Uriah Heep, retorno à fantasia

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por Eduardo Bastos

A característica principal eram as harmonias vocais que saltavam em coro das gargantas de David Byron, Ken Hensley e Mick Box. O rock era pesado, na linha hard rock, mas havia um contraponto melódico muito legal e uns climas de teclados que não raro aproximavam o som do terreno progressivo. Estamos falando, claro, do Uriah Heep, grupo inglês que nunca chegou a fazer parte do primeiro escalão do rock pauleira, como se dizia na época, e que comportava a santíssima trindade Led Zeppelin-Deep Purple-Black Sabbath (necessariamente nesta ordem). Mas em seu auge, nos anos 70, o grupo contava com um volumoso fã-clube e desfrutava de grande popularidade, inclusive no Brasil.

Na época havia uma novela na TV Tupi, A Idade do Lobo (sim, eu estou nela 'a idade, não a novela -, como vocês podem notar pela extensão das memórias), estrelada pelo ator Carlos Alberto, cuja música-tema era um trecho de Tears in My Eyes, música do álbum Look at Yourself. Ainda não conhecia a banda, até que um dia meu irmão chegou em casa com o referido álbum debaixo do braço e....lá estava a música! Foi caso de amor à primeira ouvida. E logo o melhor disco do UH.

Ok, depois dele, o líder e tecladista Ken Hensley entrou numa trip diferente e quis fazer uns discos meio conceituais, cheios de histórias de magos, feiticeiros, línguas de fogo e o escambau (ah, sim, o nome Uriah Heep foi retirado de um vilão do livro Oliver Twist, de Charles Dickens). Demons and Wizards, o primeiro deles, com uma pintura bacana de Roger Dean na capa (aquele que faz aquelas capas fantásticas dos discos do Yes), também era bom pra cacete, cheio de músicas legais, como Easy Livin', Traveller in Time, The Wizard e Circle of Hands.

Depois a viagem de Hensley aumentou e ele quis fazer o próximo disco totalmente conceitual, com uma história maluca sobre um duelo de mágicos. Foram os outros caras que seguraram a onda dele e não deixaram que The Magicians Birthday, com outra capa de Dean, descambasse para o tal conceitualismo cabeção bem típico daquela época. Só mesmo a faixa-título, com umas viagens malucas da guitarra (bem mediana, diga-se) de Mick Box e seus wah-wahs é que se perdia nesta floresta de historinha fantástica. No restante, temos faixas legais, como Sunrise, Sweet Lorraine, Spider Woman e Tales.

Depois, veio o declínio. Não que Sweet Freedom, de 1974, fosse um disco ruim. Mas havia um certo sinal de cansaço no ar. Além disso, brigas internas eram uma constante na banda ("Ken Hensley é um cara meio paranóico. Muitas vezes tocávamos com a casa lotada e o público aplaudindo de pé e ele ainda achava que tudo estava indo abaixo", disse Byron na época). No mesmo ano, meio que para mostrar que ainda tinha gás pra queimar, o grupo lançou Wonderworld, aquele em que os caras aparecem como uma estátua na capa. Bom disco também, faixa-título lindona e rocks pesados bem legais, como Suicidal Man. Mas, definitivamente, a magia havia ficado para trás (com duplo sentido).

Não demorou muito e o Uriah Heep começou a esfacelar. Primeiro veio a morte do ótimo baixista neozelandês Gary Thain, numa banheira, dias depois de ter tomado um choque do instrumento. Com o pau-pra-toda-obra John Wenton efetivado no baixo, a banda lançou Return to Fantasy, com uma excelente faixa-título e a ótima Such a Beautiful Dream. E só. O que veio depois, e até os dias de hoje, pois o grupo continua na ativa, não merece ser mencionado como Uriah Heep. David Byron morreu, Ken Hensley foi para o Blackfoot e depois virou dono de firma de aparelhagem de som e Mick Box e o baterista Lee Kerslake seguram as pontas até hoje com o grupo.

