De: raulrockseixas@purgatório.com
Para: Miguel Cordeiro
Cc: www.clashcityrockers.blogspot.com
Olá pessoal! Como vão todos aí embaixo? Não estranhem não, estou aqui num cybercafé do purgatório escrevendo para vocês e tomando umas biritas com a garrafa da bebida enrustida pois o fiscal não pode ver. Quem falou muito bem de vocês e me deu o endereço deste blog foi o Rick Danko que foi baixista do The Band e agora aproveito para mandar umas notícias.
Quando saí daí da Terra em 1989 peguei uma carona com o moço do disco voador e parei na porta do paraíso. Fiquei batendo tóc tóc tóc na porta do céu mas São Pedro não me deixou entrar alegando que eu tinha aprontado muito aí embaixo e listou alguns desvios graves que cometi. Entre estes, ter afirmado que o diabo é o pai do rock e ter utilizado algumas páginas da bíblia sagrada para apertar uns baseados. São Pedro, então, mandou eu me dirigir ao inferno e ao me despedir dele pude observar pela porta entreaberta o Roy Orbinson conversando com o George Harrison e o Buddy Holly.
Depois de muita insistência, o moço do disco voador concordou em me levar até o inferno mas preveniu que não podia se aproximar muito por causa do calor provocado pelo fogo e pelas altas labaredas que seriam capazes de causar estragos em sua nave. Mas no inferno eu também fui barrado porque consideraram que eu tinha sido um bom menino, um carpinteiro do universo, um cidadão exemplar e só o fato de ter sido um roqueiro num país como o Brasil, já seria uma prova que eu tinha passado uma temporada num inferno. E ao contrário do paraíso, o inferno não tem porta, a entrada é larga e alta e de fora pude ver o Kurt Cobain discutindo com um policial e o Brian Jones tentando acalmá-los.
Para mim restou o purgatório que é um lugar bem parecido com a Terra e é onde está a maioria dos roqueiros. Portanto tenho boas companhias por aqui e a vida nunca se torna monótona. Sempre estou às voltas com o John Lennon e juntos criamos uma sociedade alternativa que nos proporciona algumas regalias como visitar o paraíso para encontrar alguns amigos ou descer até o inferno para cair na bagaceira e conseguir certas mercadorias que só se encontram por lá. Outro dia o Elvis Presley quis nos acompanhar numa dessas aventuras, mas o moço do disco voador, que nos serve como taxista, disse que não queria correr o risco de viajar com uma majestade a bordo.
Eu e Lennon vamos sempre à Terra. Da última vez fomos a Nova York, compramos roupas, colírio & óculos escuros, cd´s & dvd´s, assistimos a apresentações dos Rolling Stones, de Dylan e de várias bandas novas que estão surgindo.Tambem costumamos dar uma passadinha aí pelo Brasil e Lennon sempre ri muito ao ouvir as pessoas gritando nos shows o “toca Raul!!”.Mas, nas nossas visitas, virou rotina almas penadas brasileiras nos assaltar e levar nossos pertences, nossas carteiras e celulares. É, o Brasil continua a mesma merda de sempre e ah! se não fosse o Cabral...
Mas confesso que fiquei surpreso com o estrondoso sucesso que passei a fazer depois de sair daí. E lembro que muitos dos roqueiros que agora me reverenciam, antes me evitavam e alguns deles até a atravessavam a rua quando me viam se aproximando. Hoje, eles, ao lado de figuras da MPB, que eu sempre detestei, são os primeiros a querer participar de tributos em minha homenagem. Por tudo isso, prefiro ir ao Brasil apenas para rever a família e alguns amigos.
De vez em quando dou uma olhada aí na Bahia só para ficar nervoso. E vocês, me expliquem, por favor, o que é isso que fizeram com a Bahia? Quanta mediocridade em nome desta falsa e fabricada “cultura baiana”! Porem fiquei feliz ao verificar que existem excelentes bandas de rock por aí desenvolvendo ótimos trabalhos. Mas tomem cuidado, não entreguem o ouro pro bandido. Evitem de todas as formas ligações estéticas e filosóficas com esse pessoal da música baiana. Daqui de cima, eu, que nasci há dez mil anos atrás e que conheço a história do princípio ao fim, nunca vi em nenhum momento alguém da música baiana elogiar o rock feito aí em Salvador. E por quê agora vocês vão dar mole para esses sacanas? Sejam espertos e descubram os seus inimigos.
Também não fiquem paparicando o Senhor do Bonfim e achando que ele vai ajudar porque ele não vai ajudar mesmo. Outro dia conversando com o Glauber Rocha, ele advertiu que o Senhor do Bonfim é um agente da CIA, o santo mais axezeiro da paróquia. Tanto que São Roque, santo gente finíssima que trabalha com afinco e dedicação pelo rock, vive em pé de guerra com o Senhor do Bonfim e não quer vê-lo nem vestido de preto.
Desde que aqui cheguei já enchi uns oito baús cheios de escritos e de músicas novas e, agora, com o computador facilitou muito pois me faz economizar espaço. Depois da dica do Rick Danko fiquei viciado no blog de vocês e todo dia arranjo uma maneira de dar uma olhada para ver o que está rolando. Parabéns pelo trabalho de alta qualidade que vocês estão fazendo e desejo, de coração, uma longa vida ao Clash City Rockers. Joguem duro, não alisem e não esqueçam: todo mundo tem o direito de fazer o que quiser, falar o que quiser e escrever o que quiser porque é tudo da lei.
Agora tenho que ir, o moço do disco voador está me esperando pra gente dar um passeio pelo espaço porque eu sei que tem tanta estrela por aí...
Até mais e fim de papo!
Raul Rock Seixas