Riot Grrrls Avant La Lettre



por Yara Vasku

Pouca coisa se salva (penso eu!) nesta onda revival dos anos 80. Uma delas é o grupo de garotas mais radicais que o rock brasileiro já viu: As Mercenárias. Além de reviver o som delas, em meio a “moda” dos oitenta, o momento é de comemorar a volta do grupo. Isso mesmo. As Mercenárias – e seu ataque supersônico, sua fúria e catarse – estão de volta desde fevereiro deste ano.

Provas não faltam. A banda paulista de pós-punk se apresentou no Campari Rock, no dia 13 de agosto, como uma das principais atrações da noite do festival que aconteceu em São Paulo, capital. Outros shows já foram realizados e outros tantos vêm por aí, inclusive em Londres (Inglaterra).

Outra prova é a inclusão da banda na coletânea “Post Punk From São Paulo – The Sexual Life of the Savages”, do selo inglês Soul Jazz, que traz ainda Fellini, Akira S e as Garotas que Erraram, Nau, Smack e Gueto. As Mercenárias abrem o disco com as clássicas “Inimigo” e “Pânico”.

Esta gravadora também é responsável pelo compacto em vinil “Pânico/Rock Europeu” que traz As Mercenárias de um lado e Fellini do outro; e deve lançar uma compilação dos dois únicos discos lançados pelas Mercenárias. Músicas das garotas aparecem ainda (ao lado de Fellini e Akira S, Voluntários da Pátria, Vzyadoq Moe, Muzak, Azul 29, etc) na coletânea “Não Wave”, que cobre o período de 1982 a 1988, lançada pelo pequeno selo alemão Man Recordings.

Tudo isso mostra o interesse, especialmente da Europa, para a música underground feita na década de 80 em São Paulo. Dizem que depois dos revivals da Bossa Nova e Tropicália, entre outros gêneros, é a vez dos grupos de punk e pós-punk serem descobertos pelo mercado internacional.

E, em meio a este interesse todo, As Mercenárias ganham destaque, provando que o grupo entrou para a história do rock nacional como um dos mais importantes para aquela década.

É isso aí. Quando se fala da história do rock brasileiro não dá para deixar de lado o som da banda que agradava tanto os fãs de porrada tipo Ramones e Sex Pistols, quanto os amantes de canções mais climáticas do tipo de Siouxie and the Banshees e Joy Division. Bem antes, diga-se de passagem, de o Bikini Kill inaugurar, em Washington, 1990, a chamada onda de punk hardcore feminista.

O grupo teve sua estréia em fevereiro de 1983, com um cara entre as garotas. A formação inicial era: voz e presença furiosa de Rosália Munhoz; musicalidade e postura rocker da baixista Sandra Coutinho; navalhadas e trovoadas na guitarra pela tímida Ana Machado; e na bateria Edgard Scandurra – hoje guitarrista do Ira!. Antes da gravação do primeiro disco “Cadê as Armas?” (Baratos Afins, 1986), Scandurra saiu da banda dando lugar à Lou. Esta foi a formação até o final, logo após o lançamento do segundo (e último) disco, “Trashland”, pela EMI, em 1988.

Este álbum foi eleito o melhor do ano na votação da revista Bizz, que reuniu também críticos de outras publicações, de vários lugares do país. Na mesma eleição, “Trashland” ganhou o prêmio de melhor capa (obra de Michel Spitale, atualmente diretor de arte da Playboy) e Sandra Coutinho com o de melhor baixista. No final do mesmo ano, porém, a gravadora dispensou a banda que, conseqüentemente, acabou. Em sua curta duração, no entanto, As Mercenárias arrastavam muitos fãs para os “inferninhos” do underground paulistano na década de 80, conquistando assim, com pouca divulgação, mas bons shows e excelentes álbuns, fiéis seguidores.