O que fica de lembrança legal do Uriah Heep é o som mágico, melódico e pesado dos anos 70, a força de músicas como Look at Yourself, Tears in My Eyes, I Wanna Be Free, Love Machine e a balada July Morning, coincidentemente, todas do Look at Yourself. Há também o Uriah Heep Live daquela época, no qual os caras tocam todas estas músicas e ainda capricham num medley espertíssimo de clássicos do rock'n'roll, tipo Roll Over Beethoven, Blue Suede Shoes, etc. O texto é só para lembrar uma banda hoje um tanto esquecida nos círculos rock'n'roll, mas que teve papel importante nos anos 70. Vale um retorno à fantasia!

Rock Conexão Bahia

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por M. Rodrigues

"Os amantes todos estão na chuva e as minhas mãos estão atadas / Na tv só fantasmas e eles se espalham pela sala..."

Houve num passado recente de Salvador um tempo de sonhos, coragem, determinação. Garotos com pose de homem, cigarros pendendo no canto da boca e roupas escuras num calor de quase 30 graus.

Um tempo de belas melodias, guitarras carregadas de chorus, letras que te davam vontade de continuar vivendo e músicos sublimes. Noites quentes e vodkas geladas pelas esquinas do Rio Vermelho e Barra.

Uma certa inocência, uma vontade enorme de fazer tudo da melhor forma apesar dos instrumentos made in Brazil. Big hands nas paredes e os grafites de Miguel Cordeiro. Fanzines em xerox circulando de mão em mão, rock baiano tocando nas rádios, influenciado por The Jam, Smiths, Big Country, Gang of Four, num tempo sem MTV.

Por volta de 1989 um cara chamado Filipe Cavalieri registrou de forma cuidadosa parte dessa movimentação numa coletânea em vinil chamada Rock Conexão Bahia, num estúdio no bairro da Liberdade. A primeira do gênero por aqui. Bandas como Quíron, Utopia, Elite Marginal, Treblinka, Cravo Negro, Moisés Ramsés e os Hebreus e 14o Andar. Os primeiros passos de gente como Luisão, Artur Ribeiro, Alexandre, André Lissonger, Ordep, Hélio Rocha, Álvaro Lemos, Moisés Santana.

Não meu amigo, o rock underground baiano não nasceu com a urgência da Úteros em Fúria, nem com o Dead Billies, nem mesmo com o ótimo Cascadura. Se a cena local andou por caminhos tortos essa é uma outra história. Em Rock Conexão Bahia, que teve inclusive distribuição nacional da Continental, o rock baiano teve, provavelmente, a sua primeira grande chance de acontecer com um número expressivo de bandas.

Aos que não sabem exatamente porque alguns (eu, incluso) torcem o nariz para a maior parte da produção local nos dias que correm - apesar dos ProTools da vida, da liberação dos importados e da facilidade de informação - dar uma escutada nessa coletânea pode ajudar um pouco a não se contentar com o caldo ralo que os poseurs tentam nos empurrar goela abaixo.

Rock Conexão Bahia (MP3 streaming e download)

Som e Fúria

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Sid Vicious e Johnny Rotten

por Osvaldo Jr


'It seems to me that origination is perhaps instint, not intellect'
Joe Strummer no documentário From Westway to the World

Em The Weird Revolution, faixa inicial do disco homônimo lançado em 2002 pelos absurdos texanos Butthole Surfers, o não menos absurdo vocalista Gibby Haynes responde a eterna pergunta feita por ele mesmo no meio da música sobre quem veio primeiro, o ovo ou a galinha? Gibby no seu melhor texan drawl crava, é claro que foi a galinha. Vai ter quer ser por aí, já que o Clash City Rockers me convocou pra escrever sobre a polêmica questão sobre quem realmente foi o pai da criança, no caso, o punk rock é filho de quem? Dos ingleses ou dos americanos? Não sou especialista em exame de paternidade, mas minha conclusão, conforme já deixei claro em comments tanto aqui como no Rock Loco, é que o punk rock, como movimento, como concepção com finalidade clara e explicita, e como legado histórico foi uma criação inglesa. Agora vou tentar me explicar antes que os fiéis da seita do Legs McNeil e da Gillian McCain me mandem pra guilhotina.

