Estórias de uma cultura subterrânea



por Marcos Rodrigues

1984. O ano emblemático de George Orwell também o foi para um monte de garotos em Salvador: aqueles que assistiam a aproximação da idade adulta, mas não viam muita perspectiva de dias melhores numa cidade que virou caricatura de si mesmo. Por essa época, uma enigmática caixa postal num anúncio de classificados da extinta revista Somtrês dava a senha: Círculo do Rock. Segui o coelho branco.

Uma nervosa troca de cartas e, então, um volumoso catálogo em xerox abre as portas dos bootlegs alternativos. Hardcore finlandês, punk rock baiano, ska londrino. Bauhaus ao vivo em Eindhoven, Sex Gang Children no Royal Albert Hall e Camisa de Vênus no Forte de Santo Antônio. Mais cartas, mais selos e mais k7s em ferro e cromo. Até que um dia, um timbre de locutor de rádio surge do outro lado da linha telefônica. Era Ednilson Sacramento, o cara da misteriosa caixa postal.

A voz grave e pausada escondia uma figura fisicamente frágil e de temperamento zen budista. E ele trouxe mais senhas: um boteco chamado Moto Lanches encravado entre a Lapa e a Barroquinha. E o álbum 'Tente Mudar o Amanhã' da banda paulista Cólera, que nos chegava em primeira mão.

Esse cara, Ednilson, sempre foi uma das figuras mais importantes da cíclica 'cena baiana' de rock. Co-editor do célebre fanzine Espunk, junto com Williams Martins (Dever de Classe), esteve nos bastidores de quase tudo que valeu à pena no subterrâneo rock de Salvador. Produzindo, escrevendo, conspirando. No underground do underground: o punk rock soteropolitano. Aquele que passava pelos gigs ao lado das linhas de trem do subúrbio e pelas decadentes salas de espetáculos da cidade. Teatro das Oliveiras, Teatro Solar Boa Vista, Cine Roma, Vila Velha.

Em 1996, com a internet nascente e a estética da MTV já dando as cartas, Ednilson volta à ativa, muito à frente do tempo. Inventa o originalíssimo Telefanzine, aproveitando os serviços de outra caixa postal, desta vez via telefone, e ajuda a alimentar uma nova geração com informações e uma espécie de tribuna livre, já prefigurando o que viriam a ser os blogs de hoje, com seus comentários.

Em meio a toda agitação, Ednilson foi guardando material, coletando informação e fazendo algumas entrevistas. Personagem privilegiado da história recente do rock feito na Bahia, nos brindou com esse registro. Rock Baiano, História de Uma Cultura Subterrânea é o painel de quatro décadas do que se andou fazendo no lado mais alternativo desses trópicos, com especial ênfase à segunda metade dos anos 80, onde rock chegou a ser a maneira de viver de boa parte da cidade.

Pronto e editorado, 'na unha', há cerca de 10 anos, o livro esperou todo esse tempo para vir à luz. Não perdeu, no entanto, sua atualidade. Faz o registro oportuno de uma época e ajuda a preencher as lacunas dessa história de altos e baixos que o rock na Bahia.

No formato impresso foi lançado tal como foi concebido à época. Nessa versão eletrônica, passa por um desmembramento em cinco volumes e uma nova editoração para facilitar a leitura em tela. As poucas imagens da obra também só estão disponíveis no livro físico. O conteúdo em texto, no entanto, segue na íntegra e espero que essa sobrevida digital de Rock Baiano, História de Uma Cultura Subterrânea permita que se mantenha a atenção ao trabalho de Ednilson e que ele continue a iluminar novas cabeças.

Divórcio !!





Era uma vez o rock&roll!!

Socorro...diziam as mães das donzelas, vendo um branco de voz e ginga negra tomar de assalto os rádios das salas e ironicamente cantando "That´s allright mama". Os quadris começavam a se mexer, chamando todos para a putaria.
Pano rápido!!

Passadas 4 décadas, rockeiro não dança mais!!
Por que?
Onde aconteceu o divórcio?
Quem tá pagando a pensão alimentícia?
Quem foi o gênio que concluiu que música pra dançar é música idiota, sem conteúdo, e não tem atitude ( oh palavrinha que tá ficando maldita) ?

Esse blog aceita sugestões!!

Ajudinha...

Olha que bacana! Conquiste a Rede é uma coleção sobre ferramentas que permitem a você, com um pouco de conhecimento, ser dono de um veículo de comunicação. São quatro livros, assinados por Ana Carmen Foschini e Roberto Romano Taddei, que podem ser lidos sem custos por qualquer internauta. Os livros fazem referências a programas e serviços gratuitos e disponíveis para usuários de Linux, PC e Mac. A obra está dividia em quatro volumes:
Podcast: leia dicas sobre os equipamentos necessários e programas que você pode baixar da rede e descubra mais sobre edição de som;
blogs : veja dicas de publicação e manutenção e entenda melhor as regras de direito autoral na internet;
fotologs (flogs) e os videologs (vlogs) : Descubra os melhores programas para editar fotos e vídeos e leia dicas sobre captação e edição de imagens;
jornalismo cidadão : um fenômeno que despontou no começo do século e tem dominado a produção de conteúdo na internet. Descubra o que é necessário para se produzir uma notícia e como é possível colaborar com os inúmeros espaços colaborativos da internet.
Os livros estão licenciados com uma licença Atribuição-Uso Não Comercial-Compartilhamento pela mesma Licença e podem ser baixados no banco de cultura do site Overmundo .
Fonte: CreativeCommons

Atenção no que fala!!

por Nei Bahia




O ano era 1985 e algo estranho acontecia na música pop: Sting, baixista do The Police, banda que era a mais bem sucedida do c momento pós -punk, com sua mistura rockskapop bem dosada, deixava a banda e partia para carreira solo. Até aí tudo normal, não fosse seu projeto solo algo diametralmente oposto ao que ele aprontou com seus colegas de trabalho (amigos não...) Andy Summers e Stewart Copeland. Montou uma banda de apoio com músicos de jazz na sua esmagadora maioria; Ommar Hakim, Brandford Marsalis( na época seu irmão caçula Winton era o músico de jazz da moda), Daryl Jones, atualmente com os Rolling Stones, e o infelizmente já falecido Kenny Kirkland, e virou centro das atenções daquele miolo da década. Nascia o “pop adulto”?

O nascimento desse projeto foi registrado num filme que se pode encontrar por aí chamado "Bring on the night", um dos melhores documentários que eu já assisti sobre música pop. Ele revela o clima grandioso que cercou o projeto, e talvez sem querer revele também seus maiores erros. Logo no começo, vemos a banda ensaiando a canção título num estúdio montado em um CASTELO nos arredores de PARIS e emenda direto para uma entrevista coletiva onde Sting apresenta sua nova banda. Dessa cena atenção em dois momentos: um jornalista tenta criar uma intimidade ao chamar Sting de Gordon o astro, que logo retruca, sem dar espaço, e a resposta de Sting ao ser perguntado sobre o fato daqueles em volta dele serem músicos de jazz. Sua resposta é por demais infeliz, pois diz que o The Police foi sua única banda pop, que tinha formação jazzística e coisa parecida, dando a entender que tinha retornado a fazer algo de "alto nível".Depois compara o filme em produção a "Last Waltz" e "Let it be" , só pra vocês sentirem a quanto era pretensioso tudo em volta daquilo.

Se realmente amasse a música e o jazz como diz, nunca falaria tal bobagem. O quanto é complexa a música que você faz não lhe confere maior valor, e pensando bem, quem mais se deu mal com coisas do tipo foi o próprio jazz. Aceitou essa imagem de música de "descolados intelectualizados", do bar enfumaçado e do trompetista drogado caído na sarjeta, cantando baixinho porque a traficante lhe quebrou todos os dentes. Tomou pra si um hermetismo que não lhe deu nada em troca.

Queijos e vinhos NÃO, jazz deve ser regado a cerveja também, pois como o rock é filho das putas, nasceu nos bregas de New Orleans.
Voltando ao filme, é bom afirmar: é muito bom, tem momentos antológicos, como os 30 e poucos segundos da galera destruíndo o tema do Flintstones, e , olhando a atual forma do trabalho de Sting, reafirma aquela velha frase:
"...NÃO CUSPA NO PRATO QUE COMEU!!"

Excelente motivo!








Finalmente nasceu!!


Depois de colocar no mundo sua obra maior, Cecília ( com a imprescidivél co-autoria de sua companheira Tereza), Paulinho Oliveira finalmente apresenta seu primeiro disco solo de uma carreira que vem dos festivais colegiais na década de 80, passando pela lendária Stone Bull e claro Dr.Cascadura durante segunda metade da década de 90. Desde dessa época, Paulinho tem concebido sua carreira solo de forma bastante cuidadosa, pois sabe bem ele que um bom disco de rock deve se apoiar e boas canções e numa sonoridade adequada e bem executada, isso "UM BOM MOTIVO" tem de sobra. O CLASH CITY ROCKERS oferece a vocês um pequeno manual prático de como viajar nesse disco tão pessoal:

QUATRO PAREDES - os tambores dão as boas vindas e letra dá a dica sobre o que é o disco. As guitarras são um show a parte.

SONHOS DERRETIDOS PELO SOL - Um pouco de folk, um pouco de hard rock na melhor letra do disco, com a mistura acústica/elétrica dando um colorido especial a canção.

UM DIA PERFEITO - Poucas vezes eu ouvi algo assim: narrando um ato aparentemente banal nasce um canção emocionante, lírica e cheia de alma.

COMÉDIA DE ERROS - contando a história de figuras da noite de Salvador, é a canção de potencial mais Pop no trabalho, com direito a um delicioso "solo" de assovio.

Á JANELA ...CHUVA DE VERÃO - Novamente guitarras elétricas se encontram com violões em mais uma boa parceria com Glauber "Moskabilly" Carvalho ( que divide com Paulinho as composições do disco). Equilibrio é tom da canção.

AMANHÃ É OUTRO DIA - Essa é pra você aprender que um rock pesado e agressivo pode vir acompanhado de uma letra de alto nível. Uma das melhores do disco.

FEITA A MÃO - Essa música é cheia de mistérios, a cada audição ela parece crescer mais e revelar outras coisas. Artesanal.

TALVEZ VOCÊ ESTIVESSE AQUI - Nessa Paulinho está literalmente só, tocando todos os instrumentos, claramente confessando algo que vem bem do fundo.

UM BOM MOTIVO - Música de Paulinho, Glauber e Fabio Cascadura, ganhou fácil a posição de melhor do disco. A introdução do produtor/pianista Tadeu "Osama" Mascarenhas é a frase de piano mais legal dos ultimos 5 minutos. Aponta pra frente e pra melhores coisas que devem vir por aí.

OBS: fica aqui meu protesto quanto ao tamanho homeopático do disco!!

