Top 20 | Rock'n'Roll

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Então; seguindo a sugestão do nosso colaborador Sérgio 'Cebola' Martinez vamos começar logo a fazer essas listinhas com os 20 melhores discos de rock'n'roll de todos os tempos. Dobradinha do Clash City Rockers com o blog irmão Rock Loco. Coloquem ai nos comments suas listas e depois fazemos uma apuração. Se quiserem justificar as escolhas, tá valendo. A votação vai dar um peso maior às indicações dos colaboradores oficiais dos dois blogs, mas está aberta também aos internautas. Agora, escolher só 20 é foda, viu Cebola. Muita coisa boa fica de fora. Mas, vamos lá. Segue a minha lista (MR).

O mar subiu...

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por Miguel Cordeiro

Surf e rock´n´roll sempre tiveram uma ligação muito próxima. Dos primeiros luaus nas areias californianas ainda no inicio dos anos 1950 até as viagens em busca de ondas virgens em praias desertas. É claro que os Beach Boys não foram os primeiros. Eles observaram a onda surgir no horizonte e estando no lugar certo e na hora certa, popularizaram a surf music. Jan & Dean, The Surfaris, Dick Dale, The Ventures e outros tambem estavam no mar, droparam na onda e na terra prometida Califórnia fizeram a festa de uma juventude sadia e feliz vestida em largas camisas Hang Ten, calças boca fina, bermudões floridos e tenis keds.

A tribo do surf sempre teve um gosto musical muito próprio e o intercambio entre as turmas ajudaram a expandir as preferencias. Numa surf trip que prestasse além da certeza de encontrar boas ondas era obrigatório levar um considerável estoque de fitas cassete. Certa feita, em viagem pelo nordeste, na ainda desconhecida e isolada Praia da Pipa, nossas fitas com Deep Purple e Bad Company fizeram a cabeça de surfistas de Natal que estavam por lá, e, em contrapartida, eles tinham as deles com Byrds e Buffalo Springfield que eram covardia. Não existia luz elétrica na Pipa e as baterias dos carros eram postas em prova com os toca-fitas se revezando e despejando rock´n´roll do raiar do dia até a hora de dormir.

Em outra oportunidade, ainda nos anos 1970, um velejador solitário e surfista apareceu em Salvador e o elo de aproximação foram as ondas e, claro, a música. Seu acervo de fitas era invejável e num escambo típico da idade média entregamos fitas com o melhor do rock progressivo e copiamos as suas com coisas de blues impossíveis de achar no Brasil naquela época: John Lee Hooker, Albert King, Koko Taylor, Freddie King, Howlin´ Wolf.

Festa de surf no meio dos anos 70 no Rio de Janeiro para ser boa tinha de rolar Hair of the dog do Nazareth, Steve Miller Band e Bachman-Turner Overdrive, com as cocotas dançando animadamente no salão com seus cabelões enormes, sobrancelhas grossas e calças de cintura baixa quase um palmo abaixo do umbigo.

Nos anos 1980 a Austrália apresentou ao mundo várias bandas em que um ou outro integrante, com certeza, pegava onda. Algumas eram bem chatinhas, é verdade. Mas outras valiam a pena. Hoodoo Gurus, o The Church era legal, o Triffids também e o Midnight Oil tinha uma pegada forte e gostava de passar mensagens ecológicas. No final dos incomparáveis anos 80 de Salvador, na barraca Padang Padang nas areias da praia de Stella Mares, as noites de primavera/verão eram intermináveis, gratuitas, cotidianas e todas as tribos presentes dançavam até se esbaldar com That Petrol Emotion, The Cult, Traveling Wilburys, Beds are burning do Midnight Oil etc etc.

Interessante também é quando os nativos de uma praia remota e escondida passam a curtir rock´n´roll por causa de surfistas nômades fanáticos por som. Foi assim em Itacaré entre 1977 e 1981, Na única barraquinha na praia da Tiririca que vendia cerveja para os “turistas” de Gandu e Ubaitaba, o que rolava nas caixas era o “sambão-jóia-prá frente brasil ame-o ou deixe-o” da época e quando colocávamos The Doors os tabaréus davam cambalhotas ao som de Light my fire. O dono da barraca costumava sequestrar algumas de nossas fitas, e quando voltávamos nas temporadas seguintes ele já tinha arrumado outras com Rolling Stones, Raul Seixas, Led Zeppelin e até B 52´s.