É inegável que os elementos precursores do que viria a ser o punk rock estavam presentes nas cenas alternativas americanas e inglesas. Depois do R&R original, inegavelmente criado pelos americanos, mas depois influenciado e modificado de forma radical e determinante pelos ingleses (e aí já outra historia), ingleses e americanos se alimentaram um do outro tantas vezes que é difícil saber quem teve que idéia primeiro. O garage rock sessentista americano (tipo o compilado por Lenny Kaye no fundamental Nuggets) e o proto-punk dos Stooges tinham nítida influencia das bandas do British Invasion e do underground da Swinging London, algumas chegavam a imitar sotaque britânico como o Nazz (do whizz-kid Todd Rundgren).

Mas o clima de decadence avec elegance da nova-iorquina Factory de Warhol e dos seus protegidos, o Velvet Underground, dos pioneiros Lou Reed, John Cale e Nico, foram os principais precursores do comportamento punk: apatia, alienação, desencanto, cinismo, aliados a elementos estéticos caros a vanguarda artística: fashion statements, música e arte moderna. Representou uma contra-posição (ainda que pouco enfática) ao status-quo do rock da época, que era ligado ao movimento hippie (paz e amor). A influencia dos Velvets na epoca foi nula na América, suas propostas só foram ecoar e serem desenvolvidas pelo glam-rock inglês, onde principalmente Bowie adicionou elementos velvetianos ao glitter, tornando explicita a androginia e expondo a generation gap em relação aos Beatles e aos Stones (vide All The Young Dudes composta para o Mott The Hoople).

Na seqüência Os New York Dolls, notoriamente inspirado por Bowie, pegam pesado no glitter (boa parte do 'visual' vinha de Londres) e na 'atitude', e se tornam na referência-mor da cena nova-iorquina, já então mais atenta e receptiva ao legado dos Velvets. A postura agressiva e alienada dos New York Dolls, de Patti Smith, de Jim Caroll , o surgimento da cena em torno do CBGB´s, com os filhotes dos Velvets e dos Dolls: Television, Ramones, Blondie, Talking Heads, e dos Dictators, e a demarcação do 'território' da cena na St. Mark´s Place no East Village, estabelece a base, de forma dispersa e desarticulada, do que viria a ser o punk, mas sem ter a noção e a intenção de deflagrar nenhum movimento. Os expoentes desta cena tinham uma nítida orientação intelectual, com preensões artísticas sofisticadas, com a notória exceção dos Ramones. E importantíssimo, nesta época (74/75) esta cena não se denominava punk, nem falava em movimento punk-rock, além de estar isolada do resto da América. Os Stooges e o MC-5, de Detroit, são na verdade de Nowheresville, U.S.A.

A esta altura o oportunista Macolm McLaren chega à Nova Iorque, através das suas boas conexões do mundo da moda e da música, para tentar salvar a carreira dos Dolls, totalmente afundada pela heroína. Fracassa, mas no retorno para a Inglaterra com a idéia fixa de reproduzir uma banda tipo os Dolls se torna o principal elo de ligação entre as cenas inglesas e nova-irquinas. Juntamente com Vivienne Westwood abre na King´s Road a Let It Rock, depois chamada Sex, que vendia roupas de borracha e apetrechos para S&M. A intenção de Mclaren não era de deflagrar nenhum movimento, e sim ter uma banda como os Dolls, que fossem motor de uma cena, que no fundo seria dominada por ele.

