Let's start a war...

www.ipod.com


...ou: isso aqui é ou não é uma trincheira?

por Marcos Rodrigues

Acompanhar toda a recente polêmica, aqui no Clash City Rockers, em torno do post de Miguel Cordeiro me fez variar de estado de espírito que ia do indignado ao apático. Para quem não sabe do que estou falando é só dá uma olhada nos inacreditáveis comments que estão dois posts abaixo. Mas o que mais me chamou atenção, entre equívocos e comentários pertinentes (como diria o Bianchi), foi o incômodo provocado numa galera que não é do métier do rock'n'roll, mais especificamente nos que são simpatizantes da linguagem hegemônica nas rádios de Salvador nos últimos 20 anos. Algo de podre no reino da Dinamarca.

Mas, então. Desde que a comunicação se pulverizou pela net, seja em sites seja em blogs ou em lista de discussões, a possibilidade de escapar da imposição da programação única tem sido possível para os que tem acesso a internet. Dez por cento da população. Pouco ainda, mas não desprezível. E desde que o padrão mp3 e a banda larga passaram a se popularizar, há cerca de dois anos, o caminho ladeira abaixo dessa música de coronéis ganhou alguns empurrões a mais. Uma fatia considerável dessa abertura se deve também à chegada da MTV em canal aberto por aqui. Iniciativas como o programa e o blog Rock Loco e o Clash City Rockers vêm se somar à essa força tarefa.

A implosão da indústria fonográfica nos moldes tradicionais, como sabemos todos, é só questão de tempo. Agora chegou a vez do último bastião da mediocridade começar a ruir. Falo das rádios e das suas concessões indecentes. Estamos no meio de uma pequena grande revolução que vai deixar esses trambolhos limitados de frequência modulada com sua importância muito relativizada. O nome de mais esse pesadelo dos amantes de jabás e trocas de favore$ atende pela alcunha de PodCast, mas poderia também se chamar Webradio ou Audiocast. Âh?! O que é isso?!

Mais uma idéia simples que combina a experiência da autopublicação dos blogs com a linguagem RSS (que atualiza automaticamente as novidades diretamente no computador do usuário) e o download de músicas no formato digital. Não é mais preciso sintonizar umas estação de rádio nem aturar programações soporíferas para se ouvir o que quer. É fácil para quem ouve, é fácil para quem quer produzir conteúdo. Para fazer um podcast é preciso um microfone e um programa que permita gravar um arquivo de áudio em mp3 (Cubase, Soundforge, Audacity). Esse arquivo precisa ser hospedado em algum lugar, de preferência com grande capacidade de espaço e que permita um número grande de downloads. Soube que o Multiply (http://www.multiply.com/) está permitindo hospedar mp3. Oba!

Tudo começou quando Adam Curry, um ex-VJ da MTV norteamericana, resolveu que queria continuar fazendo rádio, mas de uma forma que permitisse maior liberdade, tanto ao autor quanto ao ouvinte. Juntou então a idéia do iPod (Apple) com a idéia dos blogs que utilizavam a linguagem RSS. Montou uma versão beta da coisa e colocou na net com o código aberto para que outros pudessem aperfeiçoar (no melhor estilo Linux). A idéia cresceu rapidamente e depois de um ano Adam fechou contrato com uma rádio digital, a Sirius Satellite e colocou no ar seu programa diário, com quatro horas de duração, o Adam Curry’s Podshow.

A novidade chamou atenção de peixes grandes como Evan Williams, criador do Blogger, que está testando o seu Odeo (http://www.odeo.com/). Na verdade, um servidor para encontrar e publicar conteúdo de áudio. Oba! No momento só é possível fazer uma inscrição e esperar para quando o projeto sair da versão Beta. A Clash City Radio vem ai!

Para quem quiser entender mais desse babado novo (hehehe) e nos ajudar a todos a pipocar conteúdo de qualidade em lingua portuguesa, dá pra ir fuçando na net. No Orkut tem várias comunidades brasileiras sobre o assunto onde é possível encontrar tutoriais e links diversos. Ou seja; macacada, seremos impiedosos. Arrependei-vos enquanto é tempo. Disneylândia fecha (mais uma vez) esta noite.