A Lua Assassina

E aí está a grande vencedora de nossa enquete: The Killing Moon, Echo And The Bunnymen, do álbum Ocean Rain, obra prima de 1984, decretada pelos votantes deste blog a melhor canção de todos os tempos, doa a quem doer ( Em mim, não doeu nem um pouco, por sinal ). E o mais legal de tudo é a coincidência entre o clip da música e o tema ( Piratas ) do post-convocação para a enquete. Assistam e comprovem: http://www.youtube.com/watch?v=qnj4rn1sQ7Q.
Aí embaixo vai a lista das canções que entrarão no cd que o Almirante Nelson produzirá. Vai ser no capricho, com comentários pra cada canção, capinha legal e tudo mais que seja de direito. Não está em ordem de mais votadas, só The Killing Moon, que foi a primeiríssima, e com distância das demais. Destaque para Beatles e Bowie que emplacaram quatro cada. Outra coisa interessante é a grande predominância inglesa que colocou dezesseis canções, das vinte, na lista.
E não é que a estratégia de marketing de Marcos da Theatro ( detectada por Mr. Cláudio esc Moreira ) botou 12x8 na coletânea?!
The Killing Moon - Echo & The Bunnymen
The boy with the thorn is his side - The Smiths
Changes - David Bowie
Life on Mars - David Bowie
The man who sold the world - David Bowie
Ashes to ashes - David Bowie
12x8 - Theatro de Séraphin
Paranoid Android - Radiohead
Street Fightin´Man- Rolling Stones
Over the Hill And Far Away - Led Zeppelin
Doctor Doctor - UFO
September Gurls - Big Star
We Don´t Get Fooled Again - The Who
Golden slumbers - Beatles
A Day In The Life - Beatles
I saw her standing There - Beatles
Lucy in the sky with Diamonds - Beatles
God only knows - Beach Boys
Love Will Tear Us Apart - Joy Division
Like A Rolling Stone - Bob Dylan
Idiot Wind- Bob Dylan
Essa não será a ordem das canções no cd. E ainda, mais adiante, haverá outro post com comentários sobre cada canção.
O "lançamento" do cd deverá ser mais uma desculpa pra gente se reunir e encher a cara, aguardem pois.
Então é isso, pppppor enquanto é sósósó pppessoal!
Cebola

YOHOHO!!!


... e uma garrafa de rum!!, como diria Jack Sparrow ( Captain, Jack Sparrow) em um de meus prediletos filmes de aventura desde...Indiana Jones e o Templo da Perdição, pronto, disse!
E aqui estamos nós cometendo desatinos, estripulias, aleotrias e tentando orgias para, enquanto isso, bebermos de música, obsessão doentia e incurável, como...uma garrafa de rum!!!
Sob o patrocínio de nosso Almirante Nelson ( pirata mor ) , estamos, ao reiniciarmos nossa missão sanguinária e sem escrúpulos, atirando "conselheiros" ao mar, estripando defensores da mediocridade acomodada e atacando jovens damas indefesas ávidas por aventureiros indecentes. Estamos, repito, com o barco ao mar, velas ao vento e nenhuma decência pueril.
Parauêra é o caralho. Como diria nosso antigo timoneiro, Marcos Rodrigues: Me desculpem os orixás, mas a macumba acabou, huahuahuahuahua!!
Indo ao porto, ops, quer dizer, ao ponto: 20 canções! É isso aí. Começando de leve, insidiosamente e sem incomodar. Quem quiser embarcar nesta chacina mostre suas armas agora: 20 canções de todos os tempos. As melhores, e seus intérpretes, é claro. Vai rolar um cd disso, Almirante Nelson garante. Todo mundo manda as suas vinte via coments e o resto é com a gente: Cd pirataço, com capinha e selo de garantia, quiçá encarte com comentários IMpertinentes e opiniões malévolas com as vinte mais mais. Nei Bahia já prometeu a listinha dele logo de cara pra abrir o baú ( sem rima, escória).
Isso é pra ir distraindo e acordando o monstro aqui. No fim do percurso, um sorteio com os cds em shows vindouros, onde nos encontraremos para discutir bobagens, chingar incautos...e uma garrafa de rum, YOHOHO!!! bahia de todos os santos e encantos e axé, os profanos estão de vooooltaaaaa!!!!!!! ABORDAAAR!!!

Onion Jack.

Au revoir, les enfants

foto R. Martinelli, grafite M. Rodrigues

Grafite em BH

Bom, com esse post me despeço do Clash City Rockers; na minha opinião o melhor e mais contundente blog já surgido por aqui. Agradeço a Cláudio Moreira pelo convite que me foi feito há um ano e meio atrás para ajudar nessa empreitada e a todos que colaboraram e colaboram com o CCR. O mundo gira, os caminhos se encontram, se desencontram e podem voltar a ser encontrar mais à frente.

Os motivos desta parada são vários, mas o principal deles é o momento atual da minha banda, a Theatro de Séraphin, que está lançando o seu primeiro álbum. Como nunca fiz aqui nenhum post sobre a banda, tomo a liberdade de postar o clip que seguiu para MTV esta semana. A música se chama Cólera e o video teve concepção e realização minha e de Artur Ribeiro. Continuo no blog Imago Urbis (link ao lado), para quem se interessar pelas questões imagéticas das metrópoles do mundo. Nos vemos por ai.

myspace.com/theatrodeseraphin

Marcos Rodrigues



Rick Rubin: o toque de Midas


E aí, vai encarar?

por Nei Bahia

Tem gente quem nem sabe pra que serve um produtor, e confesso que eu também tenho essa dúvida em alguns casos. Alguns preferem se produzir, a depender do momento da carreira, outros só admitem produção própria, como Prince, que tem o privilégio de fazer isso desde sua estréia. Esse cara pode tanto ter uma fórmula, onde ele trabalha tem a sua marca, como George Martin, produtor dos Beatles, que conseguiu colocar os 4 caras do rio Mersey na exata fronteira entre o Rock, a Soul music e as Pop songs, ou Eddi Kramer, que foi engenheiro do “Eletric ladyland” de Jimi Hendrix e depois disso ajudou a criar o som pesado nos anos 70 (esse merece um texto particular, coisa para o futuro!). Mais o cara sobre quem vou falar faz seu trabalho tirando do artista o “som dele”, que normalmente ele perdeu ou nem sabe que pode soar assim; seu nome é Rick Rubin, um cara que fala muito pouco, é vegetariano gordo e barbudo como um eremita, e a mais de duas décadas virou o que se pode chamar de midas da produção. Sua principal característica é trabalhar como absolutamente qualquer tipo de artista (vide lista mais adiante), e pode ter certeza, em sua discoteca tem alguma coisa que Rick botou a mão.

Algumas de suas principais crias:


Raising Hell– RUN D.M.C. (1986)
Aqui o Hip-hop botou a cara na tela, sua idéia de gravar “Walk This way” juntando os rappers de NY com os Toxic Twins (Steve Tyler e Joe Perry), fez do clip, do single e do álbum parte da história. Quem viu na época (como eu!) , foi pego de calças curtas e não entendeu tudo de primeira, mais sabia logo de cara que era algo grande! Dica pessoal: prestem atenção no som da bateria de “Perfection”, o nome diz tudo!!


BloodSugar Sex-Magik
Red Hot Chili Peppers (1991)Era uma vez uma grande banda, que não conseguia se encaixar em nenhuma turma, mais já tinha fãs fiéis (como eu desde seu segundo disco, Freak styley). A gravadora já tinha apostado no disco anterior (Mother´s milk), que apesar de muito bom não decolou. Rick então tranca os caras numa casa antiga, lá monta uma espécie de estúdio-comunidade, e pouco tempo depois nasceu o simplesmente 7 vezes disco de Platina que colocou os caras no lugar que estão até hoje. Ouça tudo, mais preste atenção em “Naked in the rain” e ”I Could Have Lied”.



Série American – Johnny Cash
O objetivo inicial aqui era mostrar ao mundo quem era o “Homem de preto” com repertório de blues clássicos e covers, para pessoas “antenadas”, mais não foi só isso. Acabou sendo o maior êxito artístico de Rubin, já indo para o seu quinto volume, que saiu de forma póstuma agora em Junho de 2006.



Slayer - Reign In Blood (1986)
São 28 minutos de coice na cabeça! Tom Araya (vocal, baixo); Kerry King, Jeff Hanneman (guitarras); Dave Lombardo (bateria) agarraram a oportunidade de ter alguém que os entendesse e fazem um dos discos fundamentais do Death Metal. Talvez seja essa fúria que o Metallica está procurando, pois Rick será o produtor do seu próximo disco. A lista já é muito grande, de Tom Petty (Wildflowers, Echo), até Beastie Boys (Licensed to Ill). Na cozinha de Rick tem tempero pra tudo!!

Podcast da Hora do Rock


Velvet Underground, com Andy Warhol e Nico

Na primeira edição o programa, que tem o comando de Gabriela Almeida, traz um especial do Velvet Underground.

Velhas Virgens, o bom e velho rock'n'roll



por Cláudio Moreira

Fazer por 20 anos um rock lascado, em bom português, sem vergonha de ostentar a maldita tríade dionisíaca de álcool, sexo e rock and roll. Essa é a marca do grupo paulista Velhas Virgens: um verdadeiro baluarte do rock brasileiro que sempre trilhou seu caminho longe de modismos musicais. Goste-se ou não da estética classic rock das Velhas Virgens, não se pode negar que o grupo faz um trabalho de muita qualidade e autenticidade. Antes do show realizado em terras baianas, na noite do dia 12 de maio, no Rock in Rio Café, o colaborador do Clash City Rockers que vos escreve motorizou devidamente a cabeça (era meu aniversário!) e deu um pulo no backstage para bater um papo rápido com Paulo Afonso Macedo de Carvalho, 40 anos, mais conhecido como o Paulão das Velhas Virgens. Compositor, cantor e líder da maior banda de rock independente do Brasil, a figura gente fina é um roqueiro de linhagem old school daquele tipo idealista cultural que sabe amar, antes de tudo, a boa música. Destilou torpedos pra lá de sinceros sobre o rock, samba, jabá e o tal do sucesso e fez um show com sua trupe, que gerou uma catarse impregnada do mais puro rock and roll, agradando em cheio o público de rockers (não, não, não, os moderninhos de plantão não apareceram!) e até uma surpreendente ala feminina. Todos se divertiram com a performance teatral das Velhas Virgens, que não deixaram pedra sobre pedra com suas guitarras no talo, back vocal sexy e letras cruelmente verdadeiras cantadas em coro. Terminado o show, a celebração dionisíaca invadiu a madrugada. Só que a parceira dessa aventura não era velha e muito menos virgem.


- O novo cd "Cubanajarra" segue a velha tríade conceitual sobre sexo, álcool e rock and roll?