Em 1975 Mclaren junta os Sex Pistols e começa a por seus planos em prática. Só que Londres em 1975 era muito diferente de New York. Ao contrário da rica economia americana, a decadência da economia inglesa era real, jogando milhões de trabalhadores na pobreza, tirando-lhes a perspectiva de um futuro melhor, no future. Em suma o Reino Unido era um barril de pólvora, pronto a explodir, e, não se esqueçam, estava-se em plena guerra-fria (quem ainda se lembra?), que acrescentava gasolina na fogueira.

Então, porque acho que o punk foi uma criação inglesa, se é fato que muito do que veio a ser o punk-rock foi manipulado por Mclaren, quando copiou idéias da cena de N.Y. Acho que no campo político e social, os motivos que citei acima criaram um ambiente de tensão e revolta entre os jovens, e Os Pistols incorporavam de tal forma o espírito da época, que quando começaram a fazer seus primeiros shows detonaram um processo, que por sua intensidade e pertinência se encaixou como uma luva naquela situação toda, deflagrando um movimento, o movimento punk, sobre o qual Mclaren não tinha controle, e que modificou para sempre a historia do rock e da musica em geral. Mclaren tinha a estética e o 'intelecto', mas os Pistols tinham o motivo, a revolta genuína, 'o instinto',... a fúria e o som.

E Os Pistols, tinham Johnny Rotten, um dos mais importantes artistas da história do rock. Em suma os Pistols partiram para o confronto, pra porrada mesmo, com a ordem estabelecida do estado e do rock. Hoje é fácil falar, xingar na T.V. ao vivo, dizer palavrão nas músicas, mandar o presidente tomar no cú, mandar os símbolos da nação a puta que pariu e apesar de não saberem tocar bem recomendar a endeusados ídolos musicais irem se fuder. Mas na época ninguém fazia, era inédito, era um escândalo, era confronto, e quem fez primeiro foram Os Pistols. Não foram os Ramones, nem os Dolls, nem Os Stooges.

Os episódios, as músicas, e os comentários infames são por demais conhecidos; O Bill Grundy Show, os escândalos com as gravadoras, os singles God Save The Queen e Anarchy in The U. K., o album Never Mind The Bollocks, a camiseta com I Hate Pink Floyd, as entrevistas chamando os 'deuses' Robert Plant e Mick Jagger de 'boring old farts', etc. O NME, a Sounds, o Melody Maker, foram cruciais na propagação do punk, e após desconfiarem do punk no inicio, aderiram e compraram sérias brigas com artistas importantes.

Com a explosão do punk, veio uma penca de novas bandas, que agora não precisavam saber tocar bem, bastava a mensagem, 'a atitude'. A cena nova-iorquina encontrou a acolhida e o reconhecimento que lhes eram negados em casa. Só depois que eles viram o tamanho do estrago feito com muitas das idéias que eram suas, é que eles começaram com o papo que eles que tinham inventado o punk, que já tinha cena punk em N.Y., esses papos. Mas quem tinha acesso aos tablóides NME e MM, e a revista Rolling Stone na época (quando chegavam eram com 4 meses de atraso na Bahia, e eram 1000 anos na frente), sabe que só depois do levante inglês se falou em punk-rock, nesta os americanos chegaram depois.

E por último as bandas inglesas eram as melhores, Pistols, Damned, Jam, Buzzcocks e...THE CLASH!


Trinta anos esta noite

photo Allan Tannenbaum

Television no backstage do CBGB.

por M. Rodrigues

New York, 1974. Quase nenhum lugar para tocar rock'n'roll na maior metrópole do mundo. Às vésperas da avalanche Disco, clubes de certo prestígio como Max's Kansas City, The Electric Circus, The Filmore East e The Mercer Arts Center simplesmente haviam fechado as portas (huumm, estorinha conhecida). Nixon acabava de receber um impeachment e a Guerra do Vietnã agonizava, para findar no ano seguinte e deixar sequelas num Estados Unidos que nunca mais conseguiu ser o mesmo.

