Television no backstage do CBGB.
por M. Rodrigues
New York, 1974. Quase nenhum lugar para tocar rock'n'roll na maior metrópole do mundo. Às vésperas da avalanche Disco, clubes de certo prestígio como Max's Kansas City, The Electric Circus, The Filmore East e The Mercer Arts Center simplesmente haviam fechado as portas (huumm, estorinha conhecida). Nixon acabava de receber um impeachment e a Guerra do Vietnã agonizava, para findar no ano seguinte e deixar sequelas num Estados Unidos que nunca mais conseguiu ser o mesmo.
Nesse quadro apático, de patriotismo ferido, onde metade das rádios norteamericanas tocava música country de forma ininterrupta, um certo Hilly Kristal tentou ter um pouco de diversão e quem sabe algum trocado abrindo seu próprio clube para as bandas do estilo. Assim nasce o Country BlueGrass Blues, também conhecido como CBGB.
Infelizmente, num primeiro momento, para o seu proprietário e felizmente para a história do rock'n'roll o CBGB não emplacou com Country, nem com Folk e nem mesmo com Jazz, apesar das tentativas. Foi preciso que três caras de jeans e camisetas - Tom Verlaine, Richard Hell e Richard Lloyd - aparecessem na porta do clube e convencessem um relutante Hilly a conceder pautas para uma temporada à banda de rock que haviam montado: Television.
Assim com ingressos a um dólar e não mais que alguns amigos na platéia, a história do CBGB que realmente interessa tem início. A banda retorna da segunda vez, levando à tiracolo outros novatos estranhos e mais barulhentos que se intitulavam Ramones. E assim continuaram por mais outras noites e assim por um par de anos, onde foram se somando nomes como Blondie, Talking Heads, Patti Smith etc, bandas fundamentais que ajudaram a moldar os rumos do som que viria a mudar de vez a face do rock'n'roll - o punk e suas ramificações - e levou o CBGB à condição mítica que conhecemos.
Em 1975, New York fervilhava e o CBGB era um espécie de epicentro da movimentação. Talvez com exceção dos Ramones, mais calcados nos três acordes básicos, melodias e letras adolescentes, a cena do CBGB era formada por uma turma intelectualizada, que citava os poetas simbolistas franceses, flertava com a vanguarda artística da cidade e forçava os limites do rock (veja aqui mesmo no CCR a resenha - e os comentários - sobre Patti Smith).
O Television, por exemplo, liderado pelo genial guitarrista Tom Verlaine (nascido Tom Miller), construiu um som inovador e impressionante. Conduzido pelos sons elaborados de duas guitarras sobre uma base minimalista e precisa de baixo e bateria, onde escorre a limitada e melancólica voz de Verlaine; um seguidor declarado das harmonias jazzy de John Coltrane.
Poesia nas letras; "Life in the hive puckered up my night / the kiss of death, the embrace of life / There I stand neath the Marquee Moon / Just waiting / Hesitating... / I ain't waiting" (Marquee Moon). O som do Television não só influenciou as bandas punks mais inovadoras, a exemplo do Gang of Four, como colocou a pedra fundamental do que viria a ser o pós-punk inglês nos sons de bandas como Felt, XTC, Echo and the Bunnymen, U2 de primeiro momento, e que continuou influenciando as novas bandas novaiorquinas como Strokes, Rapture e Interpol.
Não seria exagero afirmar que 1975, tendo o CBGB como cenário, foi um ano que dividiu o rock em dois momentos. No mínimo deixou com cheiro de mofo boa parte do que se convencionava chamar de rock'n'roll até então. Também abriu de vez as perspectivas para o levante de 77 nas ilhas britânicas que, naquele momento, eram um barril de pólvora a espera de um centelha. Mas essa é uma outra estória.