Public Image Ltd

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por Marcos Rodrigues

Mil novecentos e setenta e oito. Após dois anos encarnando o 'enfant terrible' do rock'n'roll, na figura do Joãzinho Podre, o porta voz dos Sex Pistols resolveu que era hora de abandonar a genial orquestração de Malcolm Mclaren e criar a sua própria banda. Bem acompanhado pelo baixo dub de Jah Wobble, a cortante guitarra de Keith Levene (da primeira formação do Clash) e a bateria tribal de Tim Walker, John Lydon monta o conceito Public Image Ltd, mais conhecido como PIL.

Enveredando por uma vigorosa experimentação que mesclava tribalismo étnico, cerimonial fúnebre e ambientação psicodélica, o Public Image foi uma das bandas que deu contornos mais definidos às experimentações do chamado post-punk, ao lado de The Fall, Joy Division, Wire, Gang of Four e Magazine.

O que era raiva selvagem no Sex Pistols se transmuta em drama psicológico no PIL. Uma representação sinistra e paranóica da angústia existencial. Com o Public Image, Lydon tem a possibilidade de liberar a criatividade e refazer uma vasta gama de sons que vão de Can a Captain Beefheart, do reggae dub à música étnica, unida a visceralidade do post punk. A voz é de um profeta do apocalipse, alucinante e extremamente original. O resultado é uma das sínteses sonoras mais intrigantes da virada do rock britânico.

O primeiro album, First Issue (1978), é imerso numa atmosfera desolada e alienante, que passa da dança macabra de Fodderstompf ao hardcore de Theme, terminando com o robusto hino Public Image. Mas é com o segundo album, Second Edition (originalmente lançado como Metal Box, numa singular caixa metálica, como as de rolo de película cinematográfica) que o Pil vem forjar o melhor do seu som, combinando ritmos obsessivos, alimentados pelo baixo lúgubre de Wobble, sufocado por camadas de ruídos. É nesta conjugação de psicodelia e dark-punk que está a sua verdadeira originalidade. O album tem duas partes. A primeira é composta de cinco faixas desoladas: dos vocais arabescos de Swan Lake ao funk exótico de Memories, do caos alienante de Optones ao synthpop sinistro de Careering, terminando na liturgia apocalíptica de Albatros. Na segunda parte do album, o ritmo cresce a partir da dança atmosférica de Socialist ao ballet mecânico de Chant, passa pelo intermezzo instrumental de Radio 4 e desagua na balada tétrica de Graveyard. Um discaço.

Em Flowers of Romance (1981, tirado do nome da primeira banda de Sid Vicious), o Pil perde o baixista Jah Wobble e aumenta a experimentação e a gama de instrumentos com violino, batha e percussão de Bali. Músicas como Four Enclosed Walls; Phenagen (marca de barbitúrico), Francis Massacre e Under The House são uma alucinante colagem de sons étnicos, ruídos industriais, ritmos duros e vocais árabes. Mas é a faixa-título a verdadeira obra prima do disco e (talvez) de todo o repertório do Pil: uma dança sinistra, construída sobre mantra tibetano, liturgias do oriente médio e cítaras indianas, formando um clima onírico e claustrofóbico. Em Flowers of Romance o uso da música étnica, combinada com eletrônica, converge para um ritual esotérico de cores macabras.

Nos trabalhos seguintes a banda perde fôlego e só reaparece aqui e ali com algum momento iluminado, como em This Is Not A Love Song (1983) e Rise, do Album (1986). Este disco, aliás, contava com uma extraordinária formação composta por Steve Vai na guitarra, Ginger Baker (do Cream) na bateria, Bill Laswell no baixo (também produtor), Ryuichi Sakamoto nos teclados e Shankar no violino. Seguem-se ainda os albuns Happy? (1987) 9 (1989) e That what is not (1991), este último já o canto de cisne desta fase da vida de John Lydon, que a partir dai se lança em carreira solo.

O Public Image Ltd foi antes de tudo uma banda-conceito, que se traduzia também na concepção gráfica dos seus albuns, sempre remetendo às questões da mídia e da publicidade. Com o PIL John Lydon deu uma extraordinária guinada na sua trajetória punk e participou, em pouco mais de um par de anos, na linha de frente de duas das mais importantes guinadas do rock'n'roll. Farewell my Fuckin' Friends. Quem entendeu o recado do pequeno John avançou com ele nas possibilidades ilimitadas do rock'n'roll.