A comunidade do surf não ficou imune à explosão populacional das ultimas décadas e os picos aonde as ondas quebram têm cada vez mais surfistas, não raro se engalfinhando e impondo, tambem, as novas preferencias musicais. Então, nos últimos 15, 20 anos diversos artistas e até outros estilos foram adotadas pelos surfistas. Pennywise, Millencolin, SNFU, Offspring, o ska, o grunge, NOFX. Já o espírito baladeiro sempre acompanhou os surfistas, desde os ídolos ancestrais do folk passando por Cat Stevens, Al Stewart até chegar a Chris Isaak e Jack Johnson.

Quentin Tarantino provocou o renascimento da surf music com Pulp Fiction e os mais antigos lembraram imediatamente da cena de abertura da série televisiva Hawaii 5-0, onde uma onda perfeita quebrava em câmera lenta tendo como trilha sonora a canção-título executada pelo The Ventures.

Mas nem tudo são tubos perfeitos em praias secretas. Gosto não se discute, é verdade, mas tem coisas intragáveis que foram incorporadas ao universo surf / rock´n´roll: as xaroposas canções dos filmes de praia, a Santería do Sublime, o rap tedioso monocórdico, o trash metal atravessado descadenciado, o mangue beat nordestino e, pior ainda, o forró universitário.

E ficam para sempre as boas vibrações das surf musics radiantes dos Pixies, a calhordice dos surfistas parafinados dos Replicantes, a atmosfera tubular dos cinzentos céus de abril do Jesus & Mary Chain, a anarquia ultrajante do Nós vamos invadir sua praia, a sutileza dos Waterboys e, por fim, a descrição certeira de Neil Young em Long may you run: “talvez os Beach Boys tenham lhe pegado agora / com aquelas ondas cantando Caroline No / descendo pela vazia estrada da praia / para chegar no surf na hora certa”.

Keep on surfing keep on rocking, ou, se preferir, surf all day rock all night...

Shivaree

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por Marcos Rodrigues

O mundo descobriu Shivaree com I oughta give you a shot in the head for making live in this dump, título de 1998, que vendeu mais de 500 mil exemplares, só na Europa, puxado por uma exaustiva tournée de 17 meses. O Brasil, mais recentemente, através de Goodnight Moon, da trilha sonora de Kill Bill 2 e, infelizmente, através da bela canção Close my eyes, que virou tema de par romântico nos Big Brothers da vida.

Shivaree. Serenata de bêbados. Como o encontro de dois homens e uma garota: Duke McVinnie (Johnny Otis, J.J Cale), Danny McGough (tecladista de Tom Waits) e Ambrosia Parsley (cantora, guitarrista). Três californianos. Dá pra pensar em Jules & Jim. Mas Ambrosia parece preferir ser a Dorothy do Mágico de Oz cercada por Hunck, o espantalho e Hickory, o homem de lata. Uma história mágica como esse encontro que criou um ponto de enclave para estilos diferentes, como o cabaret, o blues, o jazz, o folk e o rock. Uma alquimia possível graças a composições seguramente cinematográficas. Sua música é inclassificável. É preciso escutá-la.

Um primeiro álbum construído à maneira de um road movie que permite ouvir e ver os grandes espaços norteamericanos habitados pela poesia de Ambrosia Parsley. Como um filme de David Lynch. Um álbum que escutamos felizes por nos deixarmos transportar por uma voz que transmuta-se; cristalina, infantil, profunda, envolvente e por vezes rouca. Dá para pensar em Rickie Lee Jones ou em Cat Power. Ambrosia evita os rótulos. Ela dá o tom do Shivaree. Envolve por sua delicadeza e sua fluidez, pedaços melancólicos, impressionistas, raramente alegres. Citando Ray Charles, ela diz que Peggy Lee, Dr Seuss, Harold Arlen, Nina Simone, Gainsbourg, Piaf, Django Reinhardt e Gershwin contribuem largamente para o seu processo de criação.

