus irmãos perdidos, em três meses de Jack Daniels, coca e simpatia, que nossos cinco heróis se superaram. E A voz. Jagger, nunca mesmo, cantou tanto quanto neste disco. E, ironia, é o registro em que sua voz está mais "afundada" na mixagem. Propositalmente, Jimmi Miller, o produtor, não deu destaque ao vocal de Jagger, colocando-o no meio das guitarras e pianos, de tal forma que por vezes (instantes) quase não o ouvimos.

Desde a abertura com Rocks Off, o convite é claro: " And i only get my rocks off while i´m dreaming, I only get my rocks off while I´m sleeping." É 'colocamos o disco e então...Entra mais um na coleção dos riffs desgraçadamente matadores de Mr. Keith Riffhards. È isso aí mesmo, não escrevi errado não. Uma coisa que pode ser dito da produção é que é tudo ALTO. Alguém disse que a impressão que dá é de que tá todo mundo tentando soar mais ALTO do que o outro. Rip this Joint é o segundo salmo do evangelho maldito, e ou você dança ou dança, "Rip this joint, gonna save your soul", o chamado é claro, irmãos, save your soul and let it rock. Track 3, Hip Shake, blues bêbado de mestre Slim Harpo, onde Jagger mostra QUEM é O cantor branco de blues, deep blues, lembrem-se, de preto véio na encruzilhada. Depois temos boogie, Casino Boogie, temos A balada soul rock de todos os tempos, antes e agora e sempre, Tumbling Dice, perfeita e clássica. Mr Charlie Watts, na sua suprema elegância, sutil, jazzy, sem excessos, no ponto exato, Sublinhando e pontuando os compassos, sem precisar de "Hey, vejam só como eu sou foda badabadadadadadprrráaaasxxxhh!!". Nem tente.

Quando começa Sweet Virginia, você se pergunta, caralho, é uma banda inglesa?!?!. "Thank you for your wine, Califórnia/ Thank you for your sweet and bitter fruits./ yes I got the desert in my toenail/and I hid the speed inside my shoe'. E a estrada é longa e cheia de desvios, a escolha é sua, irmão, a Palavra tem de ser dita, Torn & Frayed, Black Angel, Loving Cup, está tudo lá. Os caras saem da Inglaterra, e gravam na França o melhor disco americano de todos os tempos, ISSO é globalização, crianças perdidas. O lado 3 (o disco é duplo, e era Vinyl no século passado, pergunte ao seu professor de arqueologia), abre com a melhor canção cantada por Keith Richards nos Stones e fora, Happy, e a sensação é essa mesmo: I need a love to keep me happy/baby keep me happy. É desse lado (ok, faixa 13 no cd) que o demo dá as caras. Just Wanna see His Face é sombria, estranha, parece um vodu. O clima é meio claustrofóbico, para uma letra que diz que você não quer andar e falar sobre Jesus, só ver a Sua face. Credo!

No quarto lado não há perdão senhoras e senhores. Back to rock, mas chafurdado em rithym n´blues. All Down the Line segue a pregação: I need a shot of salvation, baby, once in a while' . Depois uma reverência ao pai de todos, Robert Johnson (hei, quem vai fazer um post sobre Ele?), Stop Breaking Down, aliás, uma recriação desta música, como eles já haviam feito com Love in Vain, do mesmo Mr. Johnson (de joelhos, por favor). Shine a Light é (é claro), um gospel embebido em puro soul pronto pra converter demônios em santos (e vice versa). "May the good Lord shine a light on you,/Make every song you sing your favrite tune./May the good Lord shine a light on you,/ Warm like the evening sun.

Pra encerrar, Soul Survivor. Sintomática, não? Então ouça. E foi assim, e ainda é e vai ser por muito tempo. Está lá pra quem quiser ver/ouvir/roubar, goste de punk, de indie, black, hard, ou forró, baixe este evangelho no seu computador e diga bem alto: É somente rock'n´roll mas eu goooooossssssto!!!!! Vendam suas almas, irmãos, não tem muita utilidade pra ela mesmo.

Thin Lizzy, Black Rose - A Rock Legend

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CDs que você tem que ouvir antes de morrer

por Cláudio Moreira

O hard rock já estava mais do que escaldado pela crítica no ano de 1979, apesar do sucesso de público nos dois lados do Atlântico. Alguma coisa tinha de ser feita para levantar a moral dos cabeludos frente ao levante punk, sem, evidentemente, criar nenhum antagonismo. Coube ao Thin Lizzy a honra de fazer o trabalho mais maduro artisticamente do segmento e, ao mesmo tempo, antenado com as novidades da época.

