Velhas Virgens, o bom e velho rock'n'roll



por Cláudio Moreira

Fazer por 20 anos um rock lascado, em bom português, sem vergonha de ostentar a maldita tríade dionisíaca de álcool, sexo e rock and roll. Essa é a marca do grupo paulista Velhas Virgens: um verdadeiro baluarte do rock brasileiro que sempre trilhou seu caminho longe de modismos musicais. Goste-se ou não da estética classic rock das Velhas Virgens, não se pode negar que o grupo faz um trabalho de muita qualidade e autenticidade. Antes do show realizado em terras baianas, na noite do dia 12 de maio, no Rock in Rio Café, o colaborador do Clash City Rockers que vos escreve motorizou devidamente a cabeça (era meu aniversário!) e deu um pulo no backstage para bater um papo rápido com Paulo Afonso Macedo de Carvalho, 40 anos, mais conhecido como o Paulão das Velhas Virgens. Compositor, cantor e líder da maior banda de rock independente do Brasil, a figura gente fina é um roqueiro de linhagem old school daquele tipo idealista cultural que sabe amar, antes de tudo, a boa música. Destilou torpedos pra lá de sinceros sobre o rock, samba, jabá e o tal do sucesso e fez um show com sua trupe, que gerou uma catarse impregnada do mais puro rock and roll, agradando em cheio o público de rockers (não, não, não, os moderninhos de plantão não apareceram!) e até uma surpreendente ala feminina. Todos se divertiram com a performance teatral das Velhas Virgens, que não deixaram pedra sobre pedra com suas guitarras no talo, back vocal sexy e letras cruelmente verdadeiras cantadas em coro. Terminado o show, a celebração dionisíaca invadiu a madrugada. Só que a parceira dessa aventura não era velha e muito menos virgem.


- O novo cd "Cubanajarra" segue a velha tríade conceitual sobre sexo, álcool e rock and roll?

- Estamos lançando o "Cubanajarra" no final de maio e é o nosso sétimo cd. De certa forma, nós fizemos algumas experiências sonoras, mesmo nessa praia de rock and roll nos últimos discos. Até tentando achar algumas alguns outros temas, que não fosse essa tríade. Mas, eu enchi um pouco o saco de querer plantar alguma coisa e voltamos extamente a esse tema. Então, esse sétimo disco parece muito com os dois primeiros. Então, eles falam basicamente de boemia, de putaria e de bebedeira. E tocando rock and roll reto pra caralho.

- Eu acho o texto de vocês com um fundo crítico apesar de toda carga hedonista.

- O nosso critico é como Nelson Rodrigues. E meio que observando o comportamento das pessoas e dessa coisa de hipocrisia, de fingimento social, do medo que as pessoas têm de assumir sexualidade, de falar de sexo. Em alguns discos, como no "Srº Sucesso", tem a música (a que dá titulo ao cd) que fala dessa coisa da indústria fonográfica, de obter o segredo do sucesso. A gente critica pra caralho. E aí chegamos a conclusão que deveríamos fazer de novo um disco de rock and roll reto. Esse disco foi feito em um mês, foi muito rápido

- Eu acredito que as Velhas Virgens têm um público em potencial muito maior do que você imagina em Salvador. Vocês são a maior banda independente do Brasil. Qual é a licão que a banda pode passar para outros grupos que querem persistir nesse caminho de integridade artística e de conquista gradativa de publico?

- É saber que a realidade é você subir no palco e fazer um puta show. E conversar com as pessoas, utilizar-se da internet, que e uma forma muito legal de se aproximar dos fãs em qualquer parte do mundo. E basicamente acreditar nessa integridade de fazer um som, ter uma cara e batalhar em cima daquilo. E ir para para a estrada e correr atrás do trampo sem ficar com essa ilusão de ser super star, de querer aparecer. Tem de pensar em fazer o que curte e bem feito porque a internet permite que você faça seu trabalho sem depender da mídia comum, do jabá e do cacete a quatro?

