Cascadura, nascendo em grande estilo

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Porão do Rock


Especial Clash City Rockers . Rock Soteropolitano Anos 90

por Sergio "Cebola" Martinez & Nei de Carvalho Bahia

Muitos séculos atrás, em uma galáxia distante, em um buraco negro na Av. 7, eu resolvi arriscar. O rock & roll já era parte integrante de minha vida já a uns 15 anos, pouco mais, pouco menos, sei lá, mas apenas como uma relação de amor e devoção à minha coleção de vinis e uns poucos cds adquiridos com labuta, andanças, empréstimos, roubos e encomendas. Soma-se à isso leituras incessantes sobre nosso som favorito, em poucas fontes, consumidas com avidez, entre livros, revistas, biografias, reportagens, o que caísse nas mãos. Mas o que rolava era o seguinte: Eu não tinha saco pra bandas de Salvador. É isso. Puro e simples assim. Não estou julgando, condenando, elogiando, sacaneando ninguém, mas minha aversão à geração 80´s soteropolitana tem a sua lógica própria. Pouca coisa eu agüentava de rock nacional. Lembrando agora: Ira!, Violeta de Outono, Legião Urbana ( juro, acredite!), um pouco de Barão aqui, alguma coisa do Ultraje alí, pouco mais, que nem lembro agora. Passei batido. Hoje até que me divirto nessas festas revival que rolam por aí, mas, definitivamente, não faço parte dos saudosistas do período. Em perspectiva, reconheço, óbvio, a importância daquela geração, mas não vou ser falso e dizer que achava lindo ( sorry Caê), não, nada disso. Eu gostava é de Rolling Stones, Beatles, The Who, Faces, The Doors, Velvet, Stooges, MC5, Creedence, Dr. Feelgood, Echo and the Bunnymen, The Cure, Jesus and Mary Chain, The Smiths, a lista é grande demais, deixa pra lá. O que importa é que tudo parecia derivativo para mim. Inclusive aqueles de quem eu gostava. É; eu era chato pra caralho mesmo. Parecia para mim, veja bem, eu disse "parecia", que aqui em Salvador as coisas não seriam diferentes. A referência básica era Brasília, e Brasília eu via como uma sub Manchester, ou Londres, ou qualquer coisa. Apontava minha grana para os gringos e era isso. E tudo muito tosco. Admirava a atitude do Camisa de Vênus, as letras, a verve de Marcelo Nova, mas nunca fui fã. Comprava o Clash e tava bom demais.

Agora vocês se perguntam, que diabo o Dr. Cascadura tem a ver com esse lenga lenga todo? Nada... e tudo. Quando Nei Bahia me falou sobre os caras devo ter torcido o nariz, refugado, refutado mas, enfastiado, cedi, e resolvi acompanha-lo pra ver essa tal desta banda que, segundo ele, valia a pena. E aí pronto, braço torcido, ouvia Stones, Beatles, Bo Didley, Buddy Holy, Chuck Berry, meus ídolos, cara, soando através daqueles quatro futuros amigos, da forma como eu achava que não seria possível por estas plagas. Estou exagerando? Provavelmente mas, com certeza, posso dizer que eu não estava acostumado com aquele som em português, não. Letras despretensiosas, na forma, mas muito boas no conteúdo, simples, diretas, com frases curtas e refrões ganchudos, pop, grudentos, sem ser xorumelentos. Considero Fábio Cascadura um dos grandes letristas de rock no Brasil. Era um contraponto à uma época em que parecia que todo mundo queria ser Renato Russo por aqui, raras exceções. E foi a partir do Cascadura que eu comecei a dar mais atenção aos nossos pequenos heróis da batalha cotidiana pelo rock em Salvador. Logo depois, conheceria os fantabulosos Dead Billies, a inesquecível Úteros em Fúria, a excelente e multimilionária ( mal aí, Messias) brincando de deus, e tantas outras que fizeram, do meu ponto de vista, uma década mais rocks. Reconheço hoje que perdi algumas coisas legais feitas antes, mas leite derramado é leite derramado, eu passo por cima e sigo adiante. Daí, fiquei esperando o que todo mundo espera de uma banda nova da qual gosta muito...o disco. E que disco.