Agora é possível curtir a banda novamente, mas desta vez com Geórgia Branco na guitarra e Pitchu Ferraz na bateria. A presença de palco de Rosália Munhoz, e a firmeza de Sandra Coutinho no baixo, porém, permanecem e podem ser (novamente) conferidas. De acordo com Sandra Coutinho, nesta retomada da carreira, As Mercenárias vão tocar as canções dos dois discos lançados em 80, como “Pânico”, “Inimigo”, “Polícia”, “Me Perco Nesse Tempo”, além de músicas ‘quase desconhecidas’. Ela explica que, quem conhece a banda só pelos discos, não conhece estas músicas, pois nunca chegaram a ser gravadas. Temos uma nova chance!!

Creedence Clearwater Revival



por Sérgio 'Cebola' Martinez

1967-1972. Lições Básicas em 5 anos.

Em 1968, o rock ensaiva um retorno às suas raízes. Neste ano, Os Beatles lançaram o White Album, em que deixava um pouco de lado o arco-íris psicodélico de seus discos anteriores. The Byrds unia-se a Gram Parsons para enveredar pelos pastos e veredas da música country, com o seminal Sweet Heart of the Rodeo. The Band lança o não menos fundamental Songs from the Big Pink, onde folk, country, rock balads, bluegrass e gospels fuandiam-se em harmonias simples, porém sensíveis e emotivas. Rolling Stones cometem Beggar´s Banket, um dos melhores de sua carreira até hoje, na mesma praia country/blues. E assim por diante, temos exemplos diversos e dos mais variados graus, e é deste ano também, o lançamento do primeiro disco do Creedence Clearwater Revival, reforçando a guinada para o básico, para o berço do rock ´n´ roll.

Formada pelos irmãos John Fogerty ( voz e guitarra), Tom Fogerty (guitarra), mais Stu Cook (baixo) e Doug Clifford ( bateria) ainda em 1967, o Creedence ficou conhecido como uma banda de singles. Ok, seus álbuns eram fantásticos, mas, como que reafirmando o padrão do início do rock, na década de 50, funcionavam quase que como uma coleção de singles, onde a pedra fundamental, o cerne do trabalho, eram as canções que, individualmente, definiam a essência da banda. John Fogerty, fã de rockabilly, country, blues e soul, era o gênio por trás da máquina de compactos inesquecíveis que se tornara a banda. Quem não se lembra de Proud Mary, Green River, Have you Ever Seen The Rain, Bad Moon Rising, Fortunate Son, Travelling Band, e tantas outras que, se não reconhecíveis pelo nome, certamente seriam em qualquer audição ligeira.

Isso por si só já bastaria pra qualquer banda ter material suficiente pra uma carreira inteira. Mas daí vem aquele toque diferencial. Aquele "pequeno" detalhe que catapulta o Creedence ao posto de uma das maiores e mais influentes bandas americanas da história. John Fogerty era um fuckin´ gênio da guitarra, só isso. Nos álbuns da banda sempre havia duas ou três músicas que funcionavam como uma tapeçaria de timbres, fraseados, riffs poderosos, texturas e dinâmicas incendiárias, de silêncios e explosões cuidadosamente costurados, matematicamente libertários. Essas canções fugiam da estrutura "clássica" do creedence, com 7, 8 ou mais minutos de duração, sem cansar nem tirar de cima. As versões para Susie Q e Heard in through the Gapevine, as suas Effigy, Feelin´ Blue, Born on the Bayou, Graveyard train, Pagan Baby e outras estão nesta categoria. Swamp rock, letras sinistras, de "mau agouro", tudo isso era também o Creedence. Ah, antes que eu me esqueça, muita soul music. Isso aí, soul e country no mesmo caldeirão. Unidas sem traumas, sem forçar a barra, fluente e natural como deve ser. A voz, por vezes explosiva e gutural, Little Richards style, por vezes contida e emocional, de John Fogerty é um capítulo à parte. Na melhor corrente blues/soul man de ser.

Nesses tempos de busca desesperada pela próxima grande coisa, talvez seja tempo de parar um pouco, pra dar um tempo, relaxar (sorry Fábio Casca), fazer um pequeno retorno e tentar ouvir obras primas como Green River (1969), Willy and The Poor Boys (1969, meu preferido), Cosmo´s Factory (1970). Esses, pelo menos. Podes crer que não se arrependerá. Ou, se quiser ser apanhado mais rápido, tempos velozes são esses que correm, ouça Fortunate Son e It Came out of the Sky, ambos do Willy, que aí não vai ter jeito. É calça de fora ou bunda de veludo, como diria irmã Dulce.

