A ferrugem corrói silenciosa

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por Miguel Cordeiro

O impacto ao ouvir aquilo dividiu opiniões. Alguns amaram e outros execraram. Para os primeiros tratava-se de um trabalho brilhante e uma atitude corajosa de um artista estabelecido alinhando o passo a um novo tempo. Para os últimos foi uma heresia, um oportunismo de um artista consagrado tentando soar como um adolescente.

E as credenciais estavam expostas logo na faixa de abertura, My my, hey hey. “O rock´n´roll está aqui para ficar... é melhor se desintegrar do que ir perdendo a força”... e a linda metáfora de difícil tradução: “it´s out of the blue and into the black... e uma vez que você já foi, já não pode voltar quando você está out of the blue and into the black”.

Com esta canção apenas, Neil Young dá um corte profundo em si mesmo e se afasta definitivamente dos seus companheiros de geração do country rock, que àquela altura dos acontecimentos se transformara num gênero musical estagnado, conservador e repleto de artistas com mentalidade envelhecida que não queriam mais correr riscos ou estabelecer novos desafios.

De origem canadense, o ainda jovem Neil Young não hesitou em cruzar a fronteira rumo a Califórnia estimulado pela efervescência musical em torno do rock´n´roll. Ao lado de Stephen Stills criou o seminal Buffalo Springfield, mas sua inquietação criativa o levou a uma carreira solo. Ainda assim integrou o supergrupo Crosby, Stills, Nash & Young e apesar do aparente entrosamento entre eles, Neil se sentia tolhido e não hesitou em cair fora e se concentrar no seu próprio trabalho O que não o impediu de participar de inúmeros reencontros do grupo através das décadas seguintes.

Com uma carreira individual sólida desenvolvida ao longo dos anos 1970 quando lançou álbuns fundamentais como After the Goldrush, Harvest, On the beach, Tonight´s the night, Zuma e Comes a time, Neil Young se destacava como um extraordinário compositor e guitarrista que gostava de alternar trabalhos acústicos e elétricos.

Mas o fato é que Rust never sleeps, de 1979, representou uma ruptura dentro de uma só geração e, a partir dali, Neil Young jamais seria o mesmo. E ainda por cima, além de apresentar outros temas em suas letras, discorrendo sobre a crueza e sordidez da vida e do showbizz, ele expõe uma nova sonoridade principalmente em suas canções elétricas. A pegada ficou mais acelerada e a batida da bateria fica mais seca e marcante. A guitarra peculiar de Neil Young ganha mais agressividade e distorção, seus solos cortantes adquirem uma abordagem totalmente rock´n´roll.

Em 1979 a concepção de um álbum não podia fugir ao formato LP, com lado 1 e lado 2 e Neil escolheu o primeiro lado para ser acústico e o segundo para ser elétrico. Além disso, o disco trazia um certo ineditismo, pois grande parte das suas novas músicas foram gravadas ao vivo em shows ao longo de uma turnê. As canções acústicas seguem a sua tradição mas o enfoque é diferente e entre elas se destaca a faixa de abertura My my hey hey (out of the blue), Thrasher e a belíssima Pocahontas. Porem é no lado 2 que este renovado Neil se apresenta por inteiro junto a sua banda de apoio Crazy Horse que sempre esteve ao seu lado desde o inicio dos anos 1970 e o acompanha nesta sua metamorfose. E logo de cara começa com Powderfinger que conta a saga de um garoto que vive às margens de um rio e enfrenta um barco inimigo que se aproxima e ao tentar combater os forasteiros com o rifle do pai recebe um tirombaço e “vê tudo escurecer e seu rosto espatifar no céu”. Depois vem Welfare mothers, Sedan delivery e encerra o album de forma magistral com a versão elétrica e enfurecida da faixa de abertura que ganha o nome de Hey hey my my (into the black).

E não só isso, o próprio Neil fisicamente também estava mudado. O antigo visual hippie era coisa do passado. Cabelos curtos em vez de cabelos longos, calças de corte reto em lugar das calças de boca de sino, t-shirts em lugar dos camisões de linho de cowboy. A antiga e grande guitarra Gibson branca que sempre o acompanhava cedia seu lugar para uma reluzente Les Paul preta novinha em folha. O cenário de palco também chamava a atenção com gigantescos monitores de palco.