- Voltando ao assunto do jabá, que vocês tratam em "Srº Sucesso", como analisa a iniciativa de artistas em proporem a votacão de um projeto de lei para acabar institucionalmente com o jabá, esse mecanismo tão prejudicial com a diversidade musical na mídia?

- Eu acho que tem de ser feita alguma coisa para se acabar com essa corrupção descarada e pelo cultura, que é a musica. Não tem razão de acontecer, entendeu?! As pessoas precisam se movimentar e a gente apóia isso completamente. Porque a porra da radio deveria divulgar o que acontece e não ser comprada por gravadora ou pequenos grupos com grana por aí. Nós estamos juntos nessa idéia.

- Musicalmente quais são as suas influencias? Sei que você é fã do AC/DC e eu também sou muito.

- Na veia! (me mostra a tatuagem do AC/DC num dos braços)

- Porra!

- Nós vamos tocar hoje com uma das nossas grandes influências foderosas, que é o pessoal do Camisa de Vênus. Eles e o Ultraje a Rigor são as duas maiores bandas no rock brasileiro cantado em português que nos influenciaram.

- E lá de fora?

- AC/DC, ZZ Top pra caralho, Credence. Eu gosto muito de hard rock.

- Thin Lizzy?

- Também.

- Wishbone Ash?

- Não. Esse eu não conheço muito não. Tenho ouvido White Stripes, Audioslave, The Darkness, que é um lance de recuperar toda essa coisa meio glam-glitter do caralho. Mas, ouço ao mesmo tempo, Moreira da Silva, Bezerra da Silva, Adoniran Barbosa, Zeca Pagodinho, letras de samba do morro, samba de malandro. Acho que o rock brasileiro fica meio careta demais, meio patricinha demais, meio...

- Colonizado?

- É! E com essa linguagem do samba, mas o samba legal, não samba pagode podre de butique, que isso não interessa. Esse samba maneiro que falei, os caras conseguem achar uma linguagem mais próxima do boteco, da cachaça mesmo e da vida real das pessoas. Eu ouço isso para me inspirar para as letras que a gente faz.

- Como vocês conseguem chegar a essa métrica das letras em português dentro da linguagem rock? Porque você pode transpor aquele jeito de cantar rock em inglês para o português, mas poucas bandas no Brasil conseguem chegar a essa métrica, como as Velhas Virgens, Cascadura e Mustang.

- Cascadura é do caralho! Fabão! Puta banda! Essa atitude de dizer que rock and roll não serve para português é uma atitude de covardia poderosa. Pode dar mais trabalho porque é a mesma coisa de tocar samba em inglês. É mais complicado porque a linguagem original é o português, mas da para você correr atrás dessa história. É basicamente observar as pessoas e ir tirando crônicas dessas coisas do comportamento das pessoas. Achar boas letras, sem simplesmente ficar como versões. Você tem uma letra em inglês, ela tem uma característica muito forte, pois elas têm uma característica muito forte das palavras por terem vários sentidos. Então, você sempre parece muito poético em inglês porque ele é muito especifico. Então, você tem de saber do que está falando, cara. Eu acho que, na verdade, o escrever em português é um risco, mas você tem de correr esse risco.

- A geração mais nova que curte rock de uma forma geral, apesar de toda informação pulverizada via internet não tem uma leitura, digamos assim, mais antropológica desse universo rocker. Por exemplo, a garotada de hoje que curte Linkin Park, mas nem sonha em conhecer o Grand Funk Railroad. Nao falo num tom saudosista, mas falta conhecer a linha evolutiva do rock. Como as Velhas Virgens conseguem fazer rock and roll no Brasil sem ser colonizado, tendo respeito pela tradição e modernidade ao mesmo tempo, sem soar retrô?