Em 1972, a banda lança seu último disco de inéditas, Mardi Grass, meio fraquinho, onde John passa a dividir as composições com Doug e Stu, após a saída do seu irmão. Mas bastaram esses cinco anos para mais um capítulo desta História ser impresso a ferro e fogo em uma das estações dessa longa e emocionante saga chamada Rock´n´Roll.

Um brinde ao velho safado

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por Márcio Martinez

“– O QUE, SEU CHUPADOR DE PAU! – ela gritou.
Vi o sobrancelhudo saltar o balcão. Bom truque para um cara do seu tamanho. Tomei meu drinque e me levantei para enfrentá-lo. Me desviei do seu direito e mandei-lhe o joelho nas partes pudendas. Ele caiu, rolando no chão. Dei-lhe um pontapé na bunda e saí andando pelo Sunset Boulevard.

Minha sorte nos bares ia de mal a pior.”

(Charles Bukowski - trecho do livro Pulp)

Estavam na Civilização e a colega de trabalho da minha ex namorada também queria comprar um presente para seu homem. Ela então tomou este livro das mãos de minha ex e disse, “ah, esse é legal? Deixe eu ver, que fulano também gosta de livros”, toda sorridente... Drica me contou depois, às gargalhadas, como a expressão no rosto da colega foi se alterando aos poucos e se transformando num misto de surpresa e decepção quando terminou de ler este trecho na contra capa do último livro e primeiro lançamento póstumo do Dirt Old Man, há dez anos. “Ah, Márcio gosta desse ‘tipo’ de livro é?”

A vaca pensou o quê? Que seria alguma publicação ‘tipo’ auto-ajuda? Um romance mela-cueca de Sidney Sheldon? Ou mesmo texto pornográfico? A verdade é que a tal ex também não conhecia nem um pouco, nada, sobre o autor que escolhera para me presentear e só o fizera (dedicatória toda romântica e fofinha, contrastando com o conteúdo), porque eu havia visto este lançamento dias antes, demonstrado interesse em adquiri-lo e ela quis me surpreender, antecipando-se. Muito obrigado.

Tarefa ingrata essa. Prazerosa, é certo, mas ingrata. Escrever sobre quem a gente gosta e aprendeu a respeitar depois de compreender o que há por trás de rígida muralha de intolerância com o mundo que o cerca deveria ser fácil, agradável, mas não é. Quando se trata especificamente daquela MOSCA DE BAR, o Santo Padroeiro dos bêbados e fracassados, eu me pergunto se há moral (ou falta de) suficiente em mim para tanto. Vidinha ordinária de classe média, tudo na mão dentro de nossas limitações, a cortina de um falido sistema sócio-econômico jogando sua densa sombra em meu lar, mas por aqui todos cordeirinhos mansos, satisfeitos e incapazes de contestar tais limitações; por tudo isso e algo mais, o esqueleto do escritor-padroeiro deve estar chacoalhando nesse momento, enfurecido e esbravejante, dentadura trincando, louco pra me cuspir na cara: “SEU FILHO DA PUTA, VAI TOMAR NO CÚ QUE VOCÊ NÃO SABE DE NADA!”.

Putz, depois dessa desliguei o computador e fui pra casa. Outro dia eu tentaria continuar...

Bom e Velho Buck, andando pelas calçadas da Cidade dos Anjos, garrafa de vinho barato na mão, o DEMÔNIO em seu encalço. Maior algoz de si mesmo, era um verdadeiro proscrito do American Way of Life. Na posição de observador, era cada vez mais claro para ele que o sonho americano estava jogado bem no fundo de uma lata de lixo: “A América é uma prostituta de 150 quilos, um metro e meio de altura, que peida, uiva e destroça a cama quando goza”. Definitivamente, não posso deixar de amar um escroto que escreve um troço destes. Isso é poesia erudita pra mim.

