Siberia e outros exílios



por Marcos Rodrigues

Na música pop de alcance global pouca coisa é mais atual (e relevante) que parte do rock inglês que foi gestado no fim da década de 70 e início dos 80. Londres, Montreal e New York desses anos zero estão ai repletas de novas crias que devem sua existência ao Killing Joke, ao Cure, ao Gang of Four, ao Joy Division, enfim, o rol é longo. São bandas como Strokes, Bravery, The Killers, Franz Ferdinand, Kaiser Chiefs, Stills e um monte de outras que a imprensa especializada noticia com voracidade.

Mesmo com toda essa movimentação, looking back with anger, algumas bandas que surgiram no período continuam como monolitos intocáveis. Verdadeiros K2 olhando imponentes para os que tentam se atrever a escalá-los e respirar ares tão rarefeitos. Aqueles mesmos ares que Nietzsche um dia preveniu aos que pretendiam seguir seu pensamento. O Echo and The Bunnymen é uma dessas bandas.

Surgida em 1978, em Liverpool, a banda formada por Ian McCulloch e seu fiel escudeiro Will Sergeant atravessou o último quarto de século com dignidade e, mesmo com episódios trágicos como a morte do baterista Pete de Freitas, tem escrito uma trajetória marcada por muitos mais pontos altos que baixos. Os que acompanham a banda nunca vão deixar de citar os álbuns da primeira fase como Crocodiles e Heaven Up Here (já resenhado aqui por Sir Bola), mas também não fecharão os ouvidos para a nova fase dos Bunnymen, com o lançamento do belo Flowers, em 2001.

O mais novo trabalho dos homens-coelho saiu no final do ano passado - Siberia - mas agora é a hora de lhe dar a devida atenção. Não só porque as chuvas de março, enfim, vêm tirar a máscara da alegria artificial do verão nos tristes trópicos, como também porque no próximo fim de semana Ian McCulloch e Will Sergeant estão de volta ao Brasil para duas apresentações, Belo Horizonte e São Paulo.

Não deixa de ser pertinente o nome escolhido pelo Echo and The Bunnymen para este último trabalho. Estão completamente conscientes da espécie de autoexílio em que se colocaram, assistindo ao largo a produção atual que oscila entre maneirismos do Cure, do Gang of Four, do Joy Division/New Order. Os Bunnymen não têm nada a ver com isso. Fizeram um caminho e apagaram os rastros - quase todos ;). A voz melancólica inconfundível de McCulloch, um pouco mais calibrada pela vodka e pelos maços de Marlboro; canções grandiosas, épicos líricos; letras à flor da pele, naquele fio da navalha onde muitos derrapam para a pieguice. E camadas e camadas de uma fina e sofisticada tapeçaria sonora à cargo das guitarras e violões de Mr. Sergeant. Floreios, repetições, delays. Uma escola à parte, de um único mestre e um único aprendiz.

Siberia está entre o que a banda já fez de melhor. O lirismo cinza de Ian McCulloch continua encontrando porto seguro nos delicados dedilhados de Will Sergeant e nas linhas poderosas de baixo que o postpunk legou ao rock'n'roll. Nesta Siberia reencontraram também o auxílio luxuoso do veterano produtor Hugh Jones, a mão por trás de Heaven Up Here (1981) e que soube mais uma vez captar a atmosfera etérea do Echo and the Bunnymen. Quanto ao baterista não, claro, não é Pete de Freitas, mas Simon Finley vai surpreender muitos fãs; ouçam Of a Life, Siberia ou Scissors In The Sand.

As canções se sucedem. Stormy Weather, All Because Of You Days, Baby... maybe sometime / Maybe next time / We'll say hi..., Parthenon Drive que nos leva de volta à Porcupine, além da magistral faixa-título, que tem uma batida que com certeza deixou De Freitas sorrindo em algum lugar. Where am I / Still trying to find the light / That burns the northern sky / A rarer borealis. Neste exílio também nos encontramos. Onde o sol às vezes ofusca corações e mentes, procurar (e encontrar) raras auroras boreais ainda continua coisa para poucos. Ainda bem.