Anarquistas a serviço do rock´n´roll

Ilustração M. Rodrigues


por Miguel Cordeiro

Naquele tempo Salvador era sacudida pelos sons de texto forte e iconoclasta. Isto, quase sempre, levava a uma convivência com figuras de grande senso de humor e capazes de provocar situações inimagináveis.

Nilton era presença obrigatória no meio rock´n´roll local e do alto dos seus quase 1,90 m era percebido a distância. Sua conversa fácil conquistava a simpatia de todos e sempre estava disposto a ajudar, seja carregando equipamentos, divulgar shows pichando paredes e colando cartazes ou servindo de segurança. Volta e meia surgia com alguma novidade e um dia saiu distribuindo entre os amigos calças camufladas, jaquetas verde-oliva e sacolas de lona que um primo tinha surrupiado do quartel aonde servia o exército.

Dono de uma privilegiada criatividade e de um apurado senso estético, Nilton fazia adesivos alucinantes das bandas locais com papel colante Contact e desenvolveu uma técnica de fazer estampas em camisetas utilizando como molde grandes radiografias que eram artisticamente recortadas e através das quais imprimia logotipos das bandas The Jam, Sex Pistols, Clash, Bauhaus. Suas criações eram disputadas a tapa.

Nilton era um cara impossível, um estrategista genial, um anarquista a serviço do rock´n´roll. Certo dia estava no aeroporto de Salvador e lá viu Pepeu Gomes & Baby Consuelo acompanhados por Armandinho da Cor do Som e trio elétrico. Aí Nilton teve uma idéia cabulosa. Foi de guichê em guichê das empresas aéreas e numa delas obteve a informação que Pepeu & Baby iriam pegar um avião para o sul do país; Armandinho, ao que parecia, apenas teria levado o casal ao aeroporto.

Nilton, assim como a maioria dos rockers da época, nutria verdadeira ojeriza pelos artistas ripongas baianos chamando-os, pejorativamente, de “telúricos”. Pois Nilton, ninguém sabe como, arranjou uma maneira de entrar no setor de bagagens e ao encontrar o estojo da guitarra de Pepeu, o abriu e colou na frente da sua guitarra um adesivo do Camisa de Vênus, de acordo com os rockers, a banda inimiga dos “telúricos”.

Dias depois em meio a um grupo de conhecidos e com seu jeito galhofeiro, Nilton relatou a sua aventura no aeroporto descrevendo com detalhes as roupas cafonas espalhafatosas do trio de “telúricos” e encenando a suposta reação de Pepeu ao ver sua guitarra com o tal adesivo. E Nilton falava entusiasmado sob gargalhadas gerais e gritos de aprovação. Mas ele fazia questão de frisar que seu gesto foi um protesto meramente estético, ressaltando que não teve nenhum interesse em danificar a guitarra de Pepeu, na sua definição “o telúrico masculino e feminino”.

Esta sua atitude estava diretamente ligada às regras de boa parte do rock brasileiro dos anos 80 que praticava uma política de ruptura e de confronto com as nossas raízes e tradições musicais, com a MPB, com os regionalismos. De certa forma, bem diferente da postura dos roqueiros brasileiros surgidos a partir dos anos 90 que são extremamente conciliadores e conformistas.

Nilton não participava de nenhuma banda, mas era um parceiro fiel de todas elas. Com um show marcado no Teatro Vila Velha, ingressos esgotados antecipadamente e cercado em grande expectativa, o grupo baiano de punk rock Gonorréia falou aos próximos do incômodo dos copos plásticos com resíduos líquidos que eram atirados ao palco por um determinado grupinho na hora em que tocavam uma das músicas mais famosas do seu repertório, “Comer lixo todo dia”.

Nilton, que estava presente, ouviu a preocupação da banda e surgiu com uma idéia, digamos, suja. Antes do show ele e os integrantes do Gonó recolheram uma cacetada de sacos de lixo que estavam nas ruas próximas ao teatro e os colocaram atrás dos amplificadores de palco. Quando surgiram os primeiros acordes de “Comer lixo todo dia” os copos plásticos começaram a voar em direção a banda. Neste momento e sob a orientação de Nilton, os roadies do Gonó pegaram os sacos de lixo e jogaram em cima da turma que atirava os copos. E eles estavam tão hipnotizados pelo som, que dançavam e pulavam alucinadamente com as mãos para cima, e, ao perceberem aquelas coisas vindo em sua direção, instintivamente trucidavam os sacos e o lixo caía sobre suas cabeças emporcalhando todos eles. O fedor ficou impregnado em suas roupas, em seus corpos e eles, envergonhados, se viram obrigados a deixar o recinto e cair fora.