Nascido na Alemanha em 1920, pai de ascendência alemã, sargento do exército americano e mãe alemã, migraram para os EUA quando tinha 3 anos. Charles Bukowski mostrava uma personalidade retraída desde a infância, odiava a figura ultra autoritária do pai e a indiferença da mãe e acumulou traumas pesados que viriam a criar a espessa e impenetrável casca anti-humanidade em que viveria ao longo do tempo. Para um atormentado disléxico, ainda muito jovem as coisas pioraram: Médicos examinaram seu rosto cheio de erupções pustulentas e as classificaram como acne vulgaris, de um tipo raro, que o desfigurava terrivelmente. Você encontra as dificuldades pelas quais passou na infância e juventude em MISTO QUENTE, romance que, como muitos outros textos seus, era meio que autobiográfico, já que se utilizava de sua própria experiência de vida como melhor matéria-prima da atividade que escolheu como válvula de escape do seu atribulado cotidiano.

Em sua vida, às vezes perdia tempo valioso com pessoas que não se importavam se ele estava vivo ou morto. Aqui o Rock’n’Roll que tanto detestava cai feito uma luva para definir alguns momentos de seu dia-a-dia, via The Smiths. Sua paixão era a música clássica que ele ouvia diariamente quando não passava as noites numa cadeia fétida ou num hospital de indigentes vomitando sangue devido aos excessos que atacavam seu estômago ulcerado. Segundo o próprio Bukowski, escrevia para não entrar em processo de completa loucura. As peças orquestradas eram a trilha sonora. O Adágio em Sol menor de Albinoni desliza pelos fones de ouvido enquanto escrevo. Uma peça dramática para um momento dramático. E é curta, em torno de sete minutos. Mas a vida leva o tempo de um cigarro, se pensarmos bem. Mahler, Handel, Beethoven... Zweeeeiiing, Shkrieeeeeek, tsoiiiiiiing... Bosta de rádio que não sintoniza direito!

Publicou o primeiro conto em 1944, aos 24 anos e começou a escrever poemas aos 35.

Bom e Velho Chinaski, coitado desse seu alter ego, junto a seu anjo da guarda, acumularam seqüelas de um modo de vida mortífero. “Maldita raça humana”, não se considerava um ser humano também? Curioso como sua inadaptação a este mundo o fazia parecer um alienígena. Henry Chinaski passeou pela maioria de suas histórias, fossem romances ou contos, nos guiando tropegamente, nos forçando a atravessar as perigosas ruas de seu universo distorcido, nas manhãs de névoa poluída de Los Angeles, em meio a fantasias alcoólicas e delirium tremens.

Henry era o nome do seu pai e talvez o usasse como alter ego numa tentativa oculta de fazê-lo sofrer e numa tentativa desesperada de expiar seus traumas.

O melhor que já li dele é MULHERES, o próprio título já informa do que se trata: suas desventuras, amores fracassados, noites mormacentas, relacionamentos rodeados em massas de sujeira e lama, complicados mas muitas vezes o trágico virando cômico e arrancando boas (às vezes nervosas) risadas do leitor. CARTAS NA RUA trata do emprego em que durou mais tempo, nos correios, período em que produziu muito e ganhou horríveis dores nas costas em dez anos separando cartas e andando pelas ruas para entregá-las. Duas ótimas coletâneas de contos, pra quem quiser começar devagar (mas cuidado!) são CRÔNICA DE UM AMOR LOUCO, título de um filme do diretor Marco Ferreri sobre as doideiras e devaneios de parte de sua vida como escritor outsider e FABULÁRIO GERAL DO DELÍRIO COTIDIANO, juntos se complementam. FACTOTUM já trata dos diversos empregos nos quais nunca conseguia durar mais de dois meses, às vezes uma semana, quiçá 1 dia! Tem HOLLYWOOD, um dos últimos ainda em vida, sobre as filmagens de um roteiro seu conseguido a muito custo ($), dirigido por Barbet Schroeder e protagonizado por Mickey Rourke e Faye Dunnaway. “A imortalidade é uma estúpida invenção dos homens”, escreveu num diário pouco antes de morrer e que foi lançado postumamente sob o título “O CAPITÃO SAIU PARA ALMOÇAR E OS MARINHEIROS TOMARAM CONTA DO NAVIO”. Concordo e ainda digo:

A eternidade também tem seu limite, que é o da própria vida. Reconhecimentos e homenagens póstumas o caralho, isso só interessa a quem está vivo.