- Estamos lançando o "Cubanajarra" no final de maio e é o nosso sétimo cd. De certa forma, nós fizemos algumas experiências sonoras, mesmo nessa praia de rock and roll nos últimos discos. Até tentando achar algumas alguns outros temas, que não fosse essa tríade. Mas, eu enchi um pouco o saco de querer plantar alguma coisa e voltamos extamente a esse tema. Então, esse sétimo disco parece muito com os dois primeiros. Então, eles falam basicamente de boemia, de putaria e de bebedeira. E tocando rock and roll reto pra caralho.

- Eu acho o texto de vocês com um fundo crítico apesar de toda carga hedonista.

- O nosso critico é como Nelson Rodrigues. E meio que observando o comportamento das pessoas e dessa coisa de hipocrisia, de fingimento social, do medo que as pessoas têm de assumir sexualidade, de falar de sexo. Em alguns discos, como no "Srº Sucesso", tem a música (a que dá titulo ao cd) que fala dessa coisa da indústria fonográfica, de obter o segredo do sucesso. A gente critica pra caralho. E aí chegamos a conclusão que deveríamos fazer de novo um disco de rock and roll reto. Esse disco foi feito em um mês, foi muito rápido

- Eu acredito que as Velhas Virgens têm um público em potencial muito maior do que você imagina em Salvador. Vocês são a maior banda independente do Brasil. Qual é a licão que a banda pode passar para outros grupos que querem persistir nesse caminho de integridade artística e de conquista gradativa de publico?

- É saber que a realidade é você subir no palco e fazer um puta show. E conversar com as pessoas, utilizar-se da internet, que e uma forma muito legal de se aproximar dos fãs em qualquer parte do mundo. E basicamente acreditar nessa integridade de fazer um som, ter uma cara e batalhar em cima daquilo. E ir para para a estrada e correr atrás do trampo sem ficar com essa ilusão de ser super star, de querer aparecer. Tem de pensar em fazer o que curte e bem feito porque a internet permite que você faça seu trabalho sem depender da mídia comum, do jabá e do cacete a quatro?

- Voltando ao assunto do jabá, que vocês tratam em "Srº Sucesso", como analisa a iniciativa de artistas em proporem a votacão de um projeto de lei para acabar institucionalmente com o jabá, esse mecanismo tão prejudicial com a diversidade musical na mídia?

- Eu acho que tem de ser feita alguma coisa para se acabar com essa corrupção descarada e pelo cultura, que é a musica. Não tem razão de acontecer, entendeu?! As pessoas precisam se movimentar e a gente apóia isso completamente. Porque a porra da radio deveria divulgar o que acontece e não ser comprada por gravadora ou pequenos grupos com grana por aí. Nós estamos juntos nessa idéia.

- Musicalmente quais são as suas influencias? Sei que você é fã do AC/DC e eu também sou muito.

- Na veia! (me mostra a tatuagem do AC/DC num dos braços)

- Porra!

- Nós vamos tocar hoje com uma das nossas grandes influências foderosas, que é o pessoal do Camisa de Vênus. Eles e o Ultraje a Rigor são as duas maiores bandas no rock brasileiro cantado em português que nos influenciaram.

- E lá de fora?

- AC/DC, ZZ Top pra caralho, Credence. Eu gosto muito de hard rock.

- Thin Lizzy?

- Também.

- Wishbone Ash?

- Não. Esse eu não conheço muito não. Tenho ouvido White Stripes, Audioslave, The Darkness, que é um lance de recuperar toda essa coisa meio glam-glitter do caralho. Mas, ouço ao mesmo tempo, Moreira da Silva, Bezerra da Silva, Adoniran Barbosa, Zeca Pagodinho, letras de samba do morro, samba de malandro. Acho que o rock brasileiro fica meio careta demais, meio patricinha demais, meio...

- Colonizado?

- É! E com essa linguagem do samba, mas o samba legal, não samba pagode podre de butique, que isso não interessa. Esse samba maneiro que falei, os caras conseguem achar uma linguagem mais próxima do boteco, da cachaça mesmo e da vida real das pessoas. Eu ouço isso para me inspirar para as letras que a gente faz.

- Como vocês conseguem chegar a essa métrica das letras em português dentro da linguagem rock? Porque você pode transpor aquele jeito de cantar rock em inglês para o português, mas poucas bandas no Brasil conseguem chegar a essa métrica, como as Velhas Virgens, Cascadura e Mustang.

- Cascadura é do caralho! Fabão! Puta banda! Essa atitude de dizer que rock and roll não serve para português é uma atitude de covardia poderosa. Pode dar mais trabalho porque é a mesma coisa de tocar samba em inglês. É mais complicado porque a linguagem original é o português, mas da para você correr atrás dessa história. É basicamente observar as pessoas e ir tirando crônicas dessas coisas do comportamento das pessoas. Achar boas letras, sem simplesmente ficar como versões. Você tem uma letra em inglês, ela tem uma característica muito forte, pois elas têm uma característica muito forte das palavras por terem vários sentidos. Então, você sempre parece muito poético em inglês porque ele é muito especifico. Então, você tem de saber do que está falando, cara. Eu acho que, na verdade, o escrever em português é um risco, mas você tem de correr esse risco.

- A geração mais nova que curte rock de uma forma geral, apesar de toda informação pulverizada via internet não tem uma leitura, digamos assim, mais antropológica desse universo rocker. Por exemplo, a garotada de hoje que curte Linkin Park, mas nem sonha em conhecer o Grand Funk Railroad. Nao falo num tom saudosista, mas falta conhecer a linha evolutiva do rock. Como as Velhas Virgens conseguem fazer rock and roll no Brasil sem ser colonizado, tendo respeito pela tradição e modernidade ao mesmo tempo, sem soar retrô?

- Ouvindo, ouvindo pra caralho. Cresci ouvindo Credence, Beatles e Stones. Sempre pesquisei muito isso, tanto pelo lado do Brasil para saber as raízes da Jovem Guarda e da Pré-Jovem Guarda quanto conversei com Tony Campelo e Eduardo Araújo para me informar sobre a historia de rock brasileiro mesmo, procurando achar essa linguagem adequada, entendeu?! Eu acho que é basicamente isso. Se você quer tocar alguma coisa, você tem de se informar sobre ela. Hoje, pela internet, tudo é mais fácil. Você baixa pelo Kazaa, você tem informação ali na hora. Você precisa de cifra, você baixa. Não é aquela historia de você ficar ouvindo a música para tirar de ouvido. Velho, o que as pessoas precisam ter e aquilo que Raul falou: "é preciso ter cultura para cuspir na estrutura!". Você precisa se informar das coisas, tentar ouvir mais coisas e não ficar ouvindo só uma influência.

- E ter uma visão mais critica em relação ao próprio rock?

- É. Nós vivemos uma fase de que o funk carioca toca pra todo lado, não por ser carioca, mas por ser um lixo, ser monocórdio, por ter discursos rasteiros. Não por falar putaria, mas rasteiros por não ter formação mesmo. Então, as pessoas deveriam ver de onde vem isso. De onde veio essa musica negra? Ela veio da Montown? Ela veio do soul, do jazz? Basicamente, você quer ser cozinheiro? Então, aprenda novas receitas. Experimente outros pratos. É isso.

- Voltando ao tema da cultura rocker para encerrar. Qual seria a grande lição, em termos de carreira artística que as Velhas Virgens com seus 20 de estrada de trabalho no Brasil teria para passar para o público?

- Eu acho que, quando você fala a real e se expressa com honestidade, as pessoas compreendem. Mesmo que elas te achem preconceituoso ou não gostem de rock, elas vão respeitar teu trabalho. O conselho que eu dou para quem gosta de rock e tem uma banda é não desistir de fazer a coisa do ponto de vista artístico. Quer dizer, do jeito que ele acha que tem de ser e não do jeito que ele acha que vai dar certo para ganhar dinheiro. Não é visar o dinheiro e a fama. Dá uma satisfação pessoal fazer o que você gosta. Quando você faz o que gosta, velho, fatalmente você vai atingir as pessoas. Fatalmente, você contagia as pessoas.




Hüsker Dü, Warehouse: Songs and Stories

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por Sergio 'Cebola' Martinez


Foi com este álbum duplo de 1987 que conheci o Hüsker Dü, trio de Minneapolis que antecipou em anos a urgência roqueira que se estabeleceu a partir da década seguinte, catalisada pelo grunge de Seattle, e que deu as cartas no período. De raízes punk, mas com um pé nas melodias sixties, o Husker Dü é mais uma daquelas bandas que, apesar de nunca terem sido hype (eta palavrinha enjoada!), influenciou gerações de bandas anos afora. Seus álbuns anteriores, mais viscerais, agressivos e sujos, sempre possuíam uma pontinha de melodias doces, folk, quer dizer, folk punk, se é que este monstro existe. Era como se os Byrds, ou até os Beatles, tivessem algo a ver com o levante de 76. Bob Mould, guitarrista, influenciou, com seu estilo entre sutil e explosivo, delicado e esporrento, gente do quilate de Black Francis, Kurt Cobain, Paul Westerberg e tantos outros. A "cozinha", por conta de Grant Hart (bateria, composições e vocais) e Greg Norton (baixo) era nervosa, pesada e precisa, como tem que ser. Formados nos idos de 79, foi, lado a lado com os Replacements de Paul Westerberg, a banda que uniu a urgência punk de Buzzcocks, Pistols e Ramones, àquela maravilha, então esquecida, dos anos 60, os Byrds de Roger Mcguinn e David Crosby. Imagine um REM punk, é mais ou menos por aí.

Mas a perfeita união de todos estes elementos, o ponto onde essa idéia se consuma com perfeição, em uma coleção irretocável de canções é neste disco gravado no segundo semestre de 86 e lançado no ano seguinte. O Zen Arcade de 84 é normalmente considerado sua obra prima. Também duplo (vinil duplo), era um álbum mais experimental, conceitual, extremo. Vai de baladas acústicas à demência psicodélica sem cerimônias. Mas em Warehouse: Songs And Stories, as canções de Bob Mould e Grant Hart se intercalam compondo uma coleção de pequenas gemas pop, em uma saudável competição entre os dois "cabeças" da banda, cada qual cantando sua composição. O título, exato, já dá a dica do que é o disco: Um "armazém" de canções, de estórias, de doces melodias, guitarras por vezes emulando dedilhados byrdianos, por vezes saturadíssima e distorcida, mandando ver em riffs e fraseados marcantes, "grudentos" e precisos. E com versos alternando paz, melancolia, esperança, frustrações e redenção. É como uma coletânea, apenas uma reunião de canções, mas cujo frescor e beleza dão de dez em muita pretensão "artística" cabeçuda que permeou os anos 80. Somente rock´n´roll, como se diz por aí.