Mas não se iludam, não é todo artista que tem a coragem de mudar a si próprio de forma tão radical. Uma manobra deste porte pode se transformar num retumbante fracasso mas em se tratando de um cara com o talento de Neil Young esta guinada quase sempre se torna vitoriosa.

Com Rust never sleeps, Neil Young conquista uma significante parcela de um público mais jovem e vê seu nome alcançar o topo como um dos grandes do rock. E além de ser um excelente álbum é um alerta e uma tomada de posição de um artista superior perante o comodismo criativo que sempre ronda aqueles que já têm um nome estabelecido e respeitado. A senha é o próprio titulo do álbum, a ferrugem nunca dorme. E ela corrói por dentro, silenciosamente, imperceptível e quando aflora o estrago já está feito. O tempo é cruel e uma vez que você já foi, você não pode voltar, passa a estar “out of the blue and into the black”. E se você gosta dessa coisa chamada rock´n´roll traduza e interprete como bem entender mas não perca o sentido do que isto quer dizer.

Pirataria ou coisa assim - Parte II



por Nei Bahia

Era uma vez um cara que queria mandar umas músicas em formato mp3 para uns amigos, mais não conseguia. Por e-mail não dava, os arquivos ainda eram muito grandes; por ftp a Universidade não deixava, pois era um assunto pessoal, não acadêmico. Ele se queixou na cantina da faculdade e outro estudante ouviu, se interessou e foi tentar conseguir resolver o dilema. Nome dele: Shaw Fenning. Disso nasceu o Napster: a maior ação individual que a Internet gerou até hoje. As chamadas redes Peer to Peer (em bom português, rede que ligam usuário a usuário de forma descentralizada) meteram uma espada no coração da indústria da música e o monstro só fez crescer e ficar mais perigoso. Kazza, WinMX, Limeware, Áudio Galaxy são alguns dos filhos anabolizados dele. O universo das raridades foi talvez mais abalado que a parte formal da indústria musical.

O que era raro afinal de contas?

De repente, o que era exclusividade de uns poucos, a um click podia ser seu!

Porém, como muita coisa que circulava pelo colecionadores não tinha perfeição técnica, o formato mp3 apresentava um problema: como há perdas em algumas freqüências, era preciso achar uma alternativa. Daí nascem os chamados formatos “noless”, sendo o SHN e o Flac os que mais se tornaram comuns. Esses mesmo colecionadores também não se acostumaram com a forma caótica dos arquivos mp3 aparecerem. O sistema Furthur, desenvolvido por fãs das chamadas Jam bands americanas (Greatful Dead na pole position), onde shows completos eram trocados através de uma rede específica, foi uma das formas de tornar a troca de gravações raras mais disciplinada. Isso só foi possível com o aumento dos acessos via banda larga.

Eu pessoalmente utilizei muito esse sistema, que funcionava com uma peculiaridade: as buscas eram feitas a partir de uma lista de artistas que autorizava a gravação e a difusão pela rede desses registros. Cabe aí uma lembrança sobre as atitudes que alguns artistas tiveram sobre pirataria. O Black Crowes chegou a reservar um espaço pra quem quisesse gravar seus shows, com direito a área reservada na platéia pontos de energia pra ligar os equipamentos de gravação, (além de também participarem do sistema Furthur). Frank Zappa comprou piratas pra depois fazer sua próprias edições deles, sem mexer em quase nada (a série chamava Beat the Boots), ao contrário da “Bootleg series” de Bob Dylan (primeira parte desra série), onde as gravações receberam tratamento sonoro e parte gráfica especial.

Quando eu poderia imaginar que um dia ia ter problemas de onde colocar tantos piratas do Stones (tenho a série Ultra Rare Trax quase toda), ter mais de 20 bootlegs do Van Halen, ter shows de bandas como Bad Brains, Rollins Band, Living Colour e Mothers Finest como uma coisa comum, “descartar” coisas do Led Zeppelin, só ficando com aquilo que tinha boa qualidade sonora e da época que mais me agradava. Até o acabamento está facilitado, com milhares de sites contendo capas e encartes para essas gravações. Nesse ponto recomendo uma visita só pra ilustrar ao “Zeppelin Art” , onde você pode ter noção do que circula por aí de coisas do Led, assim como a “VH boots” que faz o mesmo com a maior banda americana de todos os tempos.