Bom e Velho Safado, língua ferina e afiada, mas de corte irregular, seria mais confiável mamãe deixar sua filha sair com os Rolling Stones numa noitada. Escritor maldito, “não é mártir, nem nenhum anjo caído: quando cai, cai atirando, sem autopiedade”. Podia detonar facilmente qualquer incauto em platéias quando fazia suas leituras em meio à bebericadas nervosas na sua garrafa de vinho e aos desordeiros, berrando insultos, dizia calmamente: “Vocês ainda não voltaram pra casa, para a mamãe? Ela preparou uma mamadeira de leite quentinho para vocês”. Porra, botava a cabeça entre as pernas e procurava um buraco para enterrá-la mas ali é que eu não ficava mais. Viciado nos “cavalinhos” vivia rodando pela Freeway em direção ao hipódromo, para perder ou ganhar nas apostas. Perdia mais do que ganhava. “Existimos por acaso entre as percentagens, temporariamente”, então por que perdemos tanto tempo? “A simplicidade é essencial”, dizia.

Mas, apesar de tudo, de seus traumas, amores fracassados, prisões inesperadas, loucas desventuras e fantasias alcoólicas, conseguia também ser lírico e esperançoso. Em algum lugar, nos recônditos da medonha alma humana, no fundo, no fundo, ainda parecia enxergar uma possível salvação em meio ao caos e isso se justifica em sua indisfarçável ternura pelos perdedores e excluídos.

Do último lançamento de Charles Bukowski, ESSA LOUCURA ROUBADA QUE NÃO DESEJO A NINGUÉM A NÃO SER A MIM MESMO AMÉM, um livro de poemas, também no Brasil (trecho):

Isto não é um poema
Poemas são um tédio
Eles te fazem
Dormir

Estas palavras te arrastam
Para uma nova
Loucura

Você foi abençoado
Você foi atirado
Num
Lugar que cega
De tanta luz

Você já pode morrer agora
Você já pode morrer do jeito
Eu as pessoas deveriam
Morrer:

Esplêndidas,
Vitoriosas,
Ouvindo a música,
Sendo a música,
Rugindo,
Rugindo,
Rugindo.

Ruja bem alto, velho desgraçado, arrase comigo, arranque minha alma, vomite nela sangue e impropérios e jogue meus restos em sua sarjeta de indignação!

EU MEREÇO.

Marcelo Nova - Exclusivo!



Marcelo Nova está de volta a Salvador para tocar no Rock in Rio, dia 17 de setembro, sábado. Ele tambem aproveita a ocasião para lançar o seu CD de canções inéditas, O Galope do Tempo. Nova é um personagem do rock brasileiro que dispensa maiores apresentações. Nos anos 80, liderando o grupo baiano Camisa de Vênus desempenhou um papel fundamental para a consolidação do rock´n´roll em terras brasileiras. Anos depois, em dupla com o amigo e parceiro musical Raul Seixas excursionou pelo país e lançou o album A Panela do Diabo. Ao lado de Eric Burdon, vocalista da lendária banda inglesa The Animals, gravou o clássico Don´t let me be misunderstood que está registrado no disco do Camisa, Quem é você, de 1996. A partir daí desenvolveu uma parceria com Burdon e que foi apresentada ao público no álbum My secret life, lançado por este excepcional cantor em 2004. Agora, em setembro de 2005, Nova está lançando O Galope do Tempo e neste bate papo exclusivo com o Clash City Rocker Miguel Cordeiro, ele fala de seu novo trabalho e de outros assuntos.


E aí, Marcelo, o seu CD finalmente está sendo lançado. Fale sobre ele.