Eu poderia ficar durante horas falando deste disco, foi muito importante pra mim, e, acredito, pra todo o rock das décadas seguintes, mas em Warehouse, o ponto é a simplicidade e concisão, apesar de duplo, além da honestidade. São vinte canções para aprender e cantar. Se você é daqueles que ainda se arrepia ouvindo uma melodia tocante, que se emociona com uma letra que parece falar pra você pessoalmente, que ainda acha ser possível encontrar perfeição em uma musiquinha de três minutos, que não liga se seu amigo te diz que você está ultrapassado e decrépito por gostar deste velho cinquentão chamado rock´n´roll, que acha, como eu, que ninguém, NINGUÉM, nem jornalista antenado, nem indie descolado, nem maracatueiro empertigado, nem eletrônico plugado, ou eclético descabelado, tem a chave do que se passa dentro de você, do que você acredita ou deixou de acreditar, do que você precisa ou não suporta mais, dê um tempo, relaxe, curta o Warehouse...ele é pra você.

The Smiths, The Queen Is Dead



por Marcos Rodrigues



Em tempos de invenção de clássicos, fiquemos com quem realmente fez história. Antes que mentiras contadas por diversas vezes tornem-se verdades.


1986 foi um ano emblemático para o rock no Brasil. Na esteira do primeiro Rock In Rio (1985), uma enxurrada de informações sobre música pop chegou ao país. Ecos atrasados da new wave norteamericana, do punk e do postpunk inglês se atropelavam, juntos no mesmo caldeirão das diversas vertentes do rock britânico contemporâneo àquela segunda metade dos anos 80. Anorak, shoegaze, noise, suedehead, industrial, gótico e mais as aproximações do rock com os gêneros dançantes como a house e o northern soul, que desembocou em bandas como Happy Mondays.

A nascente revista Bizz tentava processar tudo isso e, ao mesmo tempo, dar conta da explosão de bandas nacionais em Brasília, Porto Alegre, São Paulo, Rio de Janeiro, Salvador e Curitiba. Com um grupo de jornalistas que consideravam que o verdadeiro Woodstock havia se dado num dia qualquer do verão de 77, quando os Sex Pistols tocaram na cinzenta Manchester (assistam 24h Party People, está tudo lá), a Bizz foi fundamental na difusão do moderno rock inglês nas metrópoles brasileiras. Entre muitos erros (Sigue Sigue Sputnik e congêneres) e alguns acertos, a revista ajudou a indústria fonográfica aportar bem por aqui uma banda fundamental: The Smiths.

Aos que não conhecem e aos que já ouviram falar mas torceram o bico e perderam a chance de conhecer corretamente a última banda original, The Smiths mereceram todo o hype que tiveram. O tempo só comprovou a magia que foi o encontro da poesia ácida e os vocais de Steven Patrick Morrisey, com a guitarra de dedilhados celestiais de Johnny Marr. A banda continua inimitável.

De onde saiu aquele som? Quem os precedeu? Um quê do rock dos anos 50, desconstruido e reprocessado, na linha angulosa do baixo de Andy Rourke? Algo do pop dos 60 nas batidas econômicas e precisas de Mike Joyce? A herança do som de Manchester não era suficiente. Por mais que o punk processado pela velha cidade industrial tenha nos legado o Buzzcocks e o Magazine e, aqui e ali, se perceba a velha raiva britânica nos Smiths, o som ia além. Morrisey, um tenor exigente munido de belos falsetes, era presidente de um fã clube devotado ao New York Dolls. Mas a resposta também não chega por ai. Como uma banda das ilhas britânicas, trinta anos depois que Rock Around The Clock havia sido gravada, ainda poderia criar uma sonoridade absolutamente nova? E mais do que isso; fascinante. A letra de How Soon is Now pode explicar um pouco "I am the son and the heir of a shyness that is criminally vulgar / i'm the son and heir of nothing in particular (...)". Completava a aura da banda, a aversão por videoclips e entrevistas; a sexualidade ambígua de Morrissey (ele se declarava celibatário) e uma concepção gráfica espartana para a capas, que privilegiavam o rosto humano, em nuances monocromáticas.

James Dean, Oscar Wilde, The New York Dolls e estrelas femininas dos anos 60 compunham o universo desencantado de Morrisey. Johnny Marr era o fiel escudeiro que embalava tudo isso em delicados fraseados. Uma guitarra semiacústica, alguns delays, distorções discretas e certeiras. E era isso.

A banda, que surgiu em 84, com alguns singles que deixaram a Inglaterra intrigada, lançou uma sequência de petardos em vinil pelo selo independente Rough Trade; todos absolutamente indispensáveis. Ainda que seja difícil destacar um só álbum na curta carreira dos Smiths, impossível mesmo é passar ao largo de "The Queen is Dead". O disco é mutas vezes descrito, em diversas listas, como 'o melhor de todos os tempos'. Exagero? Bom, digamos que o álbum tem outros concorrentes à altura. Mas definitivamente ali está um daqueles momentos em que o rock consegue ser sublime. Em que criadores se superam e fazem história. Canções como Bigmouth Strikes Again, com sua mítica introdução; There's a light That Never Goes Out; Cemetry Gates; Some girls are bigger than others; I Know it's over e a 'blockbuster' The boy in the thorn in his side são clássicos incontestes. Estão ai, fazem parte do patrimônio da música pop do mundo. Soam atuais, soam eternas.

Ecos dos Homens-Coelho

foto Caroline Bittencourt

Ian McCulloch em São Paulo

por Yara Vasku

Agora posso ir a qualquer show em Salvador que vou achar perto e de fácil acesso. No último sábado, dia 29, sem grana e sozinha, peguei ônibus, trem e táxi para chegar ao Credicard Hall, em Santo Amaro, São Paulo. Uma vez lá, resolvi relaxar, afinal tinha chegado muito cedo, às 20h, e o show do Echo & the Bunnymen estava marcado para às 22h. É que tinha comprado o ingresso pela internet e para pega-lo, deveria chegar até 1 hora e meia mais cedo. Mas, tudo isso só serviu para que o tal destino me ajudasse a não gastar mais de R$ 60,00 de táxi para voltar, sozinha, na madrugada, para o centro.

Então com o ingresso na mão, fui fumar um cigarro e olhar o povo que chegava. Ainda poucos, mas já dando uma mostra do que viria a ser o público do show: metade formada por pessoas que curtiram a banda nos 80´s e a outra metade formada por recém saídos da adolescência. Estes, todos, vestidos de preto, casacões e botas, maquiagem estranha, reforçando a estética inicial do Echo, uma coisa meio dark, meio gótica.

"Olha a Skol gelada aí". Dei uma olhada em volta e vi, escondido atrás da grade e entre os arbustos, um único e solitário vendedor de bebidas com seu isopor. Na mesma hora sentou-se ao meu lado um dos seus compradores que logo avisou "não tá muito gelada, não, mas deve ser mais barato que lá dentro". Comprei uma e fiquei sabendo, pelo vendedor, que o movimento tava bem fraco para uma casa daquele porte. "Precisa ver quando é o Chiclete com Banana, moça, isso aqui fica cheio. Só de isopor tem mais de 50". Socorro!

Conversa vai conversa vem, descobri que meu novo amigo gaúcho tava puto por ter gastado uma grana de táxi para chegar. "Assim vou gastar mais de transporte do que no ingresso". Sugeri dividirmos o táxi na volta e, uma vez, acertado, relaxei de vez e comprei quantas cervejas tinha vontade... No nosso papo, meu novo amigo disse que tinha visto todos os outros três shows da banda no Brasil. "Tomara que eles estejam animados e toquem mais de três horas, como da última vez".

Quase na hora do show, muito mais gente tinha chegado, mas não o suficiente para encher o local. Aí, o destino me ajudou mais uma vez. Tinha comprado ingresso para a parte superior (mais barato, porém mais longe), mas na hora da entrada, nos orientaram que este espaço não seria utilizado e, assim, deveríamos trocar nossos ingressos para a pista ou cadeiras.

Peguei cadeira, mas com acesso à pista quando bem quisesse. O que fiz. Aí foi a vez de conferir de perto Ian McCulloch e banda. Ao vivo, como deve ser, mais rock´n´roll que nos discos. Ele se acabando de cantar e fumar ao mesmo tempo, os demais tocando muito e, para completar, uma iluminação muito bacana em que se alternava cores e sombras de forma bem divididas.

A banda abriu a apresentação com "Going Up", primeira faixa do disco de estréia, "Crocodiles", de 1980. Outras quatro músicas desse álbum fizeram parte do show: "All That Jazz", "Villers Terrace", "Rescue" e "Do It Clean". Na seqüência, o show foi uma teia de músicas no novo disco, "Siberia" (2005), como "Stormy Weather", "In the Margins" e "Scissors in the Sand", e de clássicos, principalmente dos anos 80. Aí, era uma sucessão de hits e de fãs enlouquecidos com "Bring on the Dancing Horses", "Lips Like Sugar", "The Disease", "Rescue", "The Killing Moon", entre outras. Além das músicas de "Siberia", do material mais recente a banda tocou apenas "Nothing Lasts Forever", de "Evergreen", disco que marcou o retorno do Echo, em 1997. O repertório também incluiu um cover de "Roadhouse Blues", dos Doors, e outro de "Walk on the Wild Side", de Lou Reed.

O grupo, que já teve diversas formações, se apresenta com integrantes de sua escalação original, McCulloch e o guitarrista Will Sergeant. Completaram a banda o baixista Peter Wilkinson, o baterista Simon Finley e o tecladista Paul Fleming.

Veja abaixo o set list:

Going Up / Show Of Strenght / Stormy Weather / Seven Seas / Bring On The Dancing Horses / The Disease / Scissors In The Sand / All That Jazz / Back Of Love / The Killing Moon / In The Margins / Never Stop / Villiers Terrace / Roadhouse Blues / Of a Life / Rescue / The Cutter.

Bis 1
Nothing Lasts Forever / Walk On The Wild Side / Lips Like Sugar

Bis 2
Do It Clean / Ocean Rain

Hey Bo Diddley!!

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por Miguel Cordeiro

Quem era aquela figura que de vez em quando aparecia naqueles programas musicais americanos dos anos 1960 e que eram repetidos aqui na televisão brasileira? Quem era aquele negro da pesada, meio rechonchudo, cabelo alisado com ferro quente e um vistoso topete, óculos de aros grossos e paletós esquisitos? E aquela levada, elétrica e desconcertante, própria e peculiar, cheia de reverb e distorção que se assemelhava ao ruído de um trem sacolejando sobre os trilhos? E que banda simpática era aquela que o acompanhava e que contava com uma guitarrista de postura blasé (The Duchess) que fitava tudo com o canto do olho e um percussionista tocador de maracas (Jerome Green) que tinha uma marcação alucinante? E aquela dança engraçada que ele fazia enquanto se apresentava? E aquela incrível guitarra vermelha que ele usava em forma de caixote de maçã?