Em 2002, o trio lançou Rough Dreams (em homenagem a I've got dreams to remember, de Otis Redding), um álbum rico em gêneros, tão elegante quanto o primeiro porém mais eletrônico e menos melancólico. Um álbum que nunca saiu dos Estados Unidos, por obscuras razões da gravadora. Pouco importa, Shivaree se ateve às novas composições. Seduziu o público pelo talento musical e pelas canções, mas também pela simplicidade e, notadamente, pelo magnetismo da bela Ambrosia, que joga teatralmente com evocações de musas do cinema.

Who's Got Trouble, o novo trabalho em onze faixas, também é melancólico, doce e por vezes político. O título tirado de uma sequência de Casablanca. Sam, no início do filme, cantando Knock on wood, de Eddie Floyd, diz Who's Got Trouble e responde We've got the trouble. Ambrosia gosta da analogia entre Casablanca e White House. A música New Casablanca, primeira faixa do disco, fala de uma mulher um pouco diabólica que tenta fazer um homem triste sair de sua grande casa branca. Sempre esse desejo de fazer canções como se faz um filme. Músicas como 'Close my eyes', Little Black Mess, Someday (dos Waterboys) e Fat Lady of Limbourg (de Brian Eno) poderiam tranquilamente nos remeter a um Pulp Fiction ambientado nos anos 30. A voz vai se configurando por um estilo cabaret rugoso, urbano, atravessado por um pop mais sofisticado. Dorothy Parker, Leonard Cohen, Cowboy Junkies. E as referências não param.

Who's Got Trouble com suas sonoridades envolventes, devidamente acompanhadas por uma seção de cordas, mantém o Shivaree na linha de frente da nova música pop que vem ganhando o mundo desde 91. E Ambrosia Parsley já é séria candidata a se tornar uma nova Françoise Hardy. Bem, essas noites frias e chuvosas de junho já têm trilha sonora.


fonte Chrysalis, Paris

Resgate na biografia: Joe Cocker

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Joe Cocker, antes daquilo tudo

por Miguel Cordeiro

Os excessos por uso de álcool e de drogas pesadas só contam a favor para aqueles rockers que morrem de forma trágica e se tornam mártires. Porque acontece muito do cara não ser essa coca-cola toda, morrer de overdose e passar a ser supervalorizado e a ser “gênio”. Mas quando o cara pega pesado, vai ao fundo do poço, permanece vivo e tem de encarar a vidinha terrena segurando as pontas, aí é que é o grande desafio. E o glorioso rock´n´roll não costuma perdoar. Este tipo de rocker pode continuar na ativa mas, seguramente, vai cair na vala burocrática da industria fonográfica. E o pior é que ele sabe que para voltar a fazer discos brilhantes vai ter de entrar na bagaceira de novo, então ele fica com um pé atrás pois sabe do altíssimo risco desta manobra.

Ainda na virada dos anos 1950 para os anos 1960 Joe Cocker já estava participando de bandas e o seu modo emocionado de interpretar descende de Ray Charles, do gospel e cantores negros de rhythm´n´blues apesar de ser um inglês branquelo e desengonçado. Inesperadamente alcançou as paradas britânicas em 1967 com o single Marjorine e já o seu primeiro álbum, With a little help from my friends, de 1968 o consolidou no cenário. Um ano mais tarde lançou outro LP intitulado apenas Joe Cocker e estes dois trabalhos foram suficientes para projetá-lo como um intérprete imcomparável de pérolas do universo roqueiro da sua geração, sendo que suas versões são tão boas quanto as originais. Dos Beatles cantou Something, She came in through the bathroom window e recriou With a litlle help from my friends com a ajuda da guitarra de Jimmy Page. Revisitou Bob Dylan em Just like a woman e I shall be released. Refez à sua maneira Feelin´alright do Traffic. Reinventou o blues dilacerando o clássico Don´t let me be misunderstood e Bye bye blackbird de Willie Dixon. Reconduziu às paradas The letter dos Box Tops (Alex Chilton). Reviu Bird on a wire de Leonard Cohen. Também compôs boas canções com seu pianista e baixista Chris Stainton e deve-se ainda destacar os músicos extraordinários que o participam destes álbums, entre eles, Jimmy Page do Zeppelin, Steve Winwood do Traffic e do Blind Faith, Tony Visconti que posteriormente trabalhou com David Bowie e T. Rex.