Este é um projeto que venho desenvolvendo há alguns bons anos. O CD chama-se O Galope do Tempo. São 70 minutos com 16 músicas e tem canções com 3 minutos, 6 minutos e até 9 minutos. Antes de mais nada, eu diria que este disco não foi feito para as viúvas do Camisa de Vênus. Estas canções têm um outro enfoque. São canções que venho compondo ao longo dos últimos 13 anos e elas tratam da minha observação do passar do tempo. Daí o nome do disco, O Galope do Tempo. É uma observação minha e própria da vida, é um trabalho autobiográfico, é a minha assinatura como compositor. Quando eu digo que não é um disco para as viúvas do Camisa é porque estas canções têm um outro tratamento, tanto musical como no aspecto das letras mas, sem dúvida, é um disco essencialmente de rock.

E as gravações?

Quando entramos no estúdio procuramos uma sonoridade que fosse capaz de reproduzir aquilo que eu imaginava. Uns dias antes das sessões de gravação eu e o Johnny Boy tocamos as canções e conversei com ele como eu queria que elas soassem. No estúdio procuramos ser o mais objetivo possível e quando fomos gravar as coisas fluíram com muita naturalidade.

Como você trabalhou esta questão da sonoridade?

Eu continuo achando que a base para um bom disco de rock ainda é aquela formação clássica: duas guitarras, baixo e bateria. Esta é a base desse meu disco. Eu e Johnny Boy nas guitarras, O Lú Stopa no baixo e o Denis Mendes na bateria. Johnny também tocou piano e órgão, e ainda tem algumas faixas com violoncelo. Esta banda que me acompanhou nas gravações é a banda que sempre tem tocado comigo, então, entre nós, já existe um entrosamento e uma grande afinidade e acho que cheguei bem próximo daquilo que eu queria. Como eu disse antes, este é um disco de rock, mas não tem nada a ver com este rock que está sendo feito no Brasil de hoje.

Você está enfatizando isto de ser um trabalho diferenciado e continuar sendo um disco de rock. E isso é interessante porque parece que no Brasil rock é só sonoridade e parece haver uma desinformação de que existe uma poética rock...

Bem lembrado! Eu percebo isso também e é por isso que faço questão de frisar que este álbum não se parece com nada que é feito em termos de rock no país. Eu vejo essas bandas que se dizem punk ou hardcore mas as letras deles são tão bobinhas que caberiam muito bem num disco de Sandy & Júnior ou do KLB. Essa falta de informação leva muita gente a pensar que só por ter guitarra distorcida a música se torna rock, e não é por aí.

Como vai ser a divulgação do disco e estas coisas?

Os custos da gravação do disco eu mesmo banquei de forma totalmente independente e sem nenhuma espécie de interferência. E após a gravação eu tive negociações com algumas gravadoras, mas elas sempre arranjam uma maneira de dar um palpite ali, te oferecer piores condições aqui ou mesmo recusar o seu trabalho. Aquela novela que a gente já conhece. Então o CD está sendo lançado por uma pequena distribuidora chamada Ouver. Assim eu tenho uma maior liberdade de ação. Por outro lado eu vou ter que me virar, né? Já fiz um clipe de uma canção que se chama Ninguem vai sair vivo daqui, que é o single deste CD. É um clipe simples, sem historinha. Apenas a banda tocando a música no estúdio. Depois vou fazer essa coisa de televisão, uma divulgação mais ampla possível. Vamos ver o que vai dar e estou disposto a percorrer todos estes caminhos porque este é um album de extrema importancia para a minha carreira. E como diria Baiaco (N.R. craque do Bahia nos anos 70 e autor de frases antológicas), “eu vou invistir nim mim”.

Como serão os shows deste album?

É como eu disse antes, este é um album muito peculiar, autobiográfico e, até mesmo, introspectivo. Penso em trabalhar este disco em teatros para 300, 400 pessoas onde elas possam perceber do que ele trata. É um disco para show em teatro. Vai ser um desafio para mim e para o meu público porque já existe aquele costume, mesmo, de quando eu entro no palco as pessoas ficarem gritando o “bota prá fuder”. Mas com este album a proposta é outra, tanto que no fim do ano farei um DVD registrando estas canções num show em teatro.

E este show vai correr o Brasil?