Aquela figura era Ellas McDaniel, nascido Otha Ellas Bates no estado do Mississipi em 1928 e que conquistou o mundo pela alcunha de Bo Diddley. Ele, ao lado de Chuck Berry e Litlle Richard seriam assim os pilares fundamentais, o triunvirato negro que estabeleceu os parâmetros de tudo. Little Richard foi o transgressor, o portador do grito primal – uóp bop loom uóp lop bam bum. Chuck Berry definiu a guitarra do rock e foi o grande poeta contador de histórias. Já Bo Diddley seria o mentor sonoro de toda a coisa, o inventor, o originador da batida selvagem e tribal daquilo que veio a se chamar rock´n´roll.

Criado por uma tia que com ele se mudou para Chicago ainda no início dos anos 1930, o garoto Ellas lá despertou para a musica, teve lições de violino clássico, ganhou uma guitarra da irmã e se apaixonou pelo rhythm and blues, pelo jazz e pelo blues elétrico que florescia em Chicago. Ainda na segunda metade da década de 1940 formou uma banda que costumava se apresentar nas ruas e esquinas da cidade e no raiar da década seguinte, quando o percussionista Jerome Green se integrou ao grupo, Bo Diddley foi ganhando cada vez mais notoriedade na cena local.

Mais alguns anos, mais precisamente em 1955, ele recebeu um convite para gravar pela lendária Chess Records cuja sede era em Chicago e que tinha no seu cast nomes como Chuck Berry, Little Walter, Muddy Waters, Howlin´ Wolf. E, então, foi lançado seu primeiro disco que trazia duas canções. De um lado, Bo Diddley, e do outro lado, I´m a man. Rapidamente este single alcançou os primeiros lugares da parada musical e Bo Diddley obteve fama e respeito e caiu na estrada para se apresentar em várias cidades americanas.

Seu ritmo diferente e que às vezes era absurdamente mantido num único acorde tinha o poder de mexer, involuntariamente, músculos esquecidos do corpo. Suas composições de grande originalidade e muitas delas auto-referenciais se tornaram clássicos instantâneos do rock´n´roll: Who do you love, Road runner, I´m a man, You can´t judge a book by its cover, Hey Bo Diddley, Before you accuse me, Gunslinger, Cadillac, Pretty things.

Como era de se esperar, sua influencia foi profunda e marcante através de várias gerações. Elvis Presley, Buddy Holly – que compôs Not fade away com o riff roubado da levada de Bo. Em 1963 fez sua primeira excursão à Inglaterra com efeito devastador, deixando em polvorosa as platéias e marcas profundas nas bandas que pipocavam em terras britânicas. Rolling Stones, Yardbirds, Animals, Pretty Things, The Who, Van Morrison & Them, The Kinks, todas elas foram impactadas pelo som de Bo Diddley e pela marcação rítmica e presença cênica do percussionista Jerome Green.

Anos mais tarde outros artistas também foram afetados pela mordida selvagem e venenosa de Bo Diddley. Cream, Stooges, Z Z Top, George Thorogood, alcançando também a geração punk com The Clash que excursionou com ele no final dos anos 1970. O mesmo com alguns grupos dos anos 1980 como Jesus & Mary Chain e seguindo firme até hoje com bandas como White Stripes e outras. E esta influência avançou sobre outros estilos afetando até os rappers já que o velho Bo, ainda nos anos 1950, costumava tagarelar em cima de uma base rítmica.

Atualmente, beirando os oitenta anos de vida, Bo Diddley ainda está na ativa. Faz shows com regularidade, tem uma enorme legião de fãs, mas não lança novos trabalhos há décadas. Pelo seu histórico e importância isto não faz a menor diferença, pois, com muita maestria e picardia, já fez o que tinha que ser feito.

Atenção, senhores passageiros

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Fábio Cascadura, pronto pra luta de todo o dia

por Marcos Rodrigues

Ultimamente tem sido bastante comum ouvir e ler por ai que Salvador passa uma fase fértil e profissional na cena rocker. Os motivos para tal certeza nos leva invariavelmente para a performance de bandas baianas. Nunca se gravou e lançou tantos discos, nunca se lançou tantos videoclipes, nunca se teve tanta qualidade técnica e condições satisfatórias de registro, nunca tantas bandas tiveram repercussão no cenário nacional. O quadro, no entanto, para longe de nos autorizar um obaoba generalizado, merece um debate um pouco maior e uma análise menos emotiva, até para que possamos extrair o que, de fato, existe de consistente na atual cena. E talvez possamos tentar a empreitada por dois ângulos, ou melhor, por duas aproximações: uma global e outra local.

Salvador, como amostra do que acontece no Brasil inserido à fórceps na economia globalizada, ainda que empobrecida economica, politica e culturalmente, é uma cidade grande. E não necessariamente, nos dias que correm, uma grande cidade. E, como cidade grande, de quase três milhões de habitantes, não passou incólume às consequências da nova revolução tecnológica que potencializou os processos de informação e comunicação. Essa estória, como todos sabemos, ancorada diretamente na lógica do capitalismo avançado, dito global, diminuiu distâncias, acelerou a circulação de informação e, ainda que pesem consequências perversas, democratizou tecnologias. A internet é só a ponta mais visível desses tempos.

Os ventos neoliberais que chegaram no Brasil já haviam legado ao rock'n'roll nacional, no ínício dos anos 90, a possibilidade de acesso aos instrumentos importados, com a queda das alíquotas para importação. Sim, Fernando Collor. Até então, quem não tinha pai rico, montava bandas com cópias baratas de guitarras Fender e Gibson, à cargo das fábricas brasileiras Giannini e Golden, respectivamente.

A abertura do mercado nacional dessa época trouxe também a MTV e com ela o acesso à música pop do mundo para milhares de garotos. O que seria de boa parte do rock de Salvador nos 90 sem os videos do Red Hot Chilli Peppers e do Rage Against The Machine? O que antes passava pela troca frenética de fanzines em xerox entre iniciados - Spunk, Horda, Le Café Noir e outros, nas mesas do bar PABX, na Faculdade de Comunicação da UFBa, nos idos 80 - vira acesso instantâneo, ainda que filtrado, a um simples toque na tv. Até aqui, nada que Salvador tenha de particular ou mérito em relação às outras capitais do país. Essa é uma 'conquista' passiva. Em paralelo o governo ACM se consolidava e expandia para níveis astronômicos a sua trilha sonora; a axé míusique.

O avanço da tecnologia digital no campo do áudio no final dos 90 trouxe uma verdadeira revolução. O surgimento de softwares como Protools, Cakewalk e Cubase colocou nas mãos de muitos o que antes era questão de 'bens de produção' ou 'capital industrial' sob os poderes de poucos, nos dizeres do velho Marx. Os enormes estúdios de gravação migraram para a tela de um computador pessoal, logo, para o acesso de leigos e de uma garotada sedenta. O processo de registro barateou de forma abrupta, bem como as condições para se produzir tudo isso com qualidade. A outra ponta desse negócio, que é a distribuição, veio na esteira da popularização da world wide web, do aumento das bandas largas e do advento dos protocolos de compressão dos arquivos de áudio, onde o mais conhecido é o mp3. Ora, tudo isso também sabemos e as grandes gravadoras mais ainda :) Mas, onde estão mesmo os méritos de Salvador?

No âmbito local é também necessário se olhar para além do próprio mundinho. Para infelicidade geral essa última década revolucionária foi também o período que o terceiro reinado de ACM se consolidou e arrastou consigo estruturas milionárias para a música que lhe interessava. Aquela mesma que alguns estudiosos dizem que emana do povo, que não é elitista e blá blá blá. E financianda, via grupos de comunicação, produtoras de eventos e órgãos de governo, a axé míusique virou um Golem, hegemônico e exclusivista. E assim, no mesmo momento que uma cidade menos importante que Salvador - historicamente, até - como Recife, conseguia se libertar do frevo Vassourinha e fazer barulho suficiente para virar um 'selo de qualidade' na música pop e ganhar o mundo, o rock de Salvador amargava nos porões devidamente tachado de música de revoltados, amadores e incompetentes. Sem espaço nas rádios, sem um festival de expressão, sem palcos.

Onde estamos agora e o que mudou para nos autorizar a dizer que novos ventos estão soprando? Pouca coisa. Primeiro, é fato que, já há algum tempo, a música de carnaval expandida para o ano inteiro, dá sinais de exaustão. E fato, também, que isto está ligado à exaustão do império carlista. O judiciário já não é tão subserviente, o governo Lula não é exatamente um parceiro, novas lideranças emergem e esfacelam um poder centralizado etc etc etc. A explosão de faculdades privadas, ainda que sofríveis, têm mudado um pouco o perfil do baiano médio, que passa a ter contato com professores qualificados, o que leva a uma mudança no consumo de 'bens culturais'. Em que pese o xilique de uma esquerda retrógrada, a verdade é que as pressões do mercado mundial deixa o cenário cada dia mais difícil para estruturas coronelistas regionalizadas. Tudo é muito mais fruto de um movimento de fora pra dentro. Ainda assim a Cidade da Bahia acompanha tudo muito lentamente.

Por tudo que foi visto, é claro que a cidade tem mais bandas de rock gravando e circulando sua música, assim como o restante do país. Nada de mais, nada para nos rejubilar. Ao contrário. Fora as condições de registro e distribuição, estamos pior que em outras épocas e continuamos piores do que muitas cidades do nordeste. Os espaços em Salvador continuam fechando; nosso rock'n'roll está restrito a uns poucos horários nas rádios; temos uma única loja, combatente mas cambaleante, para escoar a produção pop alternativa; as bandas locais, na melhor das hipóteses, atraem, sozinhas, um público de 400 pessoas (e isso é comemorado). Isso numa cidade que tem Cascadura e Ronei Jorge & Os Ladrões de Bicicleta. Citar a cena de metal não ajuda em nada porque essa é, sabidamente, um mundo à parte em todo o planeta. E, para completar, a crítica musical 'alternativa' por aqui é, com raras exceções, a cara da cidade hegemônica; aquela que afaga os amigos e que não tem nenhuma consistência de análise.

Todo o mérito para as bandas que têm furado o bloqueio e conseguido com as condições atuais se projetar para fora da cidade, ainda que, pelo modelo independente, poucos tenham ido longe. Esperamos o Cascadura, esse mês com cd encartado na revista Outra Coisa. Mas ai é, mais do que nunca, se inserir no mundo e Salvador vira só uma pequena incubadora. Ao final, a saida para o rock de Salvador ainda está longe de ser outra: o aeroporto.

Vamo batê lata?


Paralamas e Los Hermanos, sob as bençãos da mpb

por Marcos Rodrigues

Há 20 anos, desde que música pop feita no Brasil começou a fazer sentido para as lógicas de mercado, que uma cruzada paralela foi montada por nobres cavalheiros, zelosos que são, para não perdermos os rumos da nossa, lá deles, 'identidade' musical. Eram meados dos 80 e os ecos atrasados da revolução de 77 ameaçavam o lugar tranquilo e confortável da soporífera MPB.

