Som e Fúria

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Sid Vicious e Johnny Rotten

por Osvaldo Jr


'It seems to me that origination is perhaps instint, not intellect'
Joe Strummer no documentário From Westway to the World

Em The Weird Revolution, faixa inicial do disco homônimo lançado em 2002 pelos absurdos texanos Butthole Surfers, o não menos absurdo vocalista Gibby Haynes responde a eterna pergunta feita por ele mesmo no meio da música sobre quem veio primeiro, o ovo ou a galinha? Gibby no seu melhor texan drawl crava, é claro que foi a galinha. Vai ter quer ser por aí, já que o Clash City Rockers me convocou pra escrever sobre a polêmica questão sobre quem realmente foi o pai da criança, no caso, o punk rock é filho de quem? Dos ingleses ou dos americanos? Não sou especialista em exame de paternidade, mas minha conclusão, conforme já deixei claro em comments tanto aqui como no Rock Loco, é que o punk rock, como movimento, como concepção com finalidade clara e explicita, e como legado histórico foi uma criação inglesa. Agora vou tentar me explicar antes que os fiéis da seita do Legs McNeil e da Gillian McCain me mandem pra guilhotina.

É inegável que os elementos precursores do que viria a ser o punk rock estavam presentes nas cenas alternativas americanas e inglesas. Depois do R&R original, inegavelmente criado pelos americanos, mas depois influenciado e modificado de forma radical e determinante pelos ingleses (e aí já outra historia), ingleses e americanos se alimentaram um do outro tantas vezes que é difícil saber quem teve que idéia primeiro. O garage rock sessentista americano (tipo o compilado por Lenny Kaye no fundamental Nuggets) e o proto-punk dos Stooges tinham nítida influencia das bandas do British Invasion e do underground da Swinging London, algumas chegavam a imitar sotaque britânico como o Nazz (do whizz-kid Todd Rundgren).

Mas o clima de decadence avec elegance da nova-iorquina Factory de Warhol e dos seus protegidos, o Velvet Underground, dos pioneiros Lou Reed, John Cale e Nico, foram os principais precursores do comportamento punk: apatia, alienação, desencanto, cinismo, aliados a elementos estéticos caros a vanguarda artística: fashion statements, música e arte moderna. Representou uma contra-posição (ainda que pouco enfática) ao status-quo do rock da época, que era ligado ao movimento hippie (paz e amor). A influencia dos Velvets na epoca foi nula na América, suas propostas só foram ecoar e serem desenvolvidas pelo glam-rock inglês, onde principalmente Bowie adicionou elementos velvetianos ao glitter, tornando explicita a androginia e expondo a generation gap em relação aos Beatles e aos Stones (vide All The Young Dudes composta para o Mott The Hoople).

Na seqüência Os New York Dolls, notoriamente inspirado por Bowie, pegam pesado no glitter (boa parte do 'visual' vinha de Londres) e na 'atitude', e se tornam na referência-mor da cena nova-iorquina, já então mais atenta e receptiva ao legado dos Velvets. A postura agressiva e alienada dos New York Dolls, de Patti Smith, de Jim Caroll , o surgimento da cena em torno do CBGB´s, com os filhotes dos Velvets e dos Dolls: Television, Ramones, Blondie, Talking Heads, e dos Dictators, e a demarcação do 'território' da cena na St. Mark´s Place no East Village, estabelece a base, de forma dispersa e desarticulada, do que viria a ser o punk, mas sem ter a noção e a intenção de deflagrar nenhum movimento. Os expoentes desta cena tinham uma nítida orientação intelectual, com preensões artísticas sofisticadas, com a notória exceção dos Ramones. E importantíssimo, nesta época (74/75) esta cena não se denominava punk, nem falava em movimento punk-rock, além de estar isolada do resto da América. Os Stooges e o MC-5, de Detroit, são na verdade de Nowheresville, U.S.A.