Desde 1976, quando estouraram mundialmente com "The Boys Are Back In Town" do LP "Jailbreak", Phil Lynott, Brian Downey e Scott Gorham (e Brian Robertson até sair do grupo em 78) curtiam o reconhecimento e a vida selvagem das longas turnês. Mas, antes de tudo, eles já tinham elevado à estado de arte o som das guitarras dobradas associadas ao belo vocal e letras existenciais de Phil Lynott (um mulato filho da inusitada união entre uma irlandesa e um brasileiro).

Restava à banda irlandesa (apenas Scott Gorham era norte-americano nessa formação) fazer o registro definitivo em estúdio dessa alquimia musical com o antigo companheiro Gary Moore. Não bastava fazer bonito como nos trabalhos anteriores. Tinha de ser um álbum recheado de canções profundas e acessíveis ao mesmo tempo, mas com muito punch e refinamento para mostrar que o hard rock tinha ainda fôlego para entrar revigorado na nova década.

Mantiveram a parceria com o produtor Tony Visconti (T. Rex e Bowie) e se trancaram nos estúdios Good Earth na Inglaterra e o EMI na França. Mesmo com Phil Lynott e Gary Moore gravando simultaneamente seus respectivos álbuns-solo, a magia deu certo. Foi mais um capítulo da história do rock em que o talento falou mais alto.

O cd abre com o rockão arrasa-quarteirão Do anything you want to, com letra cheia de slogans libertários, guitarras faiscantes e vocais poderosos. Toughest street in town, parceria instantânea entre Phil, Gorham e Moore, é um hard/heavy sem frescuras, prenunciando a sonoridade que Gary Moore iria seguir nos seus primeiros trabalhos heavy na década de 80. O fino humor de Phil Lynott aparece em S&M com seu andamento sincopado, bateria suingada e guitarras marcantes. Só poderia ser mesmo uma canção de Lynott com o baterista Brian Downey. O hit Waiting for Alibi invadiu as rádios com um som onde as guitarras dobradas mostram toda maestria e inventividade da dupla Scott Gorham e Gary Moore.

Com Sarah, o Thin Lizzy mostrou que pode tocar uma balada de acento soul-jazz sem perder o pique e nem destoar do resto do repertório. Assinada por Lynott e Moore, ela traz as experimentações que o primeiro levou para sua carreira-solo paralela ao Thin Lizzy e o segundo trouxe das suas incursões anteriores pelo jazz-rock do Colosseum II. Falando em tom sério e sem falso moralismo, Phil Lynott fez o alerta sobre o perigo do abuso de drogas pesadas em Got to Give it up. Talvez uma premonição lírica de Lynott, pois, anos depois, ele iria ter sérios problemas com o uso de heroína, vindo a falecer, em janeiro de 1986, por complicações de saúde derivadas. Uma perda lamentável de um rocker influenciado pela lírica de Van Morrison e pelos vocais de Jimi Hendrix. Um outsider que uniu o hard rock à poesia.

Em Get Out Of Here, de Phil Lynott e Midge Ure, guitarrista do Ultravox (banda dos primórdios do tecnopop europeu), Brian Downey usa bateria eletrônica e dá timbres inovadores à canção, que fala de forma sublime das desavenças do amor. A balada With Love mostra o lado lover de Phil Lynott com baixo desconcertante e solos de guitarras emanando emoção à flor da pele.

Mas os lizzies ainda tinham uma carta na manga. Fecharam a tampa com o épico Roisin Dubh (Black Rose) - A Rock Legend. Um verdadeiro mergulho de mais de sete minutos para homenagear a cultura irlandesa e seu passado celta. Entremeando a tradição da cultura folk irlandesa com arranjos thinlizzianos de camadas e mais camadas de guitarras dobradas, como já tinham ensaiado antes com Whiskey in the Jar (primeiro sucesso do grupo em 73), Phil fez uma belíssima homenagem à Irlanda, sua grande paixão em vida. Um discaço que virou referência para quem quis fazer rock celta, como o Big Country e o The Alarm, bandas de fora do universo hard rock. Se o álbum não alcançou um enorme sucesso comercial, pode-se festejar que a turnê dele foi marcada por shows lotados.

A discografia do Thin Lizzy é recheada de clássicos, mas foi no Black Rose que eles alcançaram um altíssimo nível para o hard rock em termos de composição e sonoridade. Ele significou uma legenda cinco estrelas na trajetória dessa fantástica banda.