- Ouvindo, ouvindo pra caralho. Cresci ouvindo Credence, Beatles e Stones. Sempre pesquisei muito isso, tanto pelo lado do Brasil para saber as raízes da Jovem Guarda e da Pré-Jovem Guarda quanto conversei com Tony Campelo e Eduardo Araújo para me informar sobre a historia de rock brasileiro mesmo, procurando achar essa linguagem adequada, entendeu?! Eu acho que é basicamente isso. Se você quer tocar alguma coisa, você tem de se informar sobre ela. Hoje, pela internet, tudo é mais fácil. Você baixa pelo Kazaa, você tem informação ali na hora. Você precisa de cifra, você baixa. Não é aquela historia de você ficar ouvindo a música para tirar de ouvido. Velho, o que as pessoas precisam ter e aquilo que Raul falou: "é preciso ter cultura para cuspir na estrutura!". Você precisa se informar das coisas, tentar ouvir mais coisas e não ficar ouvindo só uma influência.

- E ter uma visão mais critica em relação ao próprio rock?

- É. Nós vivemos uma fase de que o funk carioca toca pra todo lado, não por ser carioca, mas por ser um lixo, ser monocórdio, por ter discursos rasteiros. Não por falar putaria, mas rasteiros por não ter formação mesmo. Então, as pessoas deveriam ver de onde vem isso. De onde veio essa musica negra? Ela veio da Montown? Ela veio do soul, do jazz? Basicamente, você quer ser cozinheiro? Então, aprenda novas receitas. Experimente outros pratos. É isso.

- Voltando ao tema da cultura rocker para encerrar. Qual seria a grande lição, em termos de carreira artística que as Velhas Virgens com seus 20 de estrada de trabalho no Brasil teria para passar para o público?

- Eu acho que, quando você fala a real e se expressa com honestidade, as pessoas compreendem. Mesmo que elas te achem preconceituoso ou não gostem de rock, elas vão respeitar teu trabalho. O conselho que eu dou para quem gosta de rock e tem uma banda é não desistir de fazer a coisa do ponto de vista artístico. Quer dizer, do jeito que ele acha que tem de ser e não do jeito que ele acha que vai dar certo para ganhar dinheiro. Não é visar o dinheiro e a fama. Dá uma satisfação pessoal fazer o que você gosta. Quando você faz o que gosta, velho, fatalmente você vai atingir as pessoas. Fatalmente, você contagia as pessoas.




Hüsker Dü, Warehouse: Songs and Stories

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por Sergio 'Cebola' Martinez


Foi com este álbum duplo de 1987 que conheci o Hüsker Dü, trio de Minneapolis que antecipou em anos a urgência roqueira que se estabeleceu a partir da década seguinte, catalisada pelo grunge de Seattle, e que deu as cartas no período. De raízes punk, mas com um pé nas melodias sixties, o Husker Dü é mais uma daquelas bandas que, apesar de nunca terem sido hype (eta palavrinha enjoada!), influenciou gerações de bandas anos afora. Seus álbuns anteriores, mais viscerais, agressivos e sujos, sempre possuíam uma pontinha de melodias doces, folk, quer dizer, folk punk, se é que este monstro existe. Era como se os Byrds, ou até os Beatles, tivessem algo a ver com o levante de 76. Bob Mould, guitarrista, influenciou, com seu estilo entre sutil e explosivo, delicado e esporrento, gente do quilate de Black Francis, Kurt Cobain, Paul Westerberg e tantos outros. A "cozinha", por conta de Grant Hart (bateria, composições e vocais) e Greg Norton (baixo) era nervosa, pesada e precisa, como tem que ser. Formados nos idos de 79, foi, lado a lado com os Replacements de Paul Westerberg, a banda que uniu a urgência punk de Buzzcocks, Pistols e Ramones, àquela maravilha, então esquecida, dos anos 60, os Byrds de Roger Mcguinn e David Crosby. Imagine um REM punk, é mais ou menos por aí.