O objetivo é este! Mas eu continuo sendo um artista sem contrato com grandes gravadoras ou grandes empresários apesar de sempre estar fazendo shows pelo Brasil afora. Seria muito gratificante ter a possibilidade de fazer apresentações deste trabalho, neste formato, no maior numero de cidades possíveis. Mas no nosso país, o Brasil, tudo é muito complicado. Falta de grana e o Brasil tem essa incrível facilidade de inviabilizar as idéias. E, mais ainda, quando voce tem uma postura independente, voce tem de correr atrás, correr riscos. Voce bate o escanteio e voce mesmo tem de correr e tentar fazer o gol. Mesmo que seja um gol de mão...

De que maneira você enxerga esse ôba-ôba em torno dos anos 80, já que você teve uma participação importante naquele período?

Acho essa coisa de “revival” de uma época um troço meio por fora. Geralmente são feitos para pessoas que acham que o seu passado é que foi legal. O presente para elas é um saco porque elas já estão velhas, principalmente de cabeça e de idéias. Sei que eu tive um papel ali naqueles anos, mas não quero ficar preso àquilo. Sei que ocorreram coisas bacanas nos anos 80, pouquíssimas coisas, por sinal. Mas teve também muita coisa ridícula, que é o que, geralmente, é apresentado nestes “revivals”. Aquelas roupas, aqueles cabelos, aquela musiquinha insossa... E eu, com o Camisa, sempre fomos críticos ferrenhos daquilo tudo que acontecia em nossa volta, já mesmo naquela época. Éramos peixes fora daquela água.

Conversando frequentemente com você tenho conhecimento dos lugares em que você se apresenta. Capitais de estados em todo Brasil, cidades importantes do sul do país e algumas outras não tão conhecidas como Santa Adélia, Ilha Solteira, Taquaratinga (todas de São Paulo), Ubá e Viçosa (Minas Gerais), Bento Gonçalves, São Borja (Rio Grande do Sul) e por aí vai. E Salvador? Por que, apesar de ser baiano, voce se apresenta tão pouco por aqui?

Olha, estarei tocando aí em Salvador no dia 17 de setembro, no Rock in Rio. A última vez que estive por aí foi no inicio de 2004, no Festival de Verão com o Camisa de Vênus, portanto há um ano e meio. Eu gostaria muito de tocar em Salvador com mais frequência, a exemplo do que faço em Porto Alegre e em muitas cidades daqui do interior de São Paulo como Campinas, São José do Rio Preto ou Bauru. E mesmo sendo do interior paulista, às vezes acho que essas cidades já são mais adiantadas que Salvador porque nelas existe uma maior diversidade cultural. Salvador continua sendo a terra do axé e daqui me parece que na Bahia só se incentiva esta expressão artística, o que é um erro e uma característica deste atraso.

Mas, diversas vezes foi anunciado que voce tocaria aqui mas não se concretizou.

É, né? Olha, eu nasci e passei boa parte de minha vida aí, e o Camisa foi um grande sucesso em Salvador antes mesmo de fazer sucesso no Brasil. Após os primeiros shows do Camisa dezenas de bandas se formaram em Salvador, uma cena forte, Então seria mais que natural eu tocar na Bahia mas me parece que por aí todas as produtoras de eventos têm ligação com a música baiana e elas acham que eu sou um inimigo e que eu vou detonar o negócio deles. Já o pessoal da oposição que seria a parte interessada em fazer um contraponto e tentar diversificar a cena cultural, de certa forma parece também estar ligada ao esquema da música baiana, ou melhor, ao baixo clero da musica baiana. Já fui sondado algumas vezes para me apresentar num evento na Concha Acústica que é ligado a um órgão do governo estadual (N.R. Projeto Sua Nota é um Show), mas quando tudo parece estar se concretizando vem o produtor do evento com aquele argumento furado, aquela conversa fiada: “ah. Marcelo vai falar mal de ACM, Marcelo tem de segurar a língua”...Aí não dá, né? O produtor não se impõe, não tem personalidade, ele tem medo do diretor, tem medo do secretário e Marcelo Nova é que é o culpado. Para se ter uma idéia, toquei dias atrás em Campinas num evento patrocinado pela secretaria de cultura da cidade e lá não existe nenhum tipo de empecilho ou censura. Outras vezes entro em negociação com algum produtor daí, e ele vem com o papo, “mas Marcelo, eu queria trazer você mas o preço do abadá teve uma alta”... Fica até parecendo que as ações da Bolsa de Valores da Bahia são vinculadas ao preço do abadá. A motoniveladora e a monocultura da musica baiana transformou a Bahia num celeiro de mediocridade e em todos os níveis. É impressionante!