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P.S.: Philip Parris Lynott (1949-1986) descanse em paz, cara. Um dia nos encontraremos em outra dimensão. Obrigado Marcelo Nova, pois foi no seu programa de rádio nos idos dos anos 80 que, aos 13 anos de idade, ouvi pela primeira vez o Thin Lizzy.

Bauhaus, minus hands of the electric clock

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por Marcos Rodrigues

O tempo é uma dimensão ilusória. Não à toa, é miticamente comandado por um demônio; Chronos. O tempo não segue em linha reta. Ele é cíclico, gira em misteriosas espirais.

O tempo. 1869, 1919, 1972, 1980, 2003. Uma sucessão de datas com um invisível fio de Ariadne a uni-las: a pretensão. Característica humana que nos fez competir com Deus e decretou a Era Moderna. Dos prenúncios do cinema à redescoberta da magia liberta de misticismo. O tempo, essa esfinge. Aos idiotas a condenação de estarem presos em cômodos inexistentes.

Direto ao ponto. O nome da banda é Bauhaus e, no início dos oitenta, em pouco mais de um par de anos, foi uma das responsáveis por colocar o rock'n'roll mais uma vez na linha de frente das manifestações humanas que valem à pena prestar atenção.

Citando diretamente a Alemanha do início do século XX, o Bauhaus foi uma banda artsy. Pretensiosa ao extremo, dialogava esteticamente com o cinema expressionista alemão, de filmes como o Gabinete do Dr. Caligari; com a arquitetura e o design da escola homônima - criada pelo arquiteto Walter Gropius em 1919 - assim como tangenciavam também a literatura fantástica de Edgar Allan Poe e a poesia simbolista francesa.

Tendo à frente a figura carismática e vampiresca de Peter Murphy, o Bauhaus com suas letras recheadas de morte, paixões sangrentas, medos psicológicos, além de sonoridades soturnas acabou por influenciar boa parte do que se convencionou chamar de rock gótico. As referências da banda vão muito além, no entanto.

Sonoramente estavam mais próximos do glam rock de Bowie, fase Ziggy Stardust (aliás, de quem fizeram uma das melhores versões). Gravaram também Telegram Sam, do T.Rex. Tire as plumas, os paetês e o colorido; deixe os instrumentos no trio básico, minimalista; baixo, guitarra e bateria. Acrescente-se a pegada da revolução de 77 e a opção pelo lado escuro da existência. Uma sucessão de discos angustiados e obsessivos que colocaram a banda entre os clássicos do póspunk. In the Flat Field, Mask, The Sky's Gone Out. Discos viscerais, com a guitarra alucinada de Daniel Ash soltando urros e grunhidos.

O filme The Hunger (Fome de Viver, 1983) ajudou a fomentar a aura sombria da banda. Num elenco que incluia David Bowie (de novo, ele) e Catherine Deneuve como vampiros pra lá de sedutores, o Bauhaus era a banda que abria o filme tocando dentro de uma jaula num clube gótico. A música? Bela Lugosi's Dead, que celebrava o famoso ator de filmes de terror. Claro, virou um hino para as hordas que vestem negro.

A banda acabou em 1984, logo após o lançamento do album Burning From The Inside. Peter Murphy saiu em carreira solo e os outros três Bauhaus montaram a Love and The Rockets. Uma reunião da banda foi feita em abril passado, no festival californiano Coachella, mas nada ainda indica uma volta definitiva.

O som do Bauhaus continua uma referência forte e uma presença viva, fundamental. As sonoridades sofisticadas dos ícones do póspunk refletem uma face do rock'n'roll que não tem medo em ser adulto, pretensioso, perigoso e politicamente incorreto. Parece que faz tanto tempo, mas o tempo é uma dimensão ilusória. Não à toa, é miticamente comandado por um demônio; Chronos. O tempo não segue em linha reta. Ele é cíclico, gira em misteriosas espirais.

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Pra começar: Bauhaus 1979-1983, vols.1 e 2 (coletânea)

Kraftwerk, a saga dos homens-robôs

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por Miguel Cordeiro

Uma das maiores revoluções que aconteceu no rock tem mais de 30 anos e veio da Alemanha. Até então, as mudanças ocorreram de forma quase linear a exemplo da invasão britânica do inicio dos anos 1960, a poesia das letras de Bob Dylan que libertaram o rock do universo juvenil, as experimentações lisérgicas dos Beach Boys com Pet Sounds e dos Beatles com Seargent Peppers e as infinitas possibilidades da guitarra elétrica de Hendrix.