Mas a perfeita união de todos estes elementos, o ponto onde essa idéia se consuma com perfeição, em uma coleção irretocável de canções é neste disco gravado no segundo semestre de 86 e lançado no ano seguinte. O Zen Arcade de 84 é normalmente considerado sua obra prima. Também duplo (vinil duplo), era um álbum mais experimental, conceitual, extremo. Vai de baladas acústicas à demência psicodélica sem cerimônias. Mas em Warehouse: Songs And Stories, as canções de Bob Mould e Grant Hart se intercalam compondo uma coleção de pequenas gemas pop, em uma saudável competição entre os dois "cabeças" da banda, cada qual cantando sua composição. O título, exato, já dá a dica do que é o disco: Um "armazém" de canções, de estórias, de doces melodias, guitarras por vezes emulando dedilhados byrdianos, por vezes saturadíssima e distorcida, mandando ver em riffs e fraseados marcantes, "grudentos" e precisos. E com versos alternando paz, melancolia, esperança, frustrações e redenção. É como uma coletânea, apenas uma reunião de canções, mas cujo frescor e beleza dão de dez em muita pretensão "artística" cabeçuda que permeou os anos 80. Somente rock´n´roll, como se diz por aí.

Eu poderia ficar durante horas falando deste disco, foi muito importante pra mim, e, acredito, pra todo o rock das décadas seguintes, mas em Warehouse, o ponto é a simplicidade e concisão, apesar de duplo, além da honestidade. São vinte canções para aprender e cantar. Se você é daqueles que ainda se arrepia ouvindo uma melodia tocante, que se emociona com uma letra que parece falar pra você pessoalmente, que ainda acha ser possível encontrar perfeição em uma musiquinha de três minutos, que não liga se seu amigo te diz que você está ultrapassado e decrépito por gostar deste velho cinquentão chamado rock´n´roll, que acha, como eu, que ninguém, NINGUÉM, nem jornalista antenado, nem indie descolado, nem maracatueiro empertigado, nem eletrônico plugado, ou eclético descabelado, tem a chave do que se passa dentro de você, do que você acredita ou deixou de acreditar, do que você precisa ou não suporta mais, dê um tempo, relaxe, curta o Warehouse...ele é pra você.

The Smiths, The Queen Is Dead



por Marcos Rodrigues



Em tempos de invenção de clássicos, fiquemos com quem realmente fez história. Antes que mentiras contadas por diversas vezes tornem-se verdades.


1986 foi um ano emblemático para o rock no Brasil. Na esteira do primeiro Rock In Rio (1985), uma enxurrada de informações sobre música pop chegou ao país. Ecos atrasados da new wave norteamericana, do punk e do postpunk inglês se atropelavam, juntos no mesmo caldeirão das diversas vertentes do rock britânico contemporâneo àquela segunda metade dos anos 80. Anorak, shoegaze, noise, suedehead, industrial, gótico e mais as aproximações do rock com os gêneros dançantes como a house e o northern soul, que desembocou em bandas como Happy Mondays.

A nascente revista Bizz tentava processar tudo isso e, ao mesmo tempo, dar conta da explosão de bandas nacionais em Brasília, Porto Alegre, São Paulo, Rio de Janeiro, Salvador e Curitiba. Com um grupo de jornalistas que consideravam que o verdadeiro Woodstock havia se dado num dia qualquer do verão de 77, quando os Sex Pistols tocaram na cinzenta Manchester (assistam 24h Party People, está tudo lá), a Bizz foi fundamental na difusão do moderno rock inglês nas metrópoles brasileiras. Entre muitos erros (Sigue Sigue Sputnik e congêneres) e alguns acertos, a revista ajudou a indústria fonográfica aportar bem por aqui uma banda fundamental: The Smiths.

Aos que não conhecem e aos que já ouviram falar mas torceram o bico e perderam a chance de conhecer corretamente a última banda original, The Smiths mereceram todo o hype que tiveram. O tempo só comprovou a magia que foi o encontro da poesia ácida e os vocais de Steven Patrick Morrisey, com a guitarra de dedilhados celestiais de Johnny Marr. A banda continua inimitável.