Com forte influência da soul-music de Otis Redding e Sam Cooke , o disco foi produzido quase de forma artesanal num estúdio perto do Farol da Barra (onde hoje funciona uma estamparia ou coisa parecida), por uma equipe comandada por onde 2 argentinos (Nestor Madrid, produtor, e Carlos, que só cuidava praticamente da sonoridade das guitarras, que todo sabem não eram poucas, há faixas com 6 canais só de guitarras e violões) e um suíço, Esteven, que eu nunca mais ouvi falar ( dizia-se na época que tinha trabalhado com bandas de metal de um certo prestígio. Ele morava num pequeno ap em nazaré que tinha equipamento até o teto). Essa equipe foi capaz de fazer com que o ouvinte do disco ache que está ouvindo uma parede de amps Marshall valvulados de grande porte, quando na verdade a galera esta se virando com pequenos amplificadores transistorizados ( arrrgh... ) . Muita gente até hoje diz que a grande referencia para a Dr. Cascadura na época foram os Black Crowes, banda de Atlanta que naveava contra a corrente das tendências do rock que estavam rolando, fazendo um som também influenciado pela Soul music, mais com uma tendência mais "Southern rock" do que a galera da Cascadura. Cabe então um comentário: naquele momento era o Aerosmith a banda que mais chamava a atenção de quem ouvia Rock&roll básico, pois depois do sensacional "Get a grip", mais uma vez Perry, Tyler , Brad, Tom e Joey mostrava que eles tinham a fórmula: estar nas rádios e ao mesmo tempo ser respeitado pelos rockers mundo afora. Era isso que buscava a Dr. Cascadura.

Dr. Cascadura #1 faz parte daquele seleto rol de trabalhos que envelhecem como vinho. É coeso, tem uma sonoridade, digamos, cativante, quase ingênua, elegante e crua ao mesmo tempo. Contando com Toni Oliveira, Ricardo "the Flash" Alves ( ambos hoje na Demoiselle ) e Candido Soto Jr (atual Theatro de Séraphin ) nas guitarras, Alex Pochat ( Cinco Elementos ) no Baixo, Jean Franco ( exilado no Pará ) nas baquetas, Fábio Cascadura estava cercado por uma trupe de responsa pra empreitada. E não fizeram feio. A formação inusitada ( naquele momento, 1996, uma loucura total ), com três guitarras, já insinua o que viria. Desde a capa, passando pelos temas, o que percebemos de cara é de que se trata de um disco on the road. Amores perdidos na estrada da qual não mais voltariam. Logo na abertura, um inesquecível riff solitário dá a deixa pra Fábio: "Cautela pra mim é medo de errar/dirigindo uma pick up sem sentir/vou mudando a poeira de lugar/vou cruzando um país que eu nunca vi". ISSO arrepia meus amigos, isso é muito bom. Não foram poucas as pessoas que já me disseram que # 1 é o seu disco predileto. Daí em diante o rock de estrada rola sem cautela, com Toni, Flash e Cândido detonando riffs e fraseados musculosos nas suas Gibsons, transpirando suas influências de Rolling Stones, Free, Mountain, Lynyrd Skynyrd, Faces... mas com personalidade, em função das canções, bem costuradas, felizes por existir. Há uma certa melancolia permeando as letras, mas nunca em auto piedade. Sempre seguindo em frente parece ser o mote do disco: "um minuto pra ficar tudo bem/um minuto pra ficar tudo ok/um minuto pra eu tentar esquecer/um minuto e eu me livrar de você". Sacou?

Alguém pode até argumentar que Dr. Cascadura também não era tão original assim. Que parecia esta ou aquela banda. Não importa, as canções são ótimas, assim como as letras, o som ( três guitarras sem tirar ), o conceito, as calças boca de sino & batas e cabelos compridos. Rock´n´Roll, somente, e como diria Mr. Jagger...


Então é isso. E seguindo em frente, mais duas estações, mais dois grandes discos, Entre e Vivendo em Grande Estilo ( este, chamado de obra-prima por Nando Reis em uma entrevista, ta lá, na revista da MTV ). Mas já passou um minuto e o que eu soube é que o Cascadura já já sai com mais um pra estrada. Uma grande estréia para uma banda fundamental.