Com a velocidade que Internet se otimiza, o negócio tá ficando cada vez melhor. Agora o domínio é do Bittorrent, sistema de download que onde a contrário de tudo que venho antes dele, quanto mais gente tiver acessando o arquivo, mais rápido ele será completado. Sua capacidade torna possível DVD´s inteiros serem trocados pela rede. Coisas como “Cocksucker Blues”, documentário maldito de uma tour do Stones, com imagens feitas em aviões e hotéis no início da década de 70 de repente se tornam quase vulgar.

Por fim fica a dúvida: o que é a obra de arte hoje?

Um serviço?

Um bem?

Acho que nenhum deles, ou todos eles juntos. Alguém se arrisca num palpite?

Siberia e outros exílios



por Marcos Rodrigues

Na música pop de alcance global pouca coisa é mais atual (e relevante) que parte do rock inglês que foi gestado no fim da década de 70 e início dos 80. Londres, Montreal e New York desses anos zero estão ai repletas de novas crias que devem sua existência ao Killing Joke, ao Cure, ao Gang of Four, ao Joy Division, enfim, o rol é longo. São bandas como Strokes, Bravery, The Killers, Franz Ferdinand, Kaiser Chiefs, Stills e um monte de outras que a imprensa especializada noticia com voracidade.

Mesmo com toda essa movimentação, looking back with anger, algumas bandas que surgiram no período continuam como monolitos intocáveis. Verdadeiros K2 olhando imponentes para os que tentam se atrever a escalá-los e respirar ares tão rarefeitos. Aqueles mesmos ares que Nietzsche um dia preveniu aos que pretendiam seguir seu pensamento. O Echo and The Bunnymen é uma dessas bandas.

Surgida em 1978, em Liverpool, a banda formada por Ian McCulloch e seu fiel escudeiro Will Sergeant atravessou o último quarto de século com dignidade e, mesmo com episódios trágicos como a morte do baterista Pete de Freitas, tem escrito uma trajetória marcada por muitos mais pontos altos que baixos. Os que acompanham a banda nunca vão deixar de citar os álbuns da primeira fase como Crocodiles e Heaven Up Here (já resenhado aqui por Sir Bola), mas também não fecharão os ouvidos para a nova fase dos Bunnymen, com o lançamento do belo Flowers, em 2001.

O mais novo trabalho dos homens-coelho saiu no final do ano passado - Siberia - mas agora é a hora de lhe dar a devida atenção. Não só porque as chuvas de março, enfim, vêm tirar a máscara da alegria artificial do verão nos tristes trópicos, como também porque no próximo fim de semana Ian McCulloch e Will Sergeant estão de volta ao Brasil para duas apresentações, Belo Horizonte e São Paulo.

Não deixa de ser pertinente o nome escolhido pelo Echo and The Bunnymen para este último trabalho. Estão completamente conscientes da espécie de autoexílio em que se colocaram, assistindo ao largo a produção atual que oscila entre maneirismos do Cure, do Gang of Four, do Joy Division/New Order. Os Bunnymen não têm nada a ver com isso. Fizeram um caminho e apagaram os rastros - quase todos ;). A voz melancólica inconfundível de McCulloch, um pouco mais calibrada pela vodka e pelos maços de Marlboro; canções grandiosas, épicos líricos; letras à flor da pele, naquele fio da navalha onde muitos derrapam para a pieguice. E camadas e camadas de uma fina e sofisticada tapeçaria sonora à cargo das guitarras e violões de Mr. Sergeant. Floreios, repetições, delays. Uma escola à parte, de um único mestre e um único aprendiz.

Siberia está entre o que a banda já fez de melhor. O lirismo cinza de Ian McCulloch continua encontrando porto seguro nos delicados dedilhados de Will Sergeant e nas linhas poderosas de baixo que o postpunk legou ao rock'n'roll. Nesta Siberia reencontraram também o auxílio luxuoso do veterano produtor Hugh Jones, a mão por trás de Heaven Up Here (1981) e que soube mais uma vez captar a atmosfera etérea do Echo and the Bunnymen. Quanto ao baterista não, claro, não é Pete de Freitas, mas Simon Finley vai surpreender muitos fãs; ouçam Of a Life, Siberia ou Scissors In The Sand.

As canções se sucedem. Stormy Weather, All Because Of You Days, Baby... maybe sometime / Maybe next time / We'll say hi..., Parthenon Drive que nos leva de volta à Porcupine, além da magistral faixa-título, que tem uma batida que com certeza deixou De Freitas sorrindo em algum lugar. Where am I / Still trying to find the light / That burns the northern sky / A rarer borealis. Neste exílio também nos encontramos. Onde o sol às vezes ofusca corações e mentes, procurar (e encontrar) raras auroras boreais ainda continua coisa para poucos. Ainda bem.