Depois do show a banda teve um enorme trabalho de limpar o chão do teatro, com a ajuda de Nilton, claro, mas em compensação os copos plásticos com resíduos líquidos de origem desconhecida nunca mais voltaram a ser atirados ao palco nas apresentações do Gonó.

Bob Dylan, traidor do movimento?

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por Márcio Martinez

Ao fim de “Ballad of a Thin Man”, aplausos. Depois, burburinho, gracejos, risadas e então berra uma alma ultrajada: “JUDAS!”. Mais aplausos em concordância ecoa pelo espaço. Mais burburinho. O jovem artista no palco, em torno de seus 25 anos, que estivera reafinando sua guitarra com os outros músicos para dar início a canção seguinte, cospe ao microfone: “I don’t believe you”... “You’re a lyar”..., vira-se para o resto da banda e rumina: “Play fucking loud!”... Em outras palavras: Dêem-lhes o inferno! Ah, e como deram! O baterista Mickey Jones começa espancando a bateria num aparente desespero desconexo para que os primeiros acordes de uma “Like a Rolling Stone” recém saída do forno explodissem os despreparados e sensíveis ouvidos de uma platéia que esperava apenas um homem e seu violão e estava ávida por canções de protesto, de trabalho, de luta pelos direitos civis, enfim... Ao contrário, recebem de Bob Dylan a apunhalada de um estilo musical comercial, ultrajante e temerário, tudo contra o que lutavam, o mercantilismo cultural imposto à arte pelas gravadoras, sedentas de lucro, longe de se preocuparem com uma moralização aplicada a um capital social em decadência. Pelo menos, essa era a visão dos “militantes”.

O terremoto de 10 graus na escala Richter que se seguiu depois pelo salão fez ruir por terra, e para baixo desta, toda esperança dos puristas de que a música que tanto amavam serviria para deflagrar uma “Revolução Branca” por muitos idealizada, a guerrilha social através da voz e do violão que iria transformar uma sociedade alienada em uma utópica comunidade de trocas humanitárias, mais que materiais. “This Machine Kills Fascists” estava pintado no violão de Woody Guthrie já há muito tempo e essas ainda eram as palavras de ordem daqueles jovens contestadores até então. Até então...
17 de maio de 1966, Free Trade Hall, Manchester, Inglaterra. Uma data que jamais seria esquecida.

Dylan era um garoto que, como muitos, amava Woody Guthrie e Blind Willie McTell. Abraçou a folk music após conhecer Odetta e Harry Belafonte no final dos anos ’50. Então, o que teria acontecido? Uma revolução aconteceu sim, mas primeiro uma revolução interior, para depois aquela que seria visível e sentida por todos.

Mesmo antes daquele instante culminante em Manchester, da turnê pontuada entre o já lançado “Highway 61 Revisited” e o futuro lançamento de” Blonde On Blonde” na Europa, na maioria das cidades americanas por onde passava as hostilidades eram constantes, até mesmo esperadas. Em 1965, no Newport Folk Festival, músicos que o acompanhavam nas gravações de “Highway”, como Mike Bloomfield e Al Kooper, entre outros, formavam seu novo combo elétrico, já encarando animosidades e dando uma pequena mostra do que estava por vir. Depois, já tendo The Hawks (futura The Band) como banda de apoio, alternava-se entre shows e gravações em estúdio. Não parava. Estava em seu pico criativo e, naquele momento, já sabia exatamente o rumo que queria seguir, sem concessões. Então chamado “porta-voz” de sua geração, nunca se sentiu como salvaguarda de nenhum movimento, pois havia escolhido aquele caminho por uma conjunção de fatores que facilitariam sua vida para o que viria a seguir. Não que negasse suas raízes, nem poderia, mas, muito jovem, vivia absolutamente imerso no Rock’n’Roll, e com o passar do tempo percebeu o quanto essa “viagem” seria dispendiosa. Optou por se tornar um Folk Singer, afinal, era só um violão para carregar, nada que custasse muito, tipo guitarra elétrica, amplificadores, pessoas para acompanhá-lo e seus respectivos salários, essas coisas. E ainda, com as influências certas, desenvolvia e aprimorava cada vez mais sua técnica de tocar.

