No Olho da Tormenta



resenha Heaven Up Here . Echo and The Bunnymen

por Sérgio 'Cebola' Martinez

Um disco de tensões. Acho que isso é o mais próximo que consigo chegar de um definição geral para o experimentalismo pop/psicodélico deste que é o segundo disco (1981) de uma das bandas mais influentes dos anos 80. Uma "cozinha" sólida, monolítica, hipnótica, construída com precisão e inventividade por Les Pattinson (baixo) e Pete de Freitas ("O" baterista daquela década) , contrapõe-se às guitarras artesanalmente construídas, com esmero na busca de texturas, riffs, climas e fraseados marcantes, em função das canções, para engrandece-las, e não ao próprio ego, cortesia de Will Seargeant, elevando e caracterizando "um som" próprio, marcante, e identificável sob as mais ásperas condições climáticas. Por cima, ao lado e submerso, Ian Mcculoch (voz, guitarra rítmica), entoa com entrega e paixão, a sua voz, uma dádiva naqueles tempos áridos, algo entre Jim Morrison e David Bowie, percorrendo em paz, nervosamente, tensa e suave, as várias possibilidades de canções noturnas, mágicas, sólidas e frágeis, à beira do rompimento.

Na linha imaginária que liga Doors, Velvet e bandas psicodélicas de garagem tão bem retratadas na caixa quádrupla Nuggets, à Television, Gang of Four, Joy Division e Cure, os Bunnymen experimentaram e muito neste álbum. Não há concessões, não há hits. A Promise é o que mais perto se chega de uma canção no seu termo mas pop. Mas, ao mesmo tempo, paradoxalmente, dali você escuta ecos (soooorry), em bandas como Interpol (não é só Joy Division não), Franz Ferdinand, The Killers, e tantas outras dessa leva de bandas novas.

Um disco de tensões, porque parece ser assim que as canções são trabalhadas. Escute Over The Wall, por exemplo, o clima etéreo, "suspenso", ameaçador, vai se conduzindo em um crescendo que desemboca num clímax , onde a bateria soberba de de Freitas faz tremer as caixas , num terremoto particular. No Dark Things também é bem representativa desta tensão entre silêncio, calmaria e tormenta. Em Show of Strengh, canção de abertura do disco, toda a riqueza do imaginário de Will Seargent já é exposta, com seu trabalho de guitarras cheio de filigranas e dinâmicas. Das pegadas mais "groove", funkeadas, passando pelos dedilhados e fraseados psicodélicos, do baixo à Doors, cíclico, hipnótico, à bateria pesada, socada sem cerimônias e às vezes tão sutil quanto pode ser, estamos diante de um grande mosaico de sons e sensações estranhos à primeira audição, mas compensador para aquele viajante corajoso que não teme encarar chuvas torrenciais e tremores esporádicos para, no fim, encontrar abrigo e paz.

Há quem prefira o Crocodiles. Disco de estréia, de 1980, ou o soberbo discoteca básica Ocean Rain, o chamado pop perfeito, de 1984, eu mesmo tenho minhas dúvidas, mas minha certeza é sobre Heaven Up Here ser um dos trabalhos mais belos/estranhos da década de 80, onde uma banda trabalha realmente unida em busca de um som sem limitações externas, sem a sanha do sucesso fácil, na busca de sua própria identidade, esperimentando, buscando longe e perto, dentro e fora do olho do furacão. E, cá entre nós, encontrando.

Por fim, tenho que deixar claro também, que neste terreno pantanoso de comebaks e revivals de mau gosto, o retorno dos Bunnymen em 1997 foi um dos mais dignos, produtivos e justificáveis, se não "o" mais, de todos. Foram 4 discos de inéditas e um cd/dvd ao vivo, incluindo o mais recente, Sibéria, que tá saindo do forno, todos de altíssima qualidade, sem auto-paródia, respeitando suas limitações ("o relógio marca segmentos neste árido tempo"), e, talvez, emparelhando com sua produção oitentista. Bote sua capa de chuva, prepare-se para o vendaval, e mergulhe na tempestade. The Heaven´s up Here.