Pirataria ou coisa assim



Por Nei Bahia

Você passa na rua e ouve alguém gritando:

- Dvd é 8, cd é 3!! ...chega mais perto e vê que os shows do U2 e dos Stones já podem ser comprados nos mais variados formatos. Onde tudo começou?

Peça a sua máquina do tempo pra te levar até os anos 40, nos clubes de jazz de Nova York e Los Angeles e lá vc já vai encontrar fãs gravando Charlie Parker e companhia. Graças a esses caras, uma parte da história do Jazz pôde ser contada, mais especificamente o nascimento do Bebop. Mas porque pirata?

O nascimento da expressão vem das rádios comerciais surgidas na Inglaterra depois do fim da segunda guerra. Como a radiodifusão era monopólio da BBC alguns empresários tiveram a idéia de colocar em barcos, transmissores de ondas curtas em águas internacionais e apontar suas antenas para o território da rainha. Essas rádios tinham inclusive patrocinadores, algo impensável para Inglaterra, mas banal nos EUA. O outro nome que os discos com raridades e gravações não autorizadas ganharam e que se tornou o mais usado para se distanciar da expressão “pirata” que passou a ser usada também para imitações de produtos famosos é “bootleg”. Ele vem da época da lei seca, onde nos EUA se proibiu vender álcool, algumas pessoas passaram a trazer no cano das botas de montaria algumas garrafinhas de Bourbon canadense; isso antes de Al Capone facilitar as coisas.

Os bootlegs são um caminho alternativo para você conhecer a história de um artista. Neles vão estar as primeiras versões daquilo que depois virou sucesso, ou não, as vezes com letras ou arranjos diferentes. Também estão lá os covers que revelam com clareza as influências de cada artista. As vezes acabam revelando a quanto era diferente o trabalho do artista, como o tempo se encarregou de mudar o modo de pensar dele. Bob Dylan é um caso clássico; os bootlegs mostram a sua passagem de bardo folk para o primeiro poeta do rock’n’roll (ilustrando essa matéria está a capa de um deles), que seguido pelos discos oficiais faltava algumas peças. Ele mesmo sempre soube disso, tanto que foi um dos artistas que lançou gravações antes ilegais, que já está no seu volume 7 e sem cara que vai parar tão cedo.

Os piratas podem aparecer de várias formas, mais 3 delas são mais tradicionais:
- gravação de show direto das mesa, as vezes por ter havido transmissão de rádio ou TV, mais na maioria dos casos através algum “acordo” com um técnico de som;
- out-takes; aquelas coisinhas que ficam no fundo do baú, que não agradaram de alguma forma, mais que alguém “vacila”, e como num passe de mágica aparecem para deleite dos mortais;
- gravações de platéia, que são as de pior qualidade, produto da paciência de um fã que se propõe a ficar 2 horas com um gravador captando no que rola no show.

A partir dos anos 70 aparecem os selos piratas, na maioria na Itália e na Alemanha, onde brechas na legislação tornavam possível comercializar os discos e vender para o resto do mundo. Essas gravadoras chegaram até a era do cd e ainda hoje, mesmo depois do gravador de cd ficar mais vulgar que um ferro elétrico, ainda sobrevivem. Swinging pig, KTS, Live storm , são alguns dos mais famosos, além da Octopus, que apareceu só na fase dos cds , e se apresentava como vinda da Tchecoslováquia.

Só que tudo isso foi atropelado por um furação chamado Internet, que mudou todos os paradigmas no que diz respeito ao acesso a gravações de shows e o conceito de raridade de uma gravação foi simplesmente pulverizado. Mas, isso é assunto para a segundo parte da nossa saga.