Mas foi em território germânico que brotou algo inconcebível: a bem sucedida mistura do rock´n´roll com a eletrônica e a cibernética. O que antes era feito pelas guitarras, os alemães passaram a fazer com os teclados eletrônicos, os seqüenciadores, os simuladores sonoros, o sintetizador Moog, o mellotron. É bem verdade que Beatles, Pink Floyd e outros do rock progressivo já usavam estes instrumentos ainda nos anos 60, mas na maioria das vezes para reproduzir sons sinfônicos quase como substituindo uma orquestra. Os alemães foram mais além, utilizando essa parafernália de instrumentos para criar uma música totalmente nova, de estética minimalista, incorporando ruídos, mesclando com a batida do rock.

O Kraftwerk é o exemplo mais perfeito disto. Formado em Dusseldorf no ano de 1970 por Ralf Hutter e Florian Schneider, estudantes de musica erudita, eles decidiram criar um projeto musical sem a presença de nenhum instrumento tradicional - guitarra, baixo e bateria. Tudo seria feito por instrumentos eletrônicos e o único traço humano seria a utilização da voz e mesmo assim, para falar sobre coisas do mundo do futuro, das máquinas e da ficção científica. O próprio estilo visual da banda seria diferente. Expressões faciais gélidas. Espécies de cientistas ou humanos robotizados. Mas ao contrário do que se possa imaginar de músicos de formação acadêmica se propondo a fazer musica eletrônica, eles não eram sérios e desprovidos de humor. O rock era facilmente percebido ali na batida sincopada e no ar cínico das letras.

Quando surgiram no cenário os homens-robôs do Kraftwerk logo chamaram a atenção. Aquele era o som do futuro, a trilha sonora das estações espaciais, e ao sair o seu quarto disco, Autobahn, em 1974, foram reconhecidos como criadores de grande originalidade.

Começaram a despertar o interesse das pessoas em geral e de gente como David Bowie, Brian Eno, artistas da disco music e até Iggy Pop. Ganharam a simpatia dos grupos punk / new wave e os influenciaram, se não sonoramente, mas filosoficamente. Afinal, seria possível imaginar em Devo, Gary Numan, Talking Heads, Soft Cell, Human League, New Order e bandas pós-punk com predominância de teclados sem a existência do Kraftwerk?

Lançaram, sucessivamente, álbuns que confirmaram a sua posição na vanguarda do movimento musical indo cada vez mais fundo nas suas propostas iniciais e tornando mais presente o ingrediente dançante, que os colocava nas pistas de dança de todo o mundo.

Com o tempo a sua influencia tem sido cada vez mais reconhecida. Os pioneiros artistas do rap e hip hop como Afrika Bambaataa, Grandmaster Flash, Kurtis Blow utilizavam bases de músicas do Kraftwerk para criar suas canções. O mesmo aconteceu com os DJ´s da cena techno da segunda metade dos anos 80. Artistas e bandas da dita 'música eletrônica' dos anos 90 tambem tinham um link com o Kraftwerk.

É certo que virou moda entre alguns músicos dizer que bebiam na fonte do grupo alemão, mas tinha muito papo furado nestas declarações. Isto, na verdade, serve apenas para marcar pontos, enriquecer releases e lhes dar uma aura de 'modernos'. Porque com o passar dos anos muitos destes artistas se revelaram conservadores, desprovidos de criatividade, lançando trabalhos fracos e de interesse apenas comercial, cumprindo religiosamente as exigências da indústria fonográfica, sem idéias provocadoras e, portanto, distantes anos luz dos homens-robôs.

O Kraftwerk continua na ativa, possui um estúdio próprio que leva o sugestivo nome de Kling Klang, desenvolve uma carreira independente sem se curvar aos caprichos das gravadoras e do mercado, lança discos quando acha que vale a pena, faz excursões esporádicas e quando isso acontece dá um enorme trabalho às transportadoras pois condiciona seu sofisticado equipamento num container todo especial. Por essas e por outras o Kraftwerk, com seu estilo único, permanece na vanguarda mantendo o seu lugar na verdadeira música eletrônica.

Que porra é 'indie'?!

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Bem, mais um post coletivo com origem, é claro, numa mesa de bar de um boteco metido à besta aqui em Salvador. A questão, que levanta discussões acaloradas mas que não chega a lugar nenhum, fica sempre oscilando entre ser o termo 'indie' uma questão de postura frente ao mercado ou já ser um estilo com características próprias. Enquanto isso o rótulo vai sendo utilizado para definir os sons tão díspares de gente como Sonic Youth, Belle and Sebastian ou a banda baiana Brincando de Deus. E você ai; pode me dizer que porra é 'indie'?