O Clashcityrockers é um blog na internet sobre assuntos diversos que, de uma forma, estão ligados ao rock´n´roll...

Legal. Realmente tem muita coisa acontecendo na internet. Meu filho Drake sempre está baixando coisas interessantes da rede, principalmente no Soulseek. O Ary, que é o cara que trabalha comigo nas produções e é quem informa através da rede os meus shows, as minhas atividades me fala que sempre estão rolando discussões por lá. Mas eu, particularmente, não tenho saco prá ficar na frente de computador, internet e essas coisas.

E o CD de Eric Burdon, cantor do Animals, que tem três músicas suas?

Esta foi uma grata surpresa! Na verdade das três canções, apenas uma é inédita: Black and White World, que escrevemos juntos. As outras duas são Coração Satânico e Garota da Motorcicleta que estão no meu album de 1994, Sessão sem fim. O Eric as traduziu para o inglês e passaram a se chamar, respectivamente, Devil´s Slide e Motorcycle Girl. E o disco dele é mesmo excelente e foi considerado um dos melhores da sua carreira. Quando ouvi o CD pela primeira vez eu fiquei emocionado, não só pelo fato de estar sendo interpretado por um dos meus ídolos de todos os tempos, um dos maiores vocalistas do rock como por estar ao lado de compositores que admiro muito, a exemplo de Leonard Cohen e David Byrne da época do Talking Heads que também estão sendo interpretados neste CD de Eric Burdon. Fiquei ouvindo o disco por horas e em homenagem derrubei uma garrafa de uísque.

Diga pros nossos leitores os CDs que voce tem ouvido ultimamente. E qual a sua opinião sobre esta nova safra de bandas que tem surgido lá fora?

Tenho ouvido um CD que os Yardbirds lançaram recentemente e que se chama Birdland que é muito legal, São oito releituras de seua clássicos e sete canções inéditas tão boas quanto. Tambem tenho ouvido muito o disco novo do Brian Setzer, guitarrista e vocalista do Stray Cats, que é um puta album de rockabilly e só com canções da Sun Records. Outro CD é o Atom Bomb dos Blind Boys of Alabama, um belo trabalho deste grupo vocal das antigas e que já tinha participado de um disco de Lou Reed. E, claro, ouço bastante o CD novo do Bruce Springsteen, Devils and Dust. Já essas bandas novas eu confesso que não tenho muito interesse. Ouço algumas coisas mas acho tudo muito vazio e efêmero, parecem miniaturas daqueles carrinhos matchbox... É certo que existem coisas interessantes mas sempre me pergunto até quando elas duram.

E o show do dia 17 de setembro aqui em Salvador no Rock in Rio?

Estou muito animado porque tocar aí na Bahia é para mim um prato cheio para fazer um contraponto a essa tal da “baianidade”. Soube que o local do show é uma casa legal, com infraestrutura e um espaço físico bem propício para shows de rock. Porque aí na Bahia tudo é muito improvisado. Ou é show em espaços abertos como o Festival de Verão ou é em barzinho sem nenhuma estrutura. O que mais me espanta é que em todos estas apresentações que faço pelo Brasil e no interior de São Paulo é constatar que estas cidades têm casas de shows de qualidade com capacidade para 500, 700 ou 1000 pessoas. Salvador isso não rola. Fico impressionado. A terceira cidade do páis com quase 3 milhões de habitantes e não tem casas para shows. Sei atraves das pessoas daí que o Rock in Rio está abrindo mais espaço para o rock´n´roll e isto é positivo. O fato de estar agora indo tocar neste lugar é muito animador e vamos ver como vai ser. Espero que o som e a parte técnica seja de qualidade

Você vai mostras músicas novas deste CD?

Claro! E muito mais. Vai ter de tudo que já fiz. E o que posso prometer é que vai ser uma grande noite de rock´n´roll.