Urucubaca Blues



Governo do Brasil / Ricardo Stuckert

Lula ‘tira uma onda’ com a guitarra de Kravitz

por Miguel Cordeiro

Muitas são as semelhanças entre Lula e Collor apesar da cartilha, supostamente, diferente e antagônica. Ambos utilizaram a mídia e o marketing com voracidade. Collor exibia em suas camisetas mensagens da sua própria filosofia. Lula coloca inúmeros bonés na cabeça e faz uso de metáforas para divulgar aquilo que ele acha que sejam atos do seu governo. Collor tinha PC Farias e justificou suas maracutaias através da Operação Uruguai. Lula tem Delúbio Soares & Marcus Valério e justificou suas bandalheiras com a prática do caixa dois. Collor se dizia atleta e andava de jet ski nos lagos de Brasilia. Lula se diz um craque e joga pelada nos campos do palácio. Collor gostava de MPB e musica sertaneja. Lula curte MPB, venera Zeca Pagodinho e gosta de música sertaneja. Collor tinha um forte apelo popular, era apoiado pelas camadas menos esclarecidas e se elegeu com a ajuda da direita oligárquica. Lula tem um discurso lapidado para atingir as massas e as camadas menos esclarecidas e foi eleito com o apoio da direita oligárquica (Sarney e ACM). Collor teve em Renan Calheiros um importante aliado e que foi integrante da sua tropa de choque. Lula tem em Renan Calheiros um importante aliado e que integra a sua tropa de choque. O esquema de corrupção do governo Collor envolveu um automóvel: uma Fiat Elba, uma carroça como se dizia naquela época. O esquema de corrupção do governo Lula também envolveu um automóvel: um Land Rover, um jipão sofisticado.

Enfim, Collor e Lula correspondem aos lados opostos de uma mesma moeda num universo que se move dentro de parâmetros mutáveis e dinâmicos. Neste inicio do século 21 tanto a esperteza capitalista selvagem de Collor quanto a falsa ingenuidade bolchevique de Lula são propostas obsoletas e inúteis.

Lula escolheu Gilberto Gil para ser seu ministro da cultura e para dinamizar, incentivar e inovar a burocracia cultural do estado. Mas o que Gil fez de relevante, em termos práticos, até agora? Muito pouco. Trabalhou e deu expediente (?!!) no ministério e fez shows pelo mundo afora cacifado pelo cargo oficial de ministro de estado. Acompanhou o presidente em viagens internacionais aproveitando os eventos diplomáticos para dançar ou dar uma canja. Dividiu burocraticamente, teoricamente e de forma autoritária a cultura em dois tipos. Uma de elite (no linguajar do presidente, “da zelite”) com significado pejorativo e que seria feita por pessoas de nível cultural mais “sofisticado” e porisso, dentro da visão bolchevique, uma manifestação burguesa e desprezível; e uma outra “popular”, que “emana do povo” e produzida por pessoas sem refinamento cultural, e assim, dentro desta mesma visão bolchevique, uma manifestação autêntica e cheia de virtudes.

O ministério de Gil também tentou fazer um controle da produção cultural através da famigerada Ancinav. Também não incentivou nem promoveu a diversidade em regiões onde o coronelismo cultural ainda impera. Existe o Gil que vai ao Tim Festival assistir o Brian Wilson dos Beach Boys, que ele considera um "gênio" e existe o Gil que vai ao festival de grupos folclóricos do interior do Piauí, que ele diz serem "geniais". Mais político, impossível. Mais demagogo, impossível.

Antes da era Lula era chique o artista e o intelectual serem de esquerda. E eles eram figurinha fácil nos meios de comunicação dando pitacos, apontando o dedo para a corrupção e fazendo críticas ferrenhas aos governos de então. Para eles Lula era quase uma entidade divina, uma espécie de ilusionista que num passe de mágica resolveria todas as nossas mazelas. E agora depois de Delúbio Soares, Zé Dirceu, do mensalão e dos dólares na cueca os intelectuais e artistas de esquerda sumiram, ficaram mudos. Mergulharam num silêncio cúmplice e covarde prestando um grande desserviço ao Brasil.

Estamos vivendo um momento importantíssimo da nossa história e não devemos fazer de conta de que nada está acontecendo. Estamos no fundo de um poço fétido, enganados por um bando de gente que pregava a ética e a moralidade, e que ao chegarem ao poder se revelaram iguais a todos os outros que já passaram por lá, deixando evidente um enorme despreparo e nenhum projeto de governo. E, paradoxalmente, as únicas coisas que ainda mantém este governo em pé é o continuísmo de políticas iniciadas por administrações anteriores, algumas delas rebatizadas com outro nome e acompanhadas por uma avassaladora publicidade como se eles fossem os inventores da roda. O que estamos assistindo é apenas um projeto de se manter no poder através de práticas abomináveis. Tem ainda alguém aí que acredita?