A esta altura o oportunista Macolm McLaren chega à Nova Iorque, através das suas boas conexões do mundo da moda e da música, para tentar salvar a carreira dos Dolls, totalmente afundada pela heroína. Fracassa, mas no retorno para a Inglaterra com a idéia fixa de reproduzir uma banda tipo os Dolls se torna o principal elo de ligação entre as cenas inglesas e nova-irquinas. Juntamente com Vivienne Westwood abre na King´s Road a Let It Rock, depois chamada Sex, que vendia roupas de borracha e apetrechos para S&M. A intenção de Mclaren não era de deflagrar nenhum movimento, e sim ter uma banda como os Dolls, que fossem motor de uma cena, que no fundo seria dominada por ele.

Em 1975 Mclaren junta os Sex Pistols e começa a por seus planos em prática. Só que Londres em 1975 era muito diferente de New York. Ao contrário da rica economia americana, a decadência da economia inglesa era real, jogando milhões de trabalhadores na pobreza, tirando-lhes a perspectiva de um futuro melhor, no future. Em suma o Reino Unido era um barril de pólvora, pronto a explodir, e, não se esqueçam, estava-se em plena guerra-fria (quem ainda se lembra?), que acrescentava gasolina na fogueira.

Então, porque acho que o punk foi uma criação inglesa, se é fato que muito do que veio a ser o punk-rock foi manipulado por Mclaren, quando copiou idéias da cena de N.Y. Acho que no campo político e social, os motivos que citei acima criaram um ambiente de tensão e revolta entre os jovens, e Os Pistols incorporavam de tal forma o espírito da época, que quando começaram a fazer seus primeiros shows detonaram um processo, que por sua intensidade e pertinência se encaixou como uma luva naquela situação toda, deflagrando um movimento, o movimento punk, sobre o qual Mclaren não tinha controle, e que modificou para sempre a historia do rock e da musica em geral. Mclaren tinha a estética e o 'intelecto', mas os Pistols tinham o motivo, a revolta genuína, 'o instinto',... a fúria e o som.

E Os Pistols, tinham Johnny Rotten, um dos mais importantes artistas da história do rock. Em suma os Pistols partiram para o confronto, pra porrada mesmo, com a ordem estabelecida do estado e do rock. Hoje é fácil falar, xingar na T.V. ao vivo, dizer palavrão nas músicas, mandar o presidente tomar no cú, mandar os símbolos da nação a puta que pariu e apesar de não saberem tocar bem recomendar a endeusados ídolos musicais irem se fuder. Mas na época ninguém fazia, era inédito, era um escândalo, era confronto, e quem fez primeiro foram Os Pistols. Não foram os Ramones, nem os Dolls, nem Os Stooges.

Os episódios, as músicas, e os comentários infames são por demais conhecidos; O Bill Grundy Show, os escândalos com as gravadoras, os singles God Save The Queen e Anarchy in The U. K., o album Never Mind The Bollocks, a camiseta com I Hate Pink Floyd, as entrevistas chamando os 'deuses' Robert Plant e Mick Jagger de 'boring old farts', etc. O NME, a Sounds, o Melody Maker, foram cruciais na propagação do punk, e após desconfiarem do punk no inicio, aderiram e compraram sérias brigas com artistas importantes.

Com a explosão do punk, veio uma penca de novas bandas, que agora não precisavam saber tocar bem, bastava a mensagem, 'a atitude'. A cena nova-iorquina encontrou a acolhida e o reconhecimento que lhes eram negados em casa. Só depois que eles viram o tamanho do estrago feito com muitas das idéias que eram suas, é que eles começaram com o papo que eles que tinham inventado o punk, que já tinha cena punk em N.Y., esses papos. Mas quem tinha acesso aos tablóides NME e MM, e a revista Rolling Stone na época (quando chegavam eram com 4 meses de atraso na Bahia, e eram 1000 anos na frente), sabe que só depois do levante inglês se falou em punk-rock, nesta os americanos chegaram depois.

E por último as bandas inglesas eram as melhores, Pistols, Damned, Jam, Buzzcocks e...THE CLASH!