Havia algo de estranho no ar. Algo que prenunciava uma tragédia iminente. Prato cheio para místicos e supersticiosos de plantão. Bom, havia shows em que o público era compreensivo, aplaudia ao invés de vaiar, apoiava, ao invés de ignorar ou de cobrar postura diversa. Mas uma coisa que Dylan e banda não podiam ignorar era os locais em que passavam onde os apupos e impropérios de toda sorte eram muito intensos, muitas vezes com a turba descontente gritando e batendo palmas furiosa e ininterruptamente, durante toda apresentação do set elétrico, ocasiões em que até o som da banda se tornava quase inaudível(motivo pelo qual aquela turnê também ficou conhecida como pioneira ao transportarem os próprios equipamentos de amplificação para os locais dos shows). Foi depois de uma dessas fatídicas noites que Levon Helm declarou que estava fora. Desistiu porque não suportava mais a idéia de conflitar com os descontentes; as vaias, os gritos, os arroubos irônicos e as gargalhadas malvadas e nervosas entre as músicas, tudo isso o exauriu. Optou por ser músico, um profissional que necessitava de remuneração por seu trabalho, que amava, e para tanto buscava estar era próximo a um público que lhe desse o retorno esperado, emocional e financeiramente e não em um empreendimento àquela altura incerto até mesmo para o próprio protagonista dos eventos. Sim, porque Bob Dylan estava apostando toda sua vida artística futura naquela avassaladora turnê: Perderia toda uma legião de fãs já bastante fiéis à sua carreira de menestrel urbano? Ou ganharia novos seguidores cujo descomprometimento ideológico consagraria aquela versão rocker de um Woody Guthrie topetudo de voz fanhosa?

Três diferentes bateristas depois e lá chegaram: Manchester, 17 de maio, numa das últimas apresentações da turnê. CATARSE.

O efeito moral da tragédia, a purgação, purificação, se não atingiu a todos naquele momento, para Bob deve ter sido suficiente. O artista acima do mito que já então existia. De carne e osso, com todas as necessidades, direitos e obrigações de qualquer ser humano normal. Não um super herói: Just like you and me.

Dois shows mais no Royal Albert Hall (os últimos), breves férias na Espanha, retorno aos EUA, mais trabalho com as edições dos vídeos que foram filmados. No final de julho daquele ano, quebrou o pescoço num acidente de moto, ficou cara a cara com a morte e retirou-se em reclusão total por quase dois anos. Os místicos e supersticiosos de plantão devem ter ficado em polvorosa...

Aquela sim, foi a verdadeira grande revolução da história do Rock: Orgânica, estrutural, emocional, sem necessidade de se confrontar ideologias. Pela arte. Tudo por amor a arte, pura e simplesmente. Um homem, sua guitarra e seus intrépidos companheiros de aventura, numa jornada em busca da gloriosa redenção reservada aos justos.

O resto é tentativa de golpe de Estado.

Let there be rock

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cds que você tem que ouvir antes de morrer

por Cláudio Moreira

Pode-se dizer milhões de coisas sobre o rock enquanto fenômeno cultural de massa, mas nada é mais certo do que afirmar que o que ele melhor fez mesmo foi servir como uma excelente válvula de escape. Não interessa o que venha acontecer daqui pra frente na história da música pop, mas enquanto existirem amantes do chamado rock pesado sempre se vai fazer reverência a bandas como o AC/DC. Na sua extensa discografia, existe altos e baixos, mas não se pode negar que entre seus cinco melhores trabalhos brilha o “Let there be rock”, editado em 1977. Nele, está a prova de fogo definitiva para os verdadeiros fãs do grupo.

Ali não existe meio termo. Ou se ama ou se odeia aquela eletricidade crua que corre em alta voltagem nas suas oito faixas. A abertura em “Go Down” não pede licença para estourar seus tímpanos com um riff porradão estilo Paul Kossof, só que de virote por duas noites. É hard rock em estado bruto sem lapidação. O bom humor de letrista de Bon Scott, um sábio popular pra lá de boêmio, aparece “Dog eat Dog”. Mundo cão esse, eu sei. Angus Young e sua inseparável Gibson SG honra o mestre Chuck Berry e não deixa pedra sobre pedra neste verdadeiro hino, que é a faixa-título. Simples, auto-referente e faiscando energia. Essa música encarna a essência estética-musical do AC/DC: um grupo de rock´n´roll com a alma lavada nos blues ligado na tomada da eletricidade do hard/boogie/heavy rock.