De onde saiu aquele som? Quem os precedeu? Um quê do rock dos anos 50, desconstruido e reprocessado, na linha angulosa do baixo de Andy Rourke? Algo do pop dos 60 nas batidas econômicas e precisas de Mike Joyce? A herança do som de Manchester não era suficiente. Por mais que o punk processado pela velha cidade industrial tenha nos legado o Buzzcocks e o Magazine e, aqui e ali, se perceba a velha raiva britânica nos Smiths, o som ia além. Morrisey, um tenor exigente munido de belos falsetes, era presidente de um fã clube devotado ao New York Dolls. Mas a resposta também não chega por ai. Como uma banda das ilhas britânicas, trinta anos depois que Rock Around The Clock havia sido gravada, ainda poderia criar uma sonoridade absolutamente nova? E mais do que isso; fascinante. A letra de How Soon is Now pode explicar um pouco "I am the son and the heir of a shyness that is criminally vulgar / i'm the son and heir of nothing in particular (...)". Completava a aura da banda, a aversão por videoclips e entrevistas; a sexualidade ambígua de Morrissey (ele se declarava celibatário) e uma concepção gráfica espartana para a capas, que privilegiavam o rosto humano, em nuances monocromáticas.

James Dean, Oscar Wilde, The New York Dolls e estrelas femininas dos anos 60 compunham o universo desencantado de Morrisey. Johnny Marr era o fiel escudeiro que embalava tudo isso em delicados fraseados. Uma guitarra semiacústica, alguns delays, distorções discretas e certeiras. E era isso.

A banda, que surgiu em 84, com alguns singles que deixaram a Inglaterra intrigada, lançou uma sequência de petardos em vinil pelo selo independente Rough Trade; todos absolutamente indispensáveis. Ainda que seja difícil destacar um só álbum na curta carreira dos Smiths, impossível mesmo é passar ao largo de "The Queen is Dead". O disco é mutas vezes descrito, em diversas listas, como 'o melhor de todos os tempos'. Exagero? Bom, digamos que o álbum tem outros concorrentes à altura. Mas definitivamente ali está um daqueles momentos em que o rock consegue ser sublime. Em que criadores se superam e fazem história. Canções como Bigmouth Strikes Again, com sua mítica introdução; There's a light That Never Goes Out; Cemetry Gates; Some girls are bigger than others; I Know it's over e a 'blockbuster' The boy in the thorn in his side são clássicos incontestes. Estão ai, fazem parte do patrimônio da música pop do mundo. Soam atuais, soam eternas.

Ecos dos Homens-Coelho

foto Caroline Bittencourt

Ian McCulloch em São Paulo

por Yara Vasku

Agora posso ir a qualquer show em Salvador que vou achar perto e de fácil acesso. No último sábado, dia 29, sem grana e sozinha, peguei ônibus, trem e táxi para chegar ao Credicard Hall, em Santo Amaro, São Paulo. Uma vez lá, resolvi relaxar, afinal tinha chegado muito cedo, às 20h, e o show do Echo & the Bunnymen estava marcado para às 22h. É que tinha comprado o ingresso pela internet e para pega-lo, deveria chegar até 1 hora e meia mais cedo. Mas, tudo isso só serviu para que o tal destino me ajudasse a não gastar mais de R$ 60,00 de táxi para voltar, sozinha, na madrugada, para o centro.

Então com o ingresso na mão, fui fumar um cigarro e olhar o povo que chegava. Ainda poucos, mas já dando uma mostra do que viria a ser o público do show: metade formada por pessoas que curtiram a banda nos 80´s e a outra metade formada por recém saídos da adolescência. Estes, todos, vestidos de preto, casacões e botas, maquiagem estranha, reforçando a estética inicial do Echo, uma coisa meio dark, meio gótica.

"Olha a Skol gelada aí". Dei uma olhada em volta e vi, escondido atrás da grade e entre os arbustos, um único e solitário vendedor de bebidas com seu isopor. Na mesma hora sentou-se ao meu lado um dos seus compradores que logo avisou "não tá muito gelada, não, mas deve ser mais barato que lá dentro". Comprei uma e fiquei sabendo, pelo vendedor, que o movimento tava bem fraco para uma casa daquele porte. "Precisa ver quando é o Chiclete com Banana, moça, isso aqui fica cheio. Só de isopor tem mais de 50". Socorro!