Sua adrenalizante apresentação registrada no filme Woodstock cantando With a little help from my friends deixou o público chapado e o levou ao estrelato, mas ficou estigmatizado como um cara muito louco que dava bandeira de estar sempre alto de birita e LSD.

Em 1970 Joe Cocker estava na crista da onda e de forma audaciosa organizou uma excursão genial (Mad Dogs & the Englishmen) que se transformou numa enorme roubada. Com uma numerosa banda liderada pelo pianista, guitarrista e arranjador Leon Russell e mais quarenta pessoas a bordo de um antigo avião Constellation, Cocker mapeou os Estados Unidos com muito sucesso, porém devido à bagunça generalizada, excessos de todo tipo, falta de planejamento operacional e comercial chegou ao seu final com dívidas monstruosas. Ainda por cima, Joe teve de enfrentar um período de barra pesadíssima de esgotamento nervoso e problemas sérios com álcool e drogas.

Retornou alguns anos depois de forma apenas razoável e sem o pique inventivo de antes. Ainda fez uns dois ou três discos meeiros, mas com o passar dos anos se tornou um artista previsível. Às vezes acerta em uma música ou outra mas aquele Joe Cocker piradão e genial que destroçava e desconstruia as canções ficou lá atrás num longínquo passado.



Esse tal de Júlio Barroso

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por Marcos Rodrigues

The song remains the same ou como querem em terras tupiniquins, rock é rock mesmo. It´only rock'n'roll, but i like it etc etc etc. Disso sabemos todos. E assim seguiu o rock'n'roll, desde meados dos anos 50, por cerca de 20 anos, entre variações e intensidades do rythm'n'blues, country, blues e harmonias jazzy; father mckenzie writing the words of a sermon that no one will hear. Nesse mar de fugas dentro de um mesmo tema, pairavam dois dedos, acima de todos, a avis rara David Bowie e seu fiel escudeiro Brian Eno, além da ilha de visionários de codinome Kraftwerk. Corte.

Ai veio o Television e aquele povo estranho daquela terra de ninguém, chamada New York. E o rock'n'roll se reinventou. Ai veio um cara muito esperto chamado Malcolm McLaren e acendeu o pavio do barril de pólvora na Londres de 76. E o mundo ficou jovem de novo. Manchester, New York, Londres, Sidney, São Paulo.

A música hegemônica do Brasil desse período - estamos falando do final dos 70 - chafurdava em lamúrias emepebistas, entre protestos impotentes e letras para a turma da PUC de Sampa. Um ou outro louco genial fazendo contraponto à pasmaceira, como Walter Franco, Jards Macalé, Itamar Assunção. Mas que não se faziam ouvir muito além da Rua Augusta.

Nesse mesmo tempo, uma figura irriquieta que andava, desde o tempo dos hippies, com os cabelos curtos, óculos de Buddy Holly e ternos bem cortados, circulava entre São Paulo, New York e Rio de Janeiro, tramando poemas, intervenções, manifestos, músicas e qualquer outra coisa que acompanhasse o ritmo das anfetaminas que tomava. Uma usina de idéias. Seu nome: Júlio Barroso.

Escritor, poeta, dj (foi um dos que comandou as pick ups do Dancing Days) e crítico musical (escreveu para revistas como SomTrês). Um cara completamente sintonizado com o que tava rolando de ponta no planeta Terra e ligado em sons como os do Joy Division, Talking Heads, Pretenders, Blondie. Um dia de 1980, verão no hemisfério norte, perambulando pelo Central Park, viu uma apresentação do Kid Creole & the Coconuts e pirou. Voltou correndo pro Brasil e montou a primeira banda da geração que começou a fazer uma nova trilha sonora para esses tristes trópicos: Gang 90 e As Absurdettes.

Juntou quatro gatas; a sua namorada holandesa, Alice Pink Pank; a então namorada do Nelson Motta, May East; Denise Barroso, sua irmã e mulher do jornalista Okky de Souza e a dj carioca Luiza Cunha. E arrebanhou um time de músicos de calibre, já que não sabia tocar nada. Guilherme Arantes (imagine!) nos teclados e arranjos, Gigante Brasil na bateria, Wander Taffo (guitarra) e Lee Marcucci (baixo), estes dois vindos da banda de Rita Lee. Em outras formações tiveram Lobão nas baquetas. O som transitava entre a new wave mais comercial e a diversão campy debochada de um B52's. Estrearam na discoteca Paulicéia Desvairada e ganharam o país, em 1981, a partir do festival MPB-Shell, da TV Globo, com a historinha trash de Perdidos na Selva. Estava aberta a porteira. Na sequência veio a Blitz, o Rock in Rio e o resto vocês sabem. Dias de Luta.