Um alô do além

Divulgação


De: raulrockseixas@purgatório.com
Para: Miguel Cordeiro
Cc: www.clashcityrockers.blogspot.com

Olá pessoal! Como vão todos aí embaixo? Não estranhem não, estou aqui num cybercafé do purgatório escrevendo para vocês e tomando umas biritas com a garrafa da bebida enrustida pois o fiscal não pode ver. Quem falou muito bem de vocês e me deu o endereço deste blog foi o Rick Danko que foi baixista do The Band e agora aproveito para mandar umas notícias.

Quando saí daí da Terra em 1989 peguei uma carona com o moço do disco voador e parei na porta do paraíso. Fiquei batendo tóc tóc tóc na porta do céu mas São Pedro não me deixou entrar alegando que eu tinha aprontado muito aí embaixo e listou alguns desvios graves que cometi. Entre estes, ter afirmado que o diabo é o pai do rock e ter utilizado algumas páginas da bíblia sagrada para apertar uns baseados. São Pedro, então, mandou eu me dirigir ao inferno e ao me despedir dele pude observar pela porta entreaberta o Roy Orbinson conversando com o George Harrison e o Buddy Holly.

Depois de muita insistência, o moço do disco voador concordou em me levar até o inferno mas preveniu que não podia se aproximar muito por causa do calor provocado pelo fogo e pelas altas labaredas que seriam capazes de causar estragos em sua nave. Mas no inferno eu também fui barrado porque consideraram que eu tinha sido um bom menino, um carpinteiro do universo, um cidadão exemplar e só o fato de ter sido um roqueiro num país como o Brasil, já seria uma prova que eu tinha passado uma temporada num inferno. E ao contrário do paraíso, o inferno não tem porta, a entrada é larga e alta e de fora pude ver o Kurt Cobain discutindo com um policial e o Brian Jones tentando acalmá-los.

Para mim restou o purgatório que é um lugar bem parecido com a Terra e é onde está a maioria dos roqueiros. Portanto tenho boas companhias por aqui e a vida nunca se torna monótona. Sempre estou às voltas com o John Lennon e juntos criamos uma sociedade alternativa que nos proporciona algumas regalias como visitar o paraíso para encontrar alguns amigos ou descer até o inferno para cair na bagaceira e conseguir certas mercadorias que só se encontram por lá. Outro dia o Elvis Presley quis nos acompanhar numa dessas aventuras, mas o moço do disco voador, que nos serve como taxista, disse que não queria correr o risco de viajar com uma majestade a bordo.

Eu e Lennon vamos sempre à Terra. Da última vez fomos a Nova York, compramos roupas, colírio & óculos escuros, cd´s & dvd´s, assistimos a apresentações dos Rolling Stones, de Dylan e de várias bandas novas que estão surgindo.Tambem costumamos dar uma passadinha aí pelo Brasil e Lennon sempre ri muito ao ouvir as pessoas gritando nos shows o “toca Raul!!”.Mas, nas nossas visitas, virou rotina almas penadas brasileiras nos assaltar e levar nossos pertences, nossas carteiras e celulares. É, o Brasil continua a mesma merda de sempre e ah! se não fosse o Cabral...

Mas confesso que fiquei surpreso com o estrondoso sucesso que passei a fazer depois de sair daí. E lembro que muitos dos roqueiros que agora me reverenciam, antes me evitavam e alguns deles até a atravessavam a rua quando me viam se aproximando. Hoje, eles, ao lado de figuras da MPB, que eu sempre detestei, são os primeiros a querer participar de tributos em minha homenagem. Por tudo isso, prefiro ir ao Brasil apenas para rever a família e alguns amigos.

De vez em quando dou uma olhada aí na Bahia só para ficar nervoso. E vocês, me expliquem, por favor, o que é isso que fizeram com a Bahia? Quanta mediocridade em nome desta falsa e fabricada “cultura baiana”! Porem fiquei feliz ao verificar que existem excelentes bandas de rock por aí desenvolvendo ótimos trabalhos. Mas tomem cuidado, não entreguem o ouro pro bandido. Evitem de todas as formas ligações estéticas e filosóficas com esse pessoal da música baiana. Daqui de cima, eu, que nasci há dez mil anos atrás e que conheço a história do princípio ao fim, nunca vi em nenhum momento alguém da música baiana elogiar o rock feito aí em Salvador. E por quê agora vocês vão dar mole para esses sacanas? Sejam espertos e descubram os seus inimigos.