Conversa vai conversa vem, descobri que meu novo amigo gaúcho tava puto por ter gastado uma grana de táxi para chegar. "Assim vou gastar mais de transporte do que no ingresso". Sugeri dividirmos o táxi na volta e, uma vez, acertado, relaxei de vez e comprei quantas cervejas tinha vontade... No nosso papo, meu novo amigo disse que tinha visto todos os outros três shows da banda no Brasil. "Tomara que eles estejam animados e toquem mais de três horas, como da última vez".

Quase na hora do show, muito mais gente tinha chegado, mas não o suficiente para encher o local. Aí, o destino me ajudou mais uma vez. Tinha comprado ingresso para a parte superior (mais barato, porém mais longe), mas na hora da entrada, nos orientaram que este espaço não seria utilizado e, assim, deveríamos trocar nossos ingressos para a pista ou cadeiras.

Peguei cadeira, mas com acesso à pista quando bem quisesse. O que fiz. Aí foi a vez de conferir de perto Ian McCulloch e banda. Ao vivo, como deve ser, mais rock´n´roll que nos discos. Ele se acabando de cantar e fumar ao mesmo tempo, os demais tocando muito e, para completar, uma iluminação muito bacana em que se alternava cores e sombras de forma bem divididas.

A banda abriu a apresentação com "Going Up", primeira faixa do disco de estréia, "Crocodiles", de 1980. Outras quatro músicas desse álbum fizeram parte do show: "All That Jazz", "Villers Terrace", "Rescue" e "Do It Clean". Na seqüência, o show foi uma teia de músicas no novo disco, "Siberia" (2005), como "Stormy Weather", "In the Margins" e "Scissors in the Sand", e de clássicos, principalmente dos anos 80. Aí, era uma sucessão de hits e de fãs enlouquecidos com "Bring on the Dancing Horses", "Lips Like Sugar", "The Disease", "Rescue", "The Killing Moon", entre outras. Além das músicas de "Siberia", do material mais recente a banda tocou apenas "Nothing Lasts Forever", de "Evergreen", disco que marcou o retorno do Echo, em 1997. O repertório também incluiu um cover de "Roadhouse Blues", dos Doors, e outro de "Walk on the Wild Side", de Lou Reed.

O grupo, que já teve diversas formações, se apresenta com integrantes de sua escalação original, McCulloch e o guitarrista Will Sergeant. Completaram a banda o baixista Peter Wilkinson, o baterista Simon Finley e o tecladista Paul Fleming.

Veja abaixo o set list:

Going Up / Show Of Strenght / Stormy Weather / Seven Seas / Bring On The Dancing Horses / The Disease / Scissors In The Sand / All That Jazz / Back Of Love / The Killing Moon / In The Margins / Never Stop / Villiers Terrace / Roadhouse Blues / Of a Life / Rescue / The Cutter.

Bis 1
Nothing Lasts Forever / Walk On The Wild Side / Lips Like Sugar

Bis 2
Do It Clean / Ocean Rain

Hey Bo Diddley!!

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por Miguel Cordeiro

Quem era aquela figura que de vez em quando aparecia naqueles programas musicais americanos dos anos 1960 e que eram repetidos aqui na televisão brasileira? Quem era aquele negro da pesada, meio rechonchudo, cabelo alisado com ferro quente e um vistoso topete, óculos de aros grossos e paletós esquisitos? E aquela levada, elétrica e desconcertante, própria e peculiar, cheia de reverb e distorção que se assemelhava ao ruído de um trem sacolejando sobre os trilhos? E que banda simpática era aquela que o acompanhava e que contava com uma guitarrista de postura blasé (The Duchess) que fitava tudo com o canto do olho e um percussionista tocador de maracas (Jerome Green) que tinha uma marcação alucinante? E aquela dança engraçada que ele fazia enquanto se apresentava? E aquela incrível guitarra vermelha que ele usava em forma de caixote de maçã?