Em 83 emplacaram um sucesso de novela, Nosso Louco Amor. E Júlio morreu logo em seguida, em 84, despencando, sabe-se lá como, do décimo primeiro andar do edifício que morava. A Gang 90 ainda continuou sem ele, mas já não tinha a mesma força inicial. Com Júlio Barroso deixaram dois lps; Essa Tal de Gang 90 & Absurdettes e Rosas & Tigres.

No seu último disco, Canções Dentro da Noite Escura, Lobão retoma a parceria com os escritos de Júlio Barroso, com quem já havia feito, entre outras canções, Cena de Cinema. De um jeito ou de outro, o cara continua por ai. A sua importância para o rock e a música pop feitos no Brasil ainda está para ser melhor avaliada.

Tá rindo de quê?!

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Então, mais discussões pelos balcões etílicos da cidade e mais um post coletivo. A bola da vez é o 'rock engraçadinho'. Entre paródias, caricaturas e gente que se leva a sério, o Clash City Rockers, após tentar ouvir por mais de uma vez uma série de lançamentos recentes, escolhidos ao acaso, ficou na dúvida: quantas vezes você, meu amigo, minha amiga, consegue rir da mesma piada?

The Bravery

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por Marcos Rodrigues

New York, New York. Parece que a Capital do Mundo resolveu pegar de volta também o título de Capital do Rock'n'roll. Desde o fim dos anos 70 que a Grande Maçã não tem tantas bandas novas lançando trabalhos relevantes. E a pujança não pára. A mais nova do celeiro novaiorquino atende pela alcunha de The Bravery.

Do início do novo milênio com os Strokes, passando pelo reprocessamento da cena eletrônica que deu no electro de bandas como LCD Sound System e Rapture, chegando até a sisudez elegante do Interpol, New York tem respirado rock'n'roll. Uma cena que volta à ativa, não por acaso, na hora que parte dos discursos politicamente corretos, que varreram o mundo na última década, já não conseguem mais esconder a hipocrisia e nem, na melhor das hipóteses, evitar os bocejos.

A cidade suja, sexy, perigosa e menos ingênua após o 11 de setembro, não perdeu o humor e 'a coragem' que marcou a clássica cena de 75 em torno do lendário clube CBGB's.

The Bravery é a cara de New York e se utiliza do repertório estético e musical da cidade. Maquiagens, teclados synth-punk, couros, linhas de baixo 'roubadas' do Gang of Four (referência máxima de NYC desses dias), camisetas vintage, batidas disco, guitarrinhas garage fazendo três acordes e um vocalista arrogante o suficiente pra cantar como Simon Le Bon (sim, do Duran Duran) ou Roberth Smith (sim, mais um). O resultado? Rock'n'roll dançante, sacana, daqueles que deixam o ambiente com cara de festa sexta à noite.

Dois anos de gestação e um cd-debut homônimo lançado este ano, onde a banda não escapa às inevitáveis comparações, que inclusive já renderam atritos com os ótimos The Killers. O som passeia, no entanto, por diferentes correntes dos 80, devidamente atualizadas pelo garage-electro. Dá pra pescar nuances do Human League, Depeche Mode, New Order, The Cure e os já citados Duran Duran e Gang of Four.

'Honest Mistake' já está fazendo as delícias das pistas mais antenadas e o vídeo inclusive já estreou na MTV brasileira. Uma série de outros hits instântaneos como 'Public Service Annoucement', 'Unconditional' e 'No Ring On These Fingers' vão se enfilerando e ai o disquinho teima em não querer sair do player. Altamente recomendável.
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Aproveito para deixar aqui minha homenagem ao guitarrista Emerson Borel, um dos maiores que já tivemos no rock'n'roll baiano e que resolveu nos deixar há exatos 12 meses. Lembro do cara em cena bucólica, entre os coqueiros do litoral norte baiano, tocando The Cure no violão. A música? Boys Don't Cry. Valeu, velho!