Também não fiquem paparicando o Senhor do Bonfim e achando que ele vai ajudar porque ele não vai ajudar mesmo. Outro dia conversando com o Glauber Rocha, ele advertiu que o Senhor do Bonfim é um agente da CIA, o santo mais axezeiro da paróquia. Tanto que São Roque, santo gente finíssima que trabalha com afinco e dedicação pelo rock, vive em pé de guerra com o Senhor do Bonfim e não quer vê-lo nem vestido de preto.

Desde que aqui cheguei já enchi uns oito baús cheios de escritos e de músicas novas e, agora, com o computador facilitou muito pois me faz economizar espaço. Depois da dica do Rick Danko fiquei viciado no blog de vocês e todo dia arranjo uma maneira de dar uma olhada para ver o que está rolando. Parabéns pelo trabalho de alta qualidade que vocês estão fazendo e desejo, de coração, uma longa vida ao Clash City Rockers. Joguem duro, não alisem e não esqueçam: todo mundo tem o direito de fazer o que quiser, falar o que quiser e escrever o que quiser porque é tudo da lei.

Agora tenho que ir, o moço do disco voador está me esperando pra gente dar um passeio pelo espaço porque eu sei que tem tanta estrela por aí...

Até mais e fim de papo!

Raul Rock Seixas

Clash City Rockers, um ano (e tanto!)



Pois é, devagar, devagar, o Clash City Rockers chega ao seu primeiro aniversário. E depois de mais de 20 mil acessos, quase 80 posts (uma média de quase 7 por mês), diversas citações em blogs nacionais e uma boa dose de muitas polêmicas, dá pra dizer que tá valendo à pena.

Com todo respeito aos nossos blogs irmãos, não dá pra negar que a chegada do Clash City Rockers estabeleceu um outro patamar nas discussões sobre rock'n'roll no espaço virtual de Salvador. Com colaboradores politicamente incorretos, provocadores e, acima de tudo, que conhecem muito da matéria, o CCR trouxe à tona diversos artistas que estavam embotados na mídia de uma forma geral, seja a mainstream ou a alternativa, colocando luzes sobre antigas pedras fundamentais ou sobre jovens promessas. Sempre com textos que usam a informalidade do formato blog mas que mantêm uma certa postura de respeito à inteligência e ao nível de informação de quem lê.

Aqui no Clash City Rockers se falou primeiro dos Dresden Dolls, das Dansettes, dos Stills e do Shivaree. Se resenhou clássicos como UFO, Creedence Clearwater Revival, The Band e Uriah Heep. Se ousou falar de forma nova sobre bandas que já estão soterradas de clichês, como Stones e Beatles. Se falou de movimentos pop, como o Postpunk, a Pop Art, os Mods, o Northern Soul. Se falou do pop brasileiro, da vanguarda paulista, do rock baiano. E de mais um monte de coisas que estão disponíveis no nosso histórico. É só clicar ai ao lado.

No quesito exclusivo, fizemos uma entrevista com Marcelo Nova; publicamos foto do show do Placebo em Salvador e cobrimos, nos últimos dois meses, três shows/festivais internacionais em terras brasileiras: Pearl Jam, Claro Q É Rock e Tim Festival.

O Clash City Rockers também inovou no tratamento do layout gráfico. Estabeleceu a agenda permanente na barra lateral e foi copiado :) Virou o primeiro audioblog da cidade, disponibilizando mp3s relativos aos textos para download. Implantou a auditoria de acessos via Weboscope para calar os fariseus e os abutres e sempre se preocupou com a qualidade das imagens que ilustram os textos.

E em 2006 tem novidades. Novos colaboradores (alguns já estrearam, como Bia Ribas) e o acesso às playlists da Clash City Radio em streaming. Breve serão horas de músicas sem interrupção, com apenas um click. Vai turbinando os altofalantes! Pois é, aqui acreditamos no seguinte: ou se faz poeira ou se come poeira. Continuaremos preferindo a primeira opção :) Lasciate Ogni Speranza Voi Ch'entrate.