Armados com os discursos da latina américa colonizada, mas que não perde la ternura jamais, e amparados pela nascente ladainha dos Estudos Culturais na Terra Brasilis, cortesia do antropólogo Hermano Viana (sim, irmão do Herbert), um corolário que decidia onde estavam nossas raízes preconizava a legitimidade dos nossos sons no tripé Jamaica, África, Bahia. A mais reluzente das trilhas sonoras desse enredo se chamava 'Selvagem', dos Paralamas do Sucesso.

Engrossando o caldo, um apadrinhamento dos 'pretos' brasileiros blindavam os que faziam a 'música adulta'. Um pouco de Gil, outro de Tim Maia, outro tanto de Benjor. Agora sim, diziam. Habemus rock brazuca. Não importava se Tim, por exemplo, fazia música norteamericana. E muitos se sentiram perdendo o bonde da história. Aquele mesmo que um dia foi parar em Recife.

Madagascar, Olodum, Alagados, Trenchtown, Favela da Maré. A arte de viver da fé. Só não se sabe fé em quê. E assim, cantando a periferia do mundo, os Paralamas que também vieram da jeunesse dorée formada por filhos da aristocracia de Brasília, e que montaram uma banda por que um dia escutaram os ingleses do Police, Clash e UB40, nos diziam o que era o Brasil. Revelação marcante esses dias na revista Bizz; os rumos haviam mudado quando viram Luis Caldas cantando 'Fricote' com Carlinhos Brown na percussão, em cima de um trio elétrico: eureka! Uma razão para viver, uma culpa para expiar.

Não é de hoje que a penúria desses tristes trópicos faz essa gente bronzeada ter que procurar seu valor. Oswald de Andrade e o Manifesto Antropofágico, Macunaíma, Tropicália, Maracatu Atômico, Paralamas, Mangue Beat, Regina Casé...A cruz judaico-cristã deve explicar porque só é Brasil de verdade o que é próprio da condição terceiromundista, a saber, aquela dos fracos e oprimidos.

Vamo batê lata? No, thanx.

O hype nosso de cada dia

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Arctic Monkeys, a 'banda' dos últimos 15 minutos

por Miguel Cordeiro

Não é das tarefas mais fáceis definir com precisão o que seja Pós-modernismo. Cada teórico tem uma explicação própria e embasada sobre esse assunto. Uns sinalizam como algo criado numa época em que os dogmas modernistas do início do século 20 não mais se aplicam. Outros como algo repleto de referencias da trajetória da cultura com um quê de alegórico e com possibilidades de reprodução múltiplas.

Mas existe um fenômeno que dos anos 1990 para cá recrudesceu e se tornou típico da era pós-moderna que é o caráter cada vez mais efêmero e passageiro de determinada “coisa” cultural. Algo assim como o que foi profetizado por Andy Warhol naquela sua máxima de que no futuro as pessoas seriam famosas por apenas quinze minutos. E é daí que vemos proliferar o tal do “hype”.

O hype é aquele famoso endeusamento que gira em torno de alguém ou de um trabalho por um período de tempo e que, quase sempre, não se falará mais nele no próximo ano ou será esquecido nas próximas estações. O certo é que na música pop (incluindo aí o rock, claro) é onde esse fenômeno do hype se faz mais presente entre todas as manifestações culturais dos nossos dias. A cada momento alguém ou algum grupo é elevado à categoria “da melhor coisa dos últimos anos”. E se esta afirmação parte de algum órgão ou personalidade incensada da imprensa musical, de preferência londrina, todo mundo dá respaldo ao que foi dito. E engraçado é a forma como este fenômeno se manifesta em lugares provincianos – Brasil, por exemplo, onde colunistas quase sempre deslumbrados correm atrás da “novidade” da metrópole e macaqueiam e copiam ipsis letteris aquilo que lêem nos tablóides londrinos. E mais surpreendente ainda é que esta cadeia de deslumbramento se espalha na província onde os formadores de opinião regionais, por sua vez, macaqueiam e transcrevem ipsis letteris aquilo que leram nos cadernos de cultura do sul do país. Os comentários elogiosos se repetem sucessivamente saindo da esfera da matriz e chegando aos redutos regionais com as mesmas palavras e considerações.

Alguém ainda lembra do Libertines? Saudada como a oitava maravilha do rock poucos anos atrás pelos tablóides ingleses e colunistas musicais brasileiros, o grupo viu sua reputação cair por terra quando se apresentou num festival em São Paulo onde ficou comprovado ser uma banda extremamente limitada. E será que Neil Young seria ouvido pela geração Nirvana não fossem os elogios da turma de Seattle (uma das cenas mais hypadas da história do rock) ao roqueiro dinossauro? Um segmento que também teve um hype intenso foi o indie rock, sendo que algumas dessas bandas ainda são muito incensadas mesmo lançando álbuns medíocres.

Outra premissa para ser devidamente hypado é a pretensão demasiada de um determinado trabalho. Aquela velha história de querer reinventar o rock tem um forte apelo e muito agrada aqueles que procuram “arte” na música pop. E aí hypados também são as misturebas, os “novidadeiros”, os que buscam influências exóticas e, os piores de todos que são aqueles que se julgam artistas sérios.

O cinema, também, tornou-se um fator que ajuda a se criar um hype em cima de um estilo ou uma personalidade. O que seria da contagiante surf music não fosse o Pulp Fiction de Tarantino? E o hype em cima de Bob Dylan por causa do documentário No direction home, de Martin Scorcese? Quantos jovens roqueiros antenados antes torciam o nariz para Dylan, tachando-o como “aquele chato cantor caipira da voz fanha”? E quantos outros passaram a admirar o sertanejo fora-da-lei Johnny Cash em decorrência dos seus albuns produzidos pelo hypado Rick Rubin? O que prova que nem tudo que é hype seja necessariamente passageiro e ruim. Pixies, White Stripes, Strokes são artistas incensados, mas construíram ou estão construindo uma poderosa obra que justifica o ôba-ôba em torno deles.

Mas o que falar de outros de maior grandeza que não se encaixam neste deslumbramento midiático? Figuras como Van Morrison e Joni Mitchell parecem que jamais serão tratados com a mesma deferência que se dispensa a hypados como Beck ou PJ Harvey.

E a lista é grande e não pára por aí. E não deixa de ser hilário acompanhar e observar a sucessão de grupos e artistas que se alternam no topo do hype, numa versão pós-moderna da tragédia que retrata uma “ascenção e queda”. Portanto, ouvidos atentos e bolsos recheados porque agorinha mesmo, neste exato momento, uma nova sensação musical está surgindo e aquele CD que você comprou daquela banda hypada da última primavera/verão de Londres já não faz mais nenhum sentido.

Mustang, mudando sempre pra melhor




por Cláudio Moreira

Em tempos de pós-rock iluminado pelos horizontes da contemporaneidade pop internacional, a banda carioca Mustang prossegue em sua trajetória independente e, sobretudo, inusitada em terras brasileiras. Nem trafegando na contramão, nem na dianteira. Apenas viajando livre e solta em seu caminho autoral, buzinando ao ultrapassar modismos de todas espécies.

Longe dos holofotes da grande mídia, o grupo plasma novos/velhos/reciclados caminhos bem resolvidos esteticamente, a fim de que o rock nacional atinja patamares de significativa qualidade artística, carregando consigo, sem soar datado e sem personalidade, a herança de tempos heróicos de bandas, como o Made in Brazil, O Peso e Patrulha do Espaço e muitas outras referências daqui e de fora. Liricamente, no entanto, a banda está muito, mas muito além, desses nomes citados. Carlos Lopes, mentor da Mustang, acertou a mão em cheio no cd "Tudo está mudando mas nem sempre pra melhor" (Monstro Discos), atingindo uma sonoridade atemporal e reunindo boas composições, além de uma produção precisa. Uma combinação de qualidades menos perceptível nos trabalhos anteriores: Oxymoro (mais intimista e eclético) e Rock´n´roll Junkfood (som garageiro tosco).

Esse cd é a prova derradeira de que é possível fazer um rock pesado adulto e inteligente, em português, de forma profunda e acessível ao mesmo tempo. Enfim, biscoito fino indicado aos ouvidos iniciantes e iniciados e disponível no mercado alternativo. É lamentável que, por falta de uma divulgação pulverizada, o "Tudo..." não tenha ainda encontrado um público abrangente. Quem sabe, um dia, vamos ver Carlos Lopes e sua trupe desfazer esse "nó" mercadológico. Porque, por mais incrível que pareça, existe muito modismo às avessas no universo rock underground no Brasil.

Se o mainstream é cruel com a liberdade criativa, é no meio alternativo em que se percebe que o reverso, necessariamente, não acontece. Visto que os artistas elevados ao panteão do pop/rock alterna são escolhidos por parâmetros pra lá de subjetivos. Assim sendo, é recorrente que se cometam injustiças seletivas nesse processo.

Com certeza, por méritos puramente artísticos, a Mustang deveria ter muito mais visibilidade junto ao público. Quem sabe, a dialética entre "música de qualidade X lógica de mercado" será ultrapassada ao som do ronco do motor rock"n"roll da Mustang cor de sangue. A lista de artistas de diversos gêneros musicais, que passam pelo mesmo tipo de vivência, é grande. Porém, a acomodação não cabe no idealismo daqueles que pretendem superar as barreiras para alcançar não o sucesso, mas a solidez de uma carreira embasada no reconhecimento.

Levante – O velho canto heavy metal acelerado, de outros tempos, ressurge, sem cerimônias, na abertura do cd "Tudo..." em "Geração Perdida". Essa música versa sobre a desilusão dos "...últimos com ideologia...que ainda pensavam...", pois eles sonhavam com a democracia. Mas como, infelizmente, constatam que, "sociólogo ou operário são faces do mesmo mal", são invadidos pela sensação de desencanto e dizem que vão "botar pra fuder!". Ao final, a letra sinaliza para uma imaginária cena futurista de caos insurrecional jacobino verde e amarelo em busca de paz, liberdade e fraternidade porque "nova Bastilha será, nova Bastilha será...em Brasília".

O amor é revisitado em tom mod na busca por respeito a dois em "Respeitar" e na falta de valores no ambiente mundano cyber em "Sexo virtual", com seu lindo som de piano a cargo do misterioso Rotieh Ortseam. Nessa música, o sorriso brota facilmente ao se ouvir que "carentes profissionais, teclando orgasmos digitais..." e que "sexo virtual é tão legal, pois mesmo feio e fedido, na internet sou o mais querido, isso é tão legal" Já "Febem" reproduz as desilusões de um fugitivo sob os auspícios da adrenalina do vocal sincopado punk´n´roll de Carlos Lopes, do groovie do baixo grandfunkiano de Wlad Vieira e da bateria arrasa quarteirão de Américo Mortágua.