Aquela figura era Ellas McDaniel, nascido Otha Ellas Bates no estado do Mississipi em 1928 e que conquistou o mundo pela alcunha de Bo Diddley. Ele, ao lado de Chuck Berry e Litlle Richard seriam assim os pilares fundamentais, o triunvirato negro que estabeleceu os parâmetros de tudo. Little Richard foi o transgressor, o portador do grito primal – uóp bop loom uóp lop bam bum. Chuck Berry definiu a guitarra do rock e foi o grande poeta contador de histórias. Já Bo Diddley seria o mentor sonoro de toda a coisa, o inventor, o originador da batida selvagem e tribal daquilo que veio a se chamar rock´n´roll.

Criado por uma tia que com ele se mudou para Chicago ainda no início dos anos 1930, o garoto Ellas lá despertou para a musica, teve lições de violino clássico, ganhou uma guitarra da irmã e se apaixonou pelo rhythm and blues, pelo jazz e pelo blues elétrico que florescia em Chicago. Ainda na segunda metade da década de 1940 formou uma banda que costumava se apresentar nas ruas e esquinas da cidade e no raiar da década seguinte, quando o percussionista Jerome Green se integrou ao grupo, Bo Diddley foi ganhando cada vez mais notoriedade na cena local.

Mais alguns anos, mais precisamente em 1955, ele recebeu um convite para gravar pela lendária Chess Records cuja sede era em Chicago e que tinha no seu cast nomes como Chuck Berry, Little Walter, Muddy Waters, Howlin´ Wolf. E, então, foi lançado seu primeiro disco que trazia duas canções. De um lado, Bo Diddley, e do outro lado, I´m a man. Rapidamente este single alcançou os primeiros lugares da parada musical e Bo Diddley obteve fama e respeito e caiu na estrada para se apresentar em várias cidades americanas.

Seu ritmo diferente e que às vezes era absurdamente mantido num único acorde tinha o poder de mexer, involuntariamente, músculos esquecidos do corpo. Suas composições de grande originalidade e muitas delas auto-referenciais se tornaram clássicos instantâneos do rock´n´roll: Who do you love, Road runner, I´m a man, You can´t judge a book by its cover, Hey Bo Diddley, Before you accuse me, Gunslinger, Cadillac, Pretty things.

Como era de se esperar, sua influencia foi profunda e marcante através de várias gerações. Elvis Presley, Buddy Holly – que compôs Not fade away com o riff roubado da levada de Bo. Em 1963 fez sua primeira excursão à Inglaterra com efeito devastador, deixando em polvorosa as platéias e marcas profundas nas bandas que pipocavam em terras britânicas. Rolling Stones, Yardbirds, Animals, Pretty Things, The Who, Van Morrison & Them, The Kinks, todas elas foram impactadas pelo som de Bo Diddley e pela marcação rítmica e presença cênica do percussionista Jerome Green.

Anos mais tarde outros artistas também foram afetados pela mordida selvagem e venenosa de Bo Diddley. Cream, Stooges, Z Z Top, George Thorogood, alcançando também a geração punk com The Clash que excursionou com ele no final dos anos 1970. O mesmo com alguns grupos dos anos 1980 como Jesus & Mary Chain e seguindo firme até hoje com bandas como White Stripes e outras. E esta influência avançou sobre outros estilos afetando até os rappers já que o velho Bo, ainda nos anos 1950, costumava tagarelar em cima de uma base rítmica.

Atualmente, beirando os oitenta anos de vida, Bo Diddley ainda está na ativa. Faz shows com regularidade, tem uma enorme legião de fãs, mas não lança novos trabalhos há décadas. Pelo seu histórico e importância isto não faz a menor diferença, pois, com muita maestria e picardia, já fez o que tinha que ser feito.