Cansou? Nâo desanime. Ouça “Bad Boy Boogie” e seus clichês de rebeldia na voz selvagem de Bon Scott, que tudo volta a fazer sentido como na adolescência rebelde mais pueril. “Problem Child” com seu andamento magnético não deixa nenhuma cabeça parada e retorna ao tema da canção anterior, mostrando o talento do cérebro da banda: Malcom Young e sua marcante guitarra base. “Overdose”, não desejo nem pra você e nem pra mim, mas é a dura verdade saindo da boca de Bon com a banda viajando num hard de cadência mais lenta. Bon, que sabia fazer uma noitada daquelas e escrever no dia seguinte uma letra legal sobre suas vivências, nos brindou também com “Hell ain´t bad place to be”, obrigatória até hoje nos shows da banda. A farra dos caras termina sem nenhuma cerimônia em “Whole lotta rosie” com sua letra sacana e suas paradinhas, que sempre levam a platéia a gritar o nome daquele eterno moleque danado: “Angus! Angus!”.

P.S.: Levante o traseiro correndo daí e vá comprar esse cd. Não tenha vergonha de ser um rocker de verdade. A perfeição na arte é uma meta que passa longe da farra do rock´n´roll. Deixe o rock rolar!!!

Os 20 melhores de todos os tempos

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Pois é, favorito desde o início, o seminal album Ziggy Stardust, de Bowie, levou o caneco da votação Clash City Rockers/Rock Loco. O que não deixa de ser sintomático. Um trabalho fantástico, sem dúvida, feito em 1972, onde David Bowie rompia com a sisudez e a retórica inócua dos hippies e estabelecia os caminhos do que viria a ser o rock das próximas décadas. Estética de mix entre Clockwork Orange e teatro japonês, Ziggy Stardust catapultou David Bowie para o megaestrelato (de onde nunca mais saiu) e quase o levou a esquizofrenia. Enfim, um disco e tanto.

O segundo lugar também foi folgado; o surpreendente Pet Sounds, dos Beach Boys. O resto da disputa foi acirrada e, em meio a tantas listas primorosas, vários empates ocorreram. Dois desses foram absolutamente impossível desempatar, então deixamos dois na 3a e 7a posições. Os critérios de desempate foram: 1. o maior número de citações do álbum, por colaboradores dos dois blogs; 2. o maior número de citações da banda ou artista, mesmo que em outros trabalhos. Alguns artistas como Neil Young - que foi bastante votado - ficaram de fora do ranking de álbuns porque tiveram diversos trabalhos citados, o que pulverizou os votos. Como sempre, nada é justo, mas é o retrato que temos por aqui hoje. Mas é uma 3x4 bem legal.

As cinco bandas/artistas mais citadas foram, na ordem, Beatles, Bowie, Rolling Stones, Bob Dylan, Lou Reed e Neil Young. As listas de quem votou continuam ai embaixo, no post anterior, para quem quiser conferir. Caso encontrem divergências, manda pra cá que a gente verifica.

1. The Rise And The Fall Of Ziggy Stardust And The Spiders From Mars David Bowie
2. Pet Sounds Beach Boys
3. Psychocandy The Jesus and The Mary Chain
Transformer Lou Reed
4. London Calling The Clash
5. Never Mind The Bollocks, Here's The Sex Pistols Sex Pistols
6. Who's Next The Who
7. White Abum The Beatles
Revolver The Beatles
8. Abbey Road The Beatles
9. Highway 61 Revisited Bob Dylan
10. Velvet Underground and Nico
11. Sticky Fingers The Rolling Stones
12. Electric Ladyland Jimi Hendrix
13. Machine Head Deep Purple
14. Marquee Moon Television
15. The Bends Radiohead
16. Never Mind Nirvana
17. Ocean Rain Echo and the Bunnymen
18. Exile On Main Street The Rolling Stones
19. Physical Graffiti Led Zeppelin
20. Pixies Surfer Rosa