Musa existencial – Carlos Lopes, resolveu fazer uma bela homenagem a Janis Joplin, que teve passagem meteórica pelo Brasil em plena ditadura militar, mas "...não bateu continência para general". Cantando naquele velho jeito tosco e emocional, ele desvenda que a branca rainha texana do blues foi esculachada e desvalorizada, deu seu ar da graça para poucos e retornou para a terra natal para, meses depois, ter uma misteriosa morte. Overdose, suicídio ou assassinato? Se o vocalista da Mustang não consegue decifrar esse mistério, ele nos lembra que Janis "veio brincar de carnaval", mas "no Rio foi feliz e não sabia". Esse rock dilacerado tem feeling ultra hard blues acelerado e cadenciado, nos acalmando ao fim porque "Janis Joplin riu da morte, ela está com Hendrix em melhor lugar".

Oriunda do repertório da outra banda de Carlos Lopes, a funkeira experimental Usina Le Blond, "Cinco contra um" migrou sem atritos estéticos para o repertório da Mustang. A letra desse pesado funk rock aborda aquele velho método masculino de busca pelo prazer estimulado pela falta da companhia ideal. Retornando a máxima sartreniana de que o inferno são mesmo os outros, a energia continua a rolar em "Inferno" e sua pegada rock lascado com guitarra faiscante estilo Angus Young misturado à ambiência sonora de um Cheap Trick.

Dada – Carlos Lopes retirou o nome da sua extinta banda, Dorsal Atlântica, seguindo o ensinamento dadaísta de transformar, pela intencionalidade vanguardista, qualquer coisa em arte. Sendo assim, abriu uma enciclopédia e enfiou o dedo em uma página qualquer e pronto. Estava escolhido o nome. Ele parece ter retomado esse caminho em "Cueca e meia", pois conseguiu transformar numa bela canção de coloração hard e prog a mais que comum temática relacionada com a chateação de receber presentes desinteressantes em aniversários.

Duas baladas integram o "Tudo...". Uma é "Sonhos", de andamento aerosmithiniano setentista e defesa lírica do mote filosófico da Mustang em não abrir mão dos sonhos, custe o que custar. Já "Despertar" emociona com seu teclado e vocais de apoio em estilo progressivo e pique hard, invocando estória de um espírito desencarnado descrente da sua passagem que tenta, sem sucesso, falar com as pessoas a sua volta sobre o tempo perdido no plano terreno.

Se alguém duvida das possibilidades de modernização do hard rock na língua de Camões, a mesma se encerra em "Rock and roll city". A singela homenagem à cidade da paulicéia desvairada e sua sanha ilógica nos lembra que "não há espaço, o ontem foi incendiado, o futuro chegou, adiantado...onde vai chegar, essa sua busca? O céu é o limite...". No solo de guitarra vem à tona todo senso melódico de Carlos Lopes sob o brilho da elegante influência do alemão Michael Schenker (Scorpions, UFO e MSG).

Último romântico – Por mais que pareça uma idéia fadada eternamente ao fracasso, todo ser humano já pensou em encontrar sua cara metade para viver o resto da vida junto ao seu lado. O personagem de "Véu e grinalda" potencializa o ideal byroniano já de enxoval comprado. Ele só não sabe em quantas prestações, "mas não faz mal, pois o que importa é enxoval". Nesse divertido devaneio rock´n´roll reside um problema para o anti-Casanova, que não quer namorar e sim casar, pois ele diz que "o único detalhe é que não te conheço, nunca falei com você...". Humor refinado não previsível recomendável para todas idades, crenças e classes sociais.

A Mustang repete no "Tudo..." a manha de fazer duas versões de uma mesma música. No caso de "Outro lugar", sua primeira versão é rock´n´roll com batida acelerada e guitarra da velha escola hard com acompanhamento de bateria em frenesi meio galopado. A segunda versão, que fecha o cd, tem letra ligeiramente diferente e deixa o country rock invadir a seara musical da banda nos remetendo a um clima de rodeio da pesada.

O rock é, na atualidade, uma linguagem universal que tanto pode ser executada nos Estados Unidos, Brasil, Japão, África, Europa ou Oceania, bastando para isso que se domine seus códigos, levando a uma espécie de determinismo histórico para quem quer fazer música direta e visceral. Isso causa a sensação de uma incômoda imposição da indústria cultural. No entanto, há um outro lado da moeda nessa realidade, pois existem artistas que vivenciam o rock na alma sem fundamentalismo, não como uma camisa-de- força estilística, mas sim como uma bússula criativa existencial rumo ao desconhecido e sublime.

Os pneus da Mustang rodam nessa estrada sem fim, de olho no que está por vir mas, pelo retrovisor, sacando o caminho percorrido. Ou seja: vivenciando o presente, de olho sempre pra frente e com respeito pelo passado. Sem vergonha de ser rock´n´roll.

O convite para a carona está feito. É pegar ou largar.

I Wanna Feel Alright!


Borel, Apu, Maurão, Mário Jorge e Vandinho

Ou o que você faz quando seus melhores amigos são também a melhor banda de rock da cidade?

Especial Clash City Rockers . Rock Soteropolitano Anos 90

por Franchico

A história da Úteros em Fúria em si não tem grandes mistérios. Como ainda tô com preguiça de escrever aquela biografia romanceada, organizei os fatos ano a ano (ainda que não me considere à altura de escrever o romance que essa história merece, mas tudo bem). Bom, chega de enrolação. A seguir, uma breve revisão na história da Úteros em Fúria.

1986: Evandro Vandinho Botti (guitarra) forma a Úteros em Fúria com alguns colegas do tradicional Colégio Antônio Vieira para participar das famosas Mostras de Som da escola, pequenos festivais de música para os alunos. Mauro Pithon (vocal), Maurício Braga (bateria), Rozendo Loyola (baixo) e mais um português que não lembro o nome e tocava teclado completavam a banda. O som oscilava entre o progressivo que Vandinho então idolatrava e o rock Brasil, então no auge. No repertório, músicas da Legião Urbana (Soldados), RPM (Revoluções por minuto) e algumas próprias, com letra em português.

1988: Após diversas formações flutuantes e com uma média de dois shows por ano (sempre no palco da escola), Vandinho chama o amigo de veraneio em Villas do Atlântico, Emerson Borel, para tocar guitarra. Evandro passa para o baixo. Emerson traz novas composições e suas influências de metal, Led Zeppelin e Rolling Stones para o grupo. As letras passam a ser escritas em inglês.

1989: As influências de Rolling Stones, Led Zeppelin, Aerosmith e cia se intensificam com a entrada de Luís Fernando Apú Tude (primo de Rozendo Loyola, também da galera de Villas) na segunda guitarra, violão de 12 cordas (bastante utilizado na época pela banda) e gaita. Mauro dá um tempo para estudar para o vestibular e passa esse ano fora da banda. Um cara chamado Bacelar, com uma performance de palco similar à de Cazuza (!!) e gogó pouco privilegiado, tapa o buraco.

1990: Não lembro direito, acho que não aconteceu nada de significativo nesse ano, além de Borel e Vandinho afinando a parceria nas composições. Bacelar vai estudar medicina e Mauro retorna ao seu posto.

1991: Todo mundo fora da escola, é hora de partir pro circuito de bares da cidade. Repertório para isso já havia. Mas não havia mais baterista, contudo: Maurício Braga resolvera sair, não lembro o motivo por que. Após alguns meses em busca de um batera novo, amigos em comum apresentam Mário Jorge à banda. Pronto, está completa a formação clássica da Úteros em Fúria: Mauro Pithon (vocal), Evandro Botti (baixo), Emerson Borel (guitarra solo), Luís Fernando Apú Tude (guitarra base e gaita) e Mário Jorge (bateria). Após uma apresentação de despedida da escola no palco do Vieira, em julho, rola o primeiro show da banda na night da cidade, na lendária casa Mata Hari, no Rio Vermelho. Ali, a mágica acontece. A despeito de todas as limitações técnicas dos músicos, da falta de experiência e sabe-se lá o quê mais, aqueles shows inauguraram os anos 90 no rock baiano. A mistura de Red Hot Chilli Peppers (então no auge criativo, com o Bloodsugarsexmagic estourado) com Aerosmith, aliada ao carisma natural da banda no palco e à vibe paquidérmica de diversão emanada nas apresentações conquistam todos os que cruzam o caminho da banda. No fim do ano, a cantora Sarajane, remanescente dos primórdios da axé music, comparece à um dos shows no Mata Hari. Ela e Apú começam a namorar. A influência de Sarajane teria papel fundamental na profissionalização da banda.

1992: A cada apresentação, aumentava o burburinho na cidade sobre a Úteros em Fúria. Músicas como Queenie, You just follow all the rules, I'm bad, Be bigger, I wanna feel alright e One more time sacudiam o público como um liquidificador, ninguém ficava impune. Era um show sem tempos mortos, e até mesmo nas duas baladinhas, Sister moonlight e Inside the beer bottle, a galera pulava, agitava e se esgoelava. Em abril, lotam o Zouk Santana, então o melhor palco da cidade para músicos em ascensão ou do circuito alternativo. A ocasião é memorável. A cena da cidade, então esfacelada e estagnada, ganha uma banda agregadora, que atraía punks, metaleiros, surfistas, playboys, remanescentes da cena dos anos 80, universitários, rockers tradicionais, gente normal e outros bichos esquisitos, tornando cada show uma celebração descontrolada, à base de muito grito e participação por parte da platéia. (Que o diga Cláudio Esc, que adorava subir no palco para colocar Emerson ou Mauro nos ombros, como Brian Johnson fazia com Angus Young no AC/DC). Outro fato extremamente relevante que não deve ser esquecido é que foi nas apresentações da Úteros que a mulherada começou a comparecer nos shows de rock das bandas locais. Até o advento dos irmãos uterinos, show de rock local era uma tristeza. As únicas mulheres presentes eram as namoradas dos músicos (geralmente de cara amarrada) e eventuais garçonetes. Não sei exatamente as razões dessa atração do público feminino pela Úteros, mas suspeito de algumas razões, desde o próprio nome da banda, até o inequívoco sex appeal dos rapazes (eu estou sendo irônico!), entre outros motivos. Entre as mocinhas adolescentes que acorriam em polvorosa aos shows da Úteros, estava a jovem Pitty, que volta e meia cita o fato em entrevistas. Em julho, Apú casa-se com Sarajane. Rolam viagens para shows no Rio de Janeiro, São Paulo e Recife, onde tocam com Chico Science & Nação Zumbi. Participam da coletânea Bazar Musical SSa 1 (lançada apenas em vinil, hoje uma raridade valiosa), junto com outras bandas significativas da época, como Mutter Marie (de Ronei Jorge e Alexandre Xanxa Guena), Meio Homem (de Ruy Mascarenhas) e Kama Sutra (de Lili, do Dever de Classe), cada banda com duas faixas. As faixas da Úteros nessa coletânea são You just follow all the rules e Dear misery. Poucos meses após o disco ser lançado, Júnior, dono da loja e selo Bazar Musical e grande incentivador da cena, morre de forma trágica em um acidente de moto. Em setembro, fazem outro show antológico no primeiro evento Baú do Raul, na Concha Acústica, roubando a cena de Marcelo Nova e sua Envergadura Moral. Em1992 (e até o seu fim em 1995), nenhuma banda de rock de Salvador era tão conhecida e atraía tanta gente às suas apresentações quanto a Úteros em Fúria.