A volta por cima de Marianne Faithfull

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por Miguel Cordeiro

Filha de tradicional família da aristocracia inglesa, dotada de uma beleza fora do comum, bem educada, intelectualizada e musa da Swinging London dos anos 1960 que despertava paixões de fâs e de músicos, Marianne Faithfull iniciou carreira como cantora com o single As tears go by, uma belíssima balada composta exclusivamente para ela por Mick Jagger & Keith Richards e que alcançou os primeiros lugares das paradas britânicas em 1964.

A partir daí, lançou discos periodicamente, se tornou mulher de Jagger, enveredou também na carreira de atriz atuando em alguns filmes, sendo o mais famoso deles A Garota da Motocicleta em que contracena com o galã francês Alain Delon. Marianne Faithfull também foi co-autora da canção Sister Morphine que está no álbum Sticky Fingers, de 1971, dos Stones.

Acompanhar o ritmo de vida dos Rolling Stones é uma tarefa para poucos e às vezes torna-se mesmo um risco de vida. Que o digam os finados Brian Jones, Gram Parsons e vários outros sobreviventes, anônimos ou não. E para Marianne Faithfull a barra pesou com a chegada dos anos 1970, marcando o começo do seu inferno astral ao cair no labirinto das drogas pesadas e que trouxe sérias consequências à sua vida particular.

Separou-se de Jagger, afundou mais ainda no vício, a carreira artística também desceu pelo ralo, teve problemas de falta de grana e, por uns tempos, viveu nas ruas londrinas dormindo em prédios abandonados. Até que ela se esforçava, tentando uma carreira no teatro, um ou outro mal sucedido tratamento para se libertar das substancias químicas, arriscava lançar um disco ou outro mas não conseguia reverter a situação em que se encontrava e teve de encarar um longo período de ostracismo.

Eis que, em fevereiro de 1979, Marianne Faithfull ressurge das cinzas ao lançar o album Broken English. Um trabalho poderosíssimo que teve repercussão imediata e que era diferente de tudo que ela tinha feito antes. Após o levante dos novos artistas da cena inglesa de 1976 / 1977 e observando um ambiente musical de muitas transformações, Marianne se aproxima daqueles jovens assimilando e incorporando as diretrizes do movimento punk. Primeiro ela agrupou em torno de si uma puta banda, compôs em parceria com seus integrantes várias canções e o repertório espelha essa guinada radical.

Guitarras e teclados se entrelaçam pontuando uma base rítmica perfeita para a interpretação de Marianne Resultado: um discaço! Um álbum punk, violento, porém, com um tratamento sonoro sofisticado e muito bem executado. Aquela voz angelical e aveludada de antes deu lugar a uma voz dilacerada e sombria. As letras desta nova fase não são como aquelas que ela costumava cantar, do sonho utópico dos anos hippies. Agora ela canta sobre a angústia e o desespero. Discorre sobre as sequelas cerebrais em Brain Drain, encara com sarcasmo o sentimento de culpa em Guilt, descreve o prazer erótico e carnal com palavrões despejados aos borbotões em Why D'ya Do It, vocifera contra o totalitarismo e a guerra fria em Broken English, aponta o dedo para a empulhação política numa releitura irrepreensivel de Working Class Hero de John Lennon, o único compositor representante da geração dos anos 60 e digno de sua reverência.

Broken English é mais um daqueles álbuns memoráveis e reconduziu Marianne Faithfull de volta ao panteão do rock. Com este trabalho ela encontra, de uma vez por todas, o seu próprio estilo e cria uma marca pessoal muito apropriada à sua lenda e biografia. Firmou-se como uma excelente cantora, passou a ser cultuada pelo público e tambem pela nata de compositores do rock que escrevem canções para ela cantar e que se sentem homenageados quando ela os interpreta. Tornou-se uma mulher madura, consciente do seu talento, e, parece ter aprendido a conviver com as forças que habitam o seu interior.

Warhol, WaRHol, WArhOl

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Self portrait

por Marcos Rodrigues

In the future everyone will be famous for fifteen minutes. Provavelmente muitos dos que lêem o Clash City Rockers conhecem essa frase e também o seu autor, Andy Warhol. Misto de artista plástico e agitador cultural, foi mais uma das personalidades que ajudaram a moldar uma das faces do mundo contemporâneo que ainda valem à pena.

