The Dresden Dolls
por M. Rodrigues
A virada do século começou um tanto soturna. Os fãs do rock pareciam estar condenados a um limbo, considerados como seres esquisitos, fora de moda, ultrapassados pela eletrônica e suas novas formas de música pop chafurdadas em beats, bips e blops. Eis que o popstar estava morto, o dj aparecia como um ser sem rosto tornado invisível por pseudônimos enigmáticos. Um xamã para as massas hedonistas que dançavam e amavam uns aos outros, conectados pelos novos expansores da consciência como o ecstasy. A autoria cai em obsolescência, a música vira colagem e guitarra vira palavrão. Hype mesmo era estar nas grandes raves, nos Love Parades de Berlim ou em lugares exóticos como Jacarta, Goa, Alto Paraíso, Floresta Amazônica ou Chapada Diamantina. Festas de muitas horas. A era de Aquário enfim?
Não é bem assim. Os djs da música eletrônica voltada para as pistas viraram muitas vezes popstars muito maiores do que aqueles de bandas de rock de arena. Roni Size, Fat Boy Slim, Laurent Garnier, Marky, Patife etc. Este último inclusive declarou em entrevista este ano que estava aprendendo a tocar teclado para compor. Ou seja, colagem tem seus limites. Bem; simplificando, o mundo não virou o paraíso prometido dos neohippies, como todo mundo sabe. Bush, Bin Laden, judeus e palestinos estão ainda ai pra nos lembrar que a paz, desde que o mundo é mundo, até agora só foi a exceção. Apesar das boas intenções da turminha dos beats, bips e blops.
Mas assim como a queda do muro de Berlim não foi o fim da história coisa nenhuma, o advento dos djs/produtores não matou o rock'n'roll. Como todos também sabem, estão tentando matar o gênero desde a década de 50, quando o avião que transportava Richie Vallens e Buddy Holly se espatifou no chão. Mas também, desde lá, esse modo de vida insiste em voltar renovado, dando respostas ao seu tempo e fazendo a vida de muita gente ainda valer à pena.
Pois é, esse blá blá blá todo para dizer que estes anos zero estão sendo surpreendentes para os fãs deste senhor chamado rock'n'roll. Uma infinidade de novas e excelentes bandas pipocam em todas as partes do globo. Nas velhas cidades das ilhas britânicas, de novo em New York (após um longo hiato), em Boston, Toronto, Montreal, Estocolmo, Sidney, Goiânia, Porto Alegre ou Salvador.
Quem tentou montar sua listinha de melhores de 2004 provavelmente teve muito trabalho. O que priorizar? De debuts como o Franz Ferdinand, Keane, The Arcade Fire, The Dresden Dolls, The Killers ou The Stills à novos discos de bandas recentes como Interpol, Modest Mouse, The Mars Volta, Libertines, The Walkmen, Snow Patrol e mesmo novos discos de velhos conhecidos como The Cure, Paul Weller e Nick Cave, o ano foi marcado por qualidade. Bandas com sangue e vontade, vivas. E não aqueles espécimes que só faltam mesmo serem enterrados e que perambulam por aí nos assombrando, perdidos dentro do elástico rótulo 'indie'. Socorro. Quanto ao Secret Machines, desculpem, mas sou de um tempo em que esse tipo de música foi enxotado à base de coturnos, correntes e cusparadas. Quem precisa hoje de uma banda com influências do rock progressivo alemão?
Dos novíssimos destaco dois que, dificilmente, passarão desapercebidos nos próximos meses. The Arcade Fire e The Dresden Dolls. O primeiro encabeçou muitas das listas de melhores do ano, com o seu belíssimo 'Funeral' (Merge). Denso, climático, rico em inspiradas texturas, incluindo aí acordeom, órgão e violino. Baixo e bateria diretos do pós-punk inglês; festa de Rickenbackers; elegância melódica do glam rock, com direito a album conceitual e uma produção primorosa, musculosa, com graves soando soltos, vibrando nas caixas. Esse funeral põe mais uma pá de terra sobre a tosqueira travestida de estilo e ajuda, com outros lançamentos do ano, a delimitar a fronteira que separa os 'menino dos hômi'.
Já The Dresden Dolls aparecem como a cereja da torta chamada 2004. Brechtian punk cabaret, como se autodefinem; a banda é isso mesmo. O universo de luxúria dos anos 20 e 30 dos cabarets de Berlim e Viena encontrando Londres do final de 1976. A maravilhosa música de Kurt Weill e Bertold Brecht encontrando Siouxsie and the Banshees. Um duo formado por Amanda Palmer (piano/voz) e Brian Viglione (bateria). Estrearam em estúdio este ano com um album homônimo lançado pela 8Ft. The Dresden Dolls - o nome tirado de uma música do The Fall - nos conduzem através de sua música por um mundo surreal, excitante. Letras sacanas, eróticas e irônicas. Ouçam a música Coin-operated boy. O universo do duo é aquele lugar que só é bom porque é perigoso. Amanda vestida de prostituta nazista, Brian como se tivesse saído da gang de Alex, em Laranja Mecânica. Piano percutido com raiva e destreza, bateria repleta de explosões e silêncios. Um conto de fadas gótico. Caixinhas de música com bailarinas que assustam. Para quem achava que tudo que Boston tinha para oferecer ao mundo do rock'n'roll se chamava Pixies (que deveriam ter parado depois de Doolittle), vai precisar atualizar os ouvidos.