Nesse quadro apático, de patriotismo ferido, onde metade das rádios norteamericanas tocava música country de forma ininterrupta, um certo Hilly Kristal tentou ter um pouco de diversão e quem sabe algum trocado abrindo seu próprio clube para as bandas do estilo. Assim nasce o Country BlueGrass Blues, também conhecido como CBGB.

Infelizmente, num primeiro momento, para o seu proprietário e felizmente para a história do rock'n'roll o CBGB não emplacou com Country, nem com Folk e nem mesmo com Jazz, apesar das tentativas. Foi preciso que três caras de jeans e camisetas - Tom Verlaine, Richard Hell e Richard Lloyd - aparecessem na porta do clube e convencessem um relutante Hilly a conceder pautas para uma temporada à banda de rock que haviam montado: Television.

Assim com ingressos a um dólar e não mais que alguns amigos na platéia, a história do CBGB que realmente interessa tem início. A banda retorna da segunda vez, levando à tiracolo outros novatos estranhos e mais barulhentos que se intitulavam Ramones. E assim continuaram por mais outras noites e assim por um par de anos, onde foram se somando nomes como Blondie, Talking Heads, Patti Smith etc, bandas fundamentais que ajudaram a moldar os rumos do som que viria a mudar de vez a face do rock'n'roll - o punk e suas ramificações - e levou o CBGB à condição mítica que conhecemos.

Em 1975, New York fervilhava e o CBGB era um espécie de epicentro da movimentação. Talvez com exceção dos Ramones, mais calcados nos três acordes básicos, melodias e letras adolescentes, a cena do CBGB era formada por uma turma intelectualizada, que citava os poetas simbolistas franceses, flertava com a vanguarda artística da cidade e forçava os limites do rock (veja aqui mesmo no CCR a resenha - e os comentários - sobre Patti Smith).

O Television, por exemplo, liderado pelo genial guitarrista Tom Verlaine (nascido Tom Miller), construiu um som inovador e impressionante. Conduzido pelos sons elaborados de duas guitarras sobre uma base minimalista e precisa de baixo e bateria, onde escorre a limitada e melancólica voz de Verlaine; um seguidor declarado das harmonias jazzy de John Coltrane.

Poesia nas letras; "Life in the hive puckered up my night / the kiss of death, the embrace of life / There I stand neath the Marquee Moon / Just waiting / Hesitating... / I ain't waiting" (Marquee Moon). O som do Television não só influenciou as bandas punks mais inovadoras, a exemplo do Gang of Four, como colocou a pedra fundamental do que viria a ser o pós-punk inglês nos sons de bandas como Felt, XTC, Echo and the Bunnymen, U2 de primeiro momento, e que continuou influenciando as novas bandas novaiorquinas como Strokes, Rapture e Interpol.

Não seria exagero afirmar que 1975, tendo o CBGB como cenário, foi um ano que dividiu o rock em dois momentos. No mínimo deixou com cheiro de mofo boa parte do que se convencionava chamar de rock'n'roll até então. Também abriu de vez as perspectivas para o levante de 77 nas ilhas britânicas que, naquele momento, eram um barril de pólvora a espera de um centelha. Mas essa é uma outra estória.

Nick Drake. Made to love magic

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por Márcio Martinez

Mortes atemporais têm frequentemente roubado do mundo pop alguns de seus melhores artistas e a morte de Nick Drake, em 25 de novembro de 1974, aos 26 anos, por overdose de antidepressivos, não foi nenhuma exceção. No ano anterior, outro promissor talento da Folk music, Jim Croce, se foi num desastre de avião e anos antes disto o Rock & Roll perdia, da mesma forma, Buddy Holly e Ritchie Valens. Estes, como outros casos, são exemplos da privação do mundo artístico de jovens cantores/compositores que apenas começavam a atingir seu potencial e reconhecimento no meio em que se lançavam. Como costuma acontecer, infelizmente, neste tipo de situação, viriam a obter mais sucesso após a morte do que em vida.