1993: Sarajane viabiliza com Wesley Rangel (Estúdio W.R., o eterno Templo do Axé) a gravação do primeiro (e também único) disco da banda. As gravações ocorrem no Carnaval daquele ano. Nestor Madrid, encarregado por Rangel pela produção, devia ter mais o que fazer naquele Carnaval, pois pouco compareceu ao estúdio, deixando o pepino nas inexperientes mãos dos músicos e do engenheiro de som Marcelão, que obviamente, tinha pouca ou nenhuma experiência em gravar rock 'n roll. O resultado foi o som pouco potente e que não captava nem de longe o peso e vibração da banda ao vivo. O som de bateria foi o mais afetado. Contudo, as músicas que levantavam o povo nos shows teriam ali seu registro definitivo. Em maio, Emerson Borel começa a dar sinais de que algo não ia bem com sua cabeça. Paranóia, medo e angústia crescentes, aliadas à um certo abuso de substâncias consideradas ilegais pela constituição, desembocaram rapidamente em um quadro de esquizofrenia aguda que estourou logo depois. Perplexos e pegos de calças curtas em um momento crítico - com disco gravado e em negociações com os selos do sul para o futuro lançamento -, a banda dá o apoio que é possível para Emerson e seus pais. Após muitos remédios e sessões de terapia, Emerson retorna às suas funções, porém, algo já havia se perdido, o trauma fora grande e nem o guitarrista (e alma da banda), nem os outros membros eram mais os mesmos. Recém recuperado, Emerson embarca à base de calmantes para o Rio de Janeiro com a banda para os shows de lançamento do disco, que acabou lançado (em vinil e CD, esgotados) pelo selo independente carioca Natasha Records, de Felipe Lerenna. No Circo Voador, a Úteros em Fúria divide o palco, com direito à jam e tudo, com Chico Science & Nação Zumbi, àquela altura, já amigos da banda. Em Salvador, o disco é lançado em um show bombástico e caótico na casa de shows Sabor da Terra, então de Chocolate da Bahia. Cerca de duas mil pessoas se acotovelam na casa, deixando mais um bom punhado de gente do lado de fora. Detalhe: não há seguranças para o show. À certa altura, era impossível ver os membros da banda, pois a quantidade de fãs enlouquecidos pulando sobre o palco é enorme. Amigos da banda e roadies tentam convencer as pessoas a sair do palco, mas é como tentar conter um furacão. Punks em estado de histeria se jogavam no chão do palco e se debatiam de forma epiléptica. Por um milagre, nenhuma briga de verdade foi registrada, ninguém saiu machucado, nenhum incidente ocorreu. Por falar em roadies, não dá para não citar aqui os competentes César Acredite (esse era uma figuraça) e Benito, que, donos de uma lealdade canina, trabalharam com a Úteros enquanto ela existiu, fizesse chuva ou sol.

1994: As crises de Emerson vêm e vão, o clima é de insegurança, e a banda se ressente do estado de nervos precário de seu guitarrista e principal compositor. Vandinho, fundador e equilíbrio emocional do grupo, foi quem mais se assustou com a situação. Em meados daquele ano, abalado com tudo o que havia acontecido, despede-se da banda em um show no Teatro Miguel Santana, no Pelourinho, onde também tocaram Mundo Livre S.A. (ainda com Otto) e Jorge Cabeleira & o Dia em que seremos todos inúteis. Para o lugar de Vandinho, é convocado o baixista Ivanzinho Maçarico, irmão de Paulinho Oliveira (que na época, arrepiava com sua banda Stone Bull, com a qual a Úteros tinha uma espécie de rivalidade amigável). Emerson ainda compõe mais umas duas ou três músicas novas (Hide my hate, a melhor delas, é bem significativa de seu estado e da própria banda em si). Os únicos registros dessas músicas inéditas estão nos shows da época gravados em VHS (e há muitos), material valiosíssimo e hoje mofando no armário de Mário Jorge, necessitando de digitalização urgente. O ano passa de forma vacilante entre shows e recaídas de Emerson, o que deixa todo mundo (família, banda, amigos) tenso com a vida naquela eterna corda bamba. Ivanzinho estréia na banda abrindo o show de lançamento do primeiro disco dos Raimundos na Concha Acústica. No final do ano, a situação de Emerson está insustentável. De comum acordo, os outros membros resolvem chamar um outro guitarrista para segurar a onda enquanto Emerson está fora de ação. Para o posto, é chamado Fernando Mercenário Sarmento, amigo de Mauro, que antes da Úteros, tocava numa banda chamada Dikara.

1995: Mercenário estréia no Carnaval daquele ano, tocando no Palco do Rock, na praia de Piatã. A despeito de seus esforços valorosos, seu estilo era muito diverso do de Emerson e seu carisma, claramente inferior. Em março (ou abril), a banda faz seu segundo e último show com Mercenário, novamente abrindo para os Raimundos na Concha. Em entrevista para o documentário Úteros em Fúria, uma videobiografia (projeto de fim de curso deste jornalista que vos escreve), concedida já no ano de 2000, Mauro relembra e admite que a banda acabou ali, por força dele. "As coisas já não eram as mesmas, as outras pessoas que entraram na banda não se encaixavam, então hoje eu até faço um mea culpa: a banda acabou ali por culpa minha, porque eu quis assim". Ninguém levantou objeções também na época. Terminava ali, de forma definitiva, a Saga Uterina Furiosa. Digo, quase: dois anos depois, em maio de 1997, houve um show de revival com a formação clássica - maravilhoso como sempre, diga-se - na casa Almanaque, na Barra. Mas foi só um show. Um coda, digamos assim, para fechar com chave de ouro, da maneira que tinha de ser.

Life after Úteros

Evandro Vandinho Botti: Quando saiu da Úteros, passou a estudar gravação no Estúdio Zero, como estagiário, além de cursar Composição e Regência na Escola de Música da UFBA (até hoje não concluído). Em 1997, abriu o próprio estabelecimento, o Estúdio em Transe. No mesmo ano, começou o projeto Guizzzmo com o ex-companheiro uterino e amigo Apú. Lançaram um disco em 2003. Apú saiu da banda no ano seguinte e a Guizzzmo acabou. Hoje, Vandinho segue carreira solo como Vandex.

Emerson Borel: Deu uma de Getúlio Vargas, saindo da vida para entrar na história do rock local. Figura trágica e genial, anjo torto de Fender vermelha em punho, atormentado pela própria mente, ainda montou a banda Black Trunk (com o discípulo Cândido, ex-Cascadura, hoje na Theatro de Séraphin), de curta trajetória. Fez parte da Guizzzmo como membro fixo e compositor, mas depois saiu. Colaborou com várias outras bandas, inclusive com a Sangria em seu iníciozinho. Vitimado por uma depressão profunda, nos deixou em junho de 2004, saindo de cena de forma abrupta e cruel, consigo mesmo e com todos aqueles que o amavam. Hoje, além de lembrança vívida na memória de todos aqueles com quem conviveu, tornou-se uma lenda do rock local.

Luís Fernadno Apú Tude: Com o fim da Úteros, chegou a tocar por pouco tempo na (hoje rediviva) Lisergia. Trabalhou alguns anos com a banda Penélope no Rio de Janeiro, operando a mesa de som nos shows, entre outras atividades. Entrou na Dinky Dau em 1997. Levou a Guizzzmo e a Dinky Dau (de Pedro Bó, Daniel Wildberger, Nélio Black e Ricardo Cury) paralelamente por uns dois ou três anos, até o fim da segunda. Dedicou-se apenas a Guizzzmo e a estudar técnicas de gravação em cursos e estagiar no Estúdio W.R., onde trabalhou alguns anos. Em 2004, iniciou a Sangria com os companheiros uterinos Mauro e Emerson. Com a depressão crescente, Emerson saiu, dando lugar para Pedro Bó (da extinta Dinky Dau).

Mauro Pithon: Após o fim da Úteros, trabalhou em diversos empregos, inclusive como roadie dos (seus chapas do Bonfim) Dead Billies e também no Estúdio Zero, gravando jingles e spots para rádio. Em fins de 2003, a necessidade de se expressar o fez montar a Sangria, banda de rock pesado e agressivo, com letras em português. A Sangria foi e continua sendo seu único projeto musical pós-Úteros.

Mário Jorge: com o fim da Úteros, logo entrou na banda Penélope, com a qual gravou três CDs (dois pela Sony e o último pela Abril Music), com algum sucesso em rádios e na MTV. Mudou-se para o Rio de Janeiro, excursionou pelo Brasil todo com a banda e ganhou muita experiência de vida, convivendo com grandes músicos e produtores, como o precocemente falecido Tom Capone (produtor dos dois primeiros discos da Penélope e marido da tecladista Constança Scofield). Saiu da Penélope em 2003 (a banda acabaria em 2004) e voltou à morar em Salvador, retomando e concluindo o curso de veterinária na UFBA, profissão que abraçou. Em janeiro de 2004, começou a apresentar o Rock Loco, um programa de rock na rádio comunitária Primavera FM. O programa, que agregou um contingente de amigos e colaboradores, durou até junho de 2005. Hoje, desenvolve um projeto solo secreto, supostamente denominado Os Opalas. Não se sabe se ele pretende montar banda, lançar o trabalho em disco ou simplesmente engaveta-lo. O tempo dirá.

Ivanzinho Maçarico: paradeiro desconhecido por este jornalista.

Fernando Mercenário Sarmento: Ao que consta, mudou-se para Nova Iorque, onde se casou e ganha a vida como professor de jiu-jitsu (!!!). Só vem à Salvador de visita.

Sim, mas afinal, o que você faz quando se tem 19 anos de idade (em 1991) e seus melhores amigos formam a melhor banda de rock da cidade? Três coisas: primeiro, você deverá colar neles mais ainda e se divertir que nem maluco, colaborando no que for possível também, claro (o primeiro release deles - péssimo! - foi meu). Segundo, fará um documentário em vídeo sobre a trajetória da banda para concluir o curso de jornalismo (de qualidade discutível e amador, mas mesmo assim, você terá orgulho dele). E em terceiro, escreverá um texto enorme para o Clash City Rockers. (Em quarto, você escreverá um livro, claro, mas isso, quem sabe, mais pra frente...).

A verdade é que, apesar de tudo - apesar principalmente da abrupta e trágica perda de um irmão -, eu não passo de um filho da puta sortudo.

Eu nunca vou poder agradecer a esses caras por terem me proporcionado os melhores, mais intensos e loucos anos da minha vida.