Andy Warhol, nascido Andrew Warhola em 1928, em Pittsburgh, Estados Unidos. Filho de imigrantes checos que fugiram da primeira guerra para a América. Estudou no célebre Instituto de Tecnologia Carnegie, atualmente Carnegie Melon University, de onde saiu direto, em 1949, para viver como ilustrador publicitário em New York. Trabalhou em importantes revistas de moda como Glamour, Vogue e Harper's Bazaar, onde começou a desenvolver sua particular visão sobre a sociedade de consumo norteamericana e de onde extraiu os ícones que tornaram sua obra relevante. Justamente a perspicácia de perceber que latas de sopas Campbell's e divas de Hollywood, como Marylin Monroe, se equivaliam enquanto produtos postos em circulação.

Quase ao mesmo tempo que artistas britânicos, como Richard Hamilton e Peter Blake, e sem ter contato com eles, Warhol estava - ao contrário da geração modernista anterior - exacerbando em suas telas a base de serigrafia, toda a opulência dos anos refrigerados. Uma atitude que, ao invés do confronto, optava pelo cinismo, num movimento sem manifestos que veio a ser conhecido naquela segunda metade dos anos sessenta como Pop Art.

As obras de Warhol, baseadas em séries repetidas, dialogavam diretamente com a publicidade capitalista, expondo sem piedade produtos industrializados e 'celebrities' numa mesma dimensão sem profundidade. Imagens chapadas, prontas para a repetição e distribuição. Não por outro motivo, colocou o nome do seu atelier The Factory e ali, com ajudantes, pretendia ter uma espécie de linha de montagem de arte contemporânea e ponto de efervescência do jet set novaiorquino. Prontos para o consumo: Maos, Marylins, Elvis, Ches, Jacquelines e, inclusive, sua própria imagem em famosos autoretratos.

Sim, Warhol também apadrinhou aquela banda que falava, em plena era Flower Power, de um lado barra pesada da Grande Maçã. Travestis, prostitutas, drogados e couro preto eram coisas que definitivamente o interessavam. Algo de excitante e perigoso que o Velvet Underground tinha em estado bruto. Com Sterling Morrison, Maureen Tucker, John Cale e Lou Reed, Warhol produziu o espetáculo multimídia Exploding Plastic Inevitable, desenhou a famosa capa da banana para o disco Velvet Underground & Nico (ninfeta descoberta por ele) e forneceu capital simbólico suficiente para a banda circular no meio que importava e nas festas certas, entre ricos desbundados e pobres descolados.

A contribuição da Pop Art com o rock'n'roll, aliás, merece um texto à parte. Peter Blake desenhou a capa do album Sgt.Peppers Lonely Hearts Club Band, dos Beatles e Richard Hamilton fez a capa do Album Branco. Os caras do The Who eram fãs assumidos das pinturas de Blake e Pete Townshend andava com uma jaqueta cheia de bottons e targets, numa clara alusão a um autoretrato do artista. O próprio Warhol desenhou ainda a polêmica capa do Sticky Fingers, album de 1971 dos Stones.

Andy Warhol filmou ainda alguns curtas, dos quais o mais famoso deva ser Chelsea Girls, de 1966; criou uma revista, Interview; tomou um tiro, em 1968, em plena Factory, de uma ativista maluca chamada Valerie Solanas; apoiou jovens artistas, como Basquiat e fez, perto do fim da vida, programas para a tv, inclusive para a MTV norteamericana.

Morreu em 1987, no dia seguinte a uma cirurgia de vesícula. Ganhou, logo depois, de dois dos seus apadrinhados, Lou Reed e John Cale, uma bela homenagem em forma de canções no album Songs For Drella. Somente guitarra, voz e piano.

No futuro todos serão famosos por quinze minutos. Warhol compreendeu a emergência e a efemeridade do mundo que se desenhava e foi um dos seus mais contundentes cronistas. A sua arte, bem como os estilhaços da melhor Pop Art, ainda nos ajudam a caminhar por esta selva de simulacros. O resto é silêncio politicamente correto.
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http://www.warhol.org/