Welcome, 2005!
A virada do século começou um tanto soturna. Os fãs do rock pareciam estar condenados a um limbo, considerados como seres esquisitos, fora de moda, ultrapassados pela eletrônica e suas novas formas de música pop chafurdadas em beats, bips e blops. Eis que o popstar estava morto, o dj aparecia como um ser sem rosto tornado invisível por pseudônimos enigmáticos. Um xamã para as massas hedonistas que dançavam e amavam uns aos outros, conectados pelos novos expansores da consciência como o ecstasy. A autoria cai em obsolescência, a música vira colagem e guitarra vira palavrão. Hype mesmo era estar nas grandes raves, nos Love Parades de Berlim ou em lugares exóticos como Jacarta, Goa, Alto Paraíso, Floresta Amazônica ou Chapada Diamantina. Festas de muitas horas. A era de Aquário enfim?
Não é bem assim. Os djs da música eletrônica voltada para as pistas viraram muitas vezes popstars muito maiores do que aqueles de bandas de rock de arena. Roni Size, Fat Boy Slim, Laurent Garnier, Marky, Patife etc. Este último inclusive declarou em entrevista este ano que estava aprendendo a tocar teclado para compor. Ou seja, colagem tem seus limites. Bem; simplificando, o mundo não virou o paraíso prometido dos neohippies, como todo mundo sabe. Bush, Bin Laden, judeus e palestinos estão ainda ai pra nos lembrar que a paz, desde que o mundo é mundo, até agora só foi a exceção. Apesar das boas intenções da turminha dos beats, bips e blops.
Mas assim como a queda do muro de Berlim não foi o fim da história coisa nenhuma, o advento dos djs/produtores não matou o rock'n'roll. Como todos também sabem, estão tentando matar o gênero desde a década de 50, quando o avião que transportava Richie Vallens e Buddy Holly se espatifou no chão. Mas também, desde lá, esse modo de vida insiste em voltar renovado, dando respostas ao seu tempo e fazendo a vida de muita gente ainda valer à pena.
Pois é, esse blá blá blá todo para dizer que estes anos zero estão sendo surpreendentes para os fãs deste senhor chamado rock'n'roll. Uma infinidade de novas e excelentes bandas pipocam em todas as partes do globo. Nas velhas cidades das ilhas britânicas, de novo em New York (após um longo hiato), em Boston, Toronto, Montreal, Estocolmo, Sidney, Goiânia, Porto Alegre ou Salvador.
Quem tentou montar sua listinha de melhores de 2004 provavelmente teve muito trabalho. O que priorizar? De debuts como o Franz Ferdinand, Keane, The Arcade Fire, The Dresden Dolls, The Killers ou The Stills à novos discos de bandas recentes como Interpol, Modest Mouse, The Mars Volta, Libertines, The Walkmen, Snow Patrol e mesmo novos discos de velhos conhecidos como The Cure, Paul Weller e Nick Cave, o ano foi marcado por qualidade. Bandas com sangue e vontade, vivas. E não aqueles espécimes que só faltam mesmo serem enterrados e que perambulam por aí nos assombrando, perdidos dentro do elástico rótulo 'indie'. Socorro. Quanto ao Secret Machines, desculpem, mas sou de um tempo em que esse tipo de música foi enxotado à base de coturnos, correntes e cusparadas. Quem precisa hoje de uma banda com influências do rock progressivo alemão?
Dos novíssimos destaco dois que, dificilmente, passarão desapercebidos nos próximos meses. The Arcade Fire e The Dresden Dolls. O primeiro encabeçou muitas das listas de melhores do ano, com o seu belíssimo 'Funeral' (Merge). Denso, climático, rico em inspiradas texturas, incluindo aí acordeom, órgão e violino. Baixo e bateria diretos do pós-punk inglês; festa de Rickenbackers; elegância melódica do glam rock, com direito a album conceitual e uma produção primorosa, musculosa, com graves soando soltos, vibrando nas caixas. Esse funeral põe mais uma pá de terra sobre a tosqueira travestida de estilo e ajuda, com outros lançamentos do ano, a delimitar a fronteira que separa os 'menino dos hômi'.
Já The Dresden Dolls aparecem como a cereja da torta chamada 2004. Brechtian punk cabaret, como se autodefinem; a banda é isso mesmo. O universo de luxúria dos anos 20 e 30 dos cabarets de Berlim e Viena encontrando Londres do final de 1976. A maravilhosa música de Kurt Weill e Bertold Brecht encontrando Siouxsie and the Banshees. Um duo formado por Amanda Palmer (piano/voz) e Brian Viglione (bateria). Estrearam em estúdio este ano com um album homônimo lançado pela 8Ft. The Dresden Dolls - o nome tirado de uma música do The Fall - nos conduzem através de sua música por um mundo surreal, excitante. Letras sacanas, eróticas e irônicas. Ouçam a música Coin-operated boy. O universo do duo é aquele lugar que só é bom porque é perigoso. Amanda vestida de prostituta nazista, Brian como se tivesse saído da gang de Alex, em Laranja Mecânica. Piano percutido com raiva e destreza, bateria repleta de explosões e silêncios. Um conto de fadas gótico. Caixinhas de música com bailarinas que assustam. Para quem achava que tudo que Boston tinha para oferecer ao mundo do rock'n'roll se chamava Pixies (que deveriam ter parado depois de Doolittle), vai precisar atualizar os ouvidos.
Welcome, 2005!