O ponto é este: de que forma? Não apenas pelos seus trabalhos gravados, que ficaram para a posteridade, quando sempre poderemos ouvi-los e nos deliciarmos. Além disso, e justamente também por causa disso, trata-se da influência fortemente exercida em outras gerações, até hoje.

Nick Drake lançou em vida três discos, paradoxalmente semelhantes e distintos entre si. Foi o suficiente para grupos e artistas solo como The Smiths, Belle & Sebastian, Ron Sexsmith e até Radiohead, só para citar alguns, declarassem através de suas composições de onde vem sua base melódica, melancólica.

Um quarto LP, póstumo, foi lançado em 1985, contendo sobras de gravações. Antes mesmo da gravação do primeiro álbum, já tinha composições suficientes para preencher um inteiro e as apresentava ao vivo em clubes e pequenas casas de shows em Cambridge, muitas vezes tendo que se fazer ouvir por sobre barulhentas platéias de bêbados, ao som de cascos de champagne se estilhaçando pelo chão. Mesmo que o microfone pifasse, ele não se importava e levava a canção até o fim, mesmo que ninguém mais estivesse ouvindo.

Para sorte nossa, numa dessas apresentações, um membro do Fairport Convention, banda britânica de Folk/Rock já então bem estabelecida no circuito europeu, notou esse gênio e o apresentou a seu produtor, Joe Boyd, descobridor de novos jovens talentos de cantores/compositores. Daí a Five Leaves Left, seu primeiro e criticamente bem aceito LP, foi um pulo, chegando a ser comparado a 'Astral Weeks' de Van Morrison por sua 'coerência idiosincrásica e intensidade confessional'. Essa pequena obra-prima foi a base de uma turnê regional que se seguiu com outros artistas, o que para ele era torturante.

De suaves, porém intricadas melodias, sua música era apresentada basicamente ao violão e o público normalmente bebia e fazia muito barulho, o que o levou a desistir de apresentações ao vivo. 'Time Has Told Me', canção que abre este primeiro trabalho, já dava uma idéia do tormento depressivo em que ele se afundava, achando cedo demais que o mundo o estava deixando para trás: 'Time has told me/ you´re a rare find/ a troubled cure/for a troubled mind'.

Numa espécie de retiro, escreveu o que viria a ser seu segundo álbum, Bryter Layter que, mesmo mantendo sua 'natural' atmosfera melancólica, já não é tão desolador quanto o anterior e possui um maior incremento instrumental nas faixas, com guitarra, baixo e bateria, conferindo por vezes até um certo acento jazzístico. 'Poor Boy', deste LP, é quase uma auto-paródia, com backing vocals femininos respondendo: 'Oh poor boy/so sorry for himself/oh poor boy/so worried for his health'. Este teve menor reconhecimento público e juntando a isso sua depressão que se agravava, seu isolamento tornou-se maior.

Já com outro produtor, e tomando medicamentos antidepressivos ora sim ora não, pediu para gravar um terceiro álbum. Intitulado Pink Moon, este derradeiro trabalho é mais minimalista que o primeiro e, fora um pequeno uso de piano em uma canção, o resto todo (o disco é curtinho) é só voz e violão. Declarou então que não tinha mais nenhuma composição para acrescentar e isto foi o fim. 11 atormentadas faixas do mais puro brilhantismo melódico, há quem considere Pink Moon sua obra-prima. Fica até uma percepção de dor em sua voz, esforçando-se para cantar músicas que, de certo modo, pareciam pedir desesperadamente pela salvação de sua alma. Três maravilhosos álbuns, essenciais em qualquer discografia, não só de amantes de Folk music, mas por quem aprecia boa música de modo geral. Difícil dizer qual o melhor.