Roger e o seu Ultraje a Rigor
Por Miguel Cordeiro
Antes dos anos 80 o rock brasileiro carecia de algo imprescindível para sua estabilização definitiva como uma manifestação também nacional: a palavra, a poesia genuinamente rock´n´roll. Isto só era percebido com nitidez na obra de Raul Seixas ou com Mutantes e Rita Lee dos primeiros discos.
Aí chegaram os anos 80 como um tsunami no marasmo cultural de então. A ditadura militar cambaleava e foram percebidos sinais de novos tempos a chegar. Já por volta de 1982 podia-se observar pelo Brasil uma juventude produzindo e consumindo cultura rock sem as amarras de um nacionalismo exacerbado. Mas, talvez, o símbolo da confirmação deste movimento seja uma música que tomou de assalto o país inteiro. Trata-se de Inútil do grupo paulista Ultraje a Rigor; aquela com o refrão matador, ¨a gente somos inútil¨. Virou uma espécie de hino nacional e até opositores ao regime militar a usaram para achincalhar o governo.
A canção popular de protesto, tradição da música brasileira e que teve seu apogeu na época dos festivais dos anos 60, tinha agora uma outra cara. Não mais aquelas mal humoradas músicas cantadas em ritmo de bossa nova ou samba canção. O rock´n´roll arrombava as portas da carrancuda MPB com irreverência, picardia e muita história interessante para ser contada. A partir daí o rock brasileiro se tornou mania nacional e é quase certo que os anos 80 tenham sido uma época em que as pessoas gostavam tanto (ou mais) do rock nacional quanto do rock gringo.
Finalmente a tal poesia rock´n´roll (métrica, temática) tinha se adaptado à língua portuguesa. Se antes o rock no Brasil tinha pouquíssimos representantes, agora existia uma enorme variedade de compositores que sabiam se expressar e se comunicar com habilidade. E, na tora e no talento delimitaram um território próprio do rock, estabelecendo um saudável confronto (algumas vezes até violento) com outras manifestações. O público retribuía lotando shows e comprando discos, e assim o rock deixou de ser uma coisa de gueto para se transformar num fenômeno popular.
O bacana é que na esteira do rock outras coisas também vieram juntas. E nos anos 80 se falou muito em arte marginal, Antonin Artaud, arte Dada, George Orwell, Henry Miller, grafites, Luis Buñuel, fanzines, anarquismo cultural, Jorge Luis Borges, rádios rock e rádios piratas, Aldous Huxley, manifestos modernistas, Fellini e, sobretudo, literatura beat que é o berço literário do rock´n´roll, até então quase inédita editorialmente no Brasil. Foram despejados no mercado livros de William Burroughs, Allen Ginsberg, Jack Kerouac, Sam Shepard, Bukowski, Ferlinghetti, Timothy Leary, Gregory Corso, Ken Kesey, Neil Casady, etc etc.. Revistas em quadrinhos como Chiclete com Banana de Angeli, a revista de Glauco, diversas publicações sobre rock, o jornal Planeta Diário, edições em livro dos Freak Brothers, a revista Animal já no finalzinho dos 80 com o melhor dos quadrinhos underground da época.
O tempo voa, já se vão vinte anos e hoje com todos os avanços que temos, a velocidade da informação, a Internet, MTV, as novas tecnologias, a liberdade de expressão mas para os rockers brasileiros que gostam de cultura, nada se compara ao que aconteceu nos anos 80, e observando os dias atuais é fácil concluir que não estamos num bom momento. O rock deixou de ser um fenômeno popular, voltou para o gueto.
Ideologia, eu quero uma pra viver - dizia Cazuza, integrante do mainstream. Hoje temos no mainstream DJs blasé de eletrobossa que se acham híbridos perfeitos de Stockhausen e Tom Jobim, temos a baba emo-core e o hardcore melódico, ou melhor, meloso, temos a mistureba musical criada pelos grupos nordestinos - o rock taboca ou rock Sarney, que agrada em cheio as ¨fundações culturais¨ de regiões onde a plenitude cultural e democrática ainda está longe de ser alcançada. Temos a praga da desinformação e do "politicamente correto" que às vezes até leva o pessoal do rock a elogiar músicos do sertanejo, axé e pagode. E nas livrarias temos José Saramago e o Código da Vinci.
Mas se por acaso você estiver passando pela rua principal e souber da existência de um túnel do tempo que possa te transportar para os anos 80, pode entrar sem medo. Vá até lá e aproveite.
Antes dos anos 80 o rock brasileiro carecia de algo imprescindível para sua estabilização definitiva como uma manifestação também nacional: a palavra, a poesia genuinamente rock´n´roll. Isto só era percebido com nitidez na obra de Raul Seixas ou com Mutantes e Rita Lee dos primeiros discos.
Aí chegaram os anos 80 como um tsunami no marasmo cultural de então. A ditadura militar cambaleava e foram percebidos sinais de novos tempos a chegar. Já por volta de 1982 podia-se observar pelo Brasil uma juventude produzindo e consumindo cultura rock sem as amarras de um nacionalismo exacerbado. Mas, talvez, o símbolo da confirmação deste movimento seja uma música que tomou de assalto o país inteiro. Trata-se de Inútil do grupo paulista Ultraje a Rigor; aquela com o refrão matador, ¨a gente somos inútil¨. Virou uma espécie de hino nacional e até opositores ao regime militar a usaram para achincalhar o governo.
A canção popular de protesto, tradição da música brasileira e que teve seu apogeu na época dos festivais dos anos 60, tinha agora uma outra cara. Não mais aquelas mal humoradas músicas cantadas em ritmo de bossa nova ou samba canção. O rock´n´roll arrombava as portas da carrancuda MPB com irreverência, picardia e muita história interessante para ser contada. A partir daí o rock brasileiro se tornou mania nacional e é quase certo que os anos 80 tenham sido uma época em que as pessoas gostavam tanto (ou mais) do rock nacional quanto do rock gringo.
Finalmente a tal poesia rock´n´roll (métrica, temática) tinha se adaptado à língua portuguesa. Se antes o rock no Brasil tinha pouquíssimos representantes, agora existia uma enorme variedade de compositores que sabiam se expressar e se comunicar com habilidade. E, na tora e no talento delimitaram um território próprio do rock, estabelecendo um saudável confronto (algumas vezes até violento) com outras manifestações. O público retribuía lotando shows e comprando discos, e assim o rock deixou de ser uma coisa de gueto para se transformar num fenômeno popular.
O bacana é que na esteira do rock outras coisas também vieram juntas. E nos anos 80 se falou muito em arte marginal, Antonin Artaud, arte Dada, George Orwell, Henry Miller, grafites, Luis Buñuel, fanzines, anarquismo cultural, Jorge Luis Borges, rádios rock e rádios piratas, Aldous Huxley, manifestos modernistas, Fellini e, sobretudo, literatura beat que é o berço literário do rock´n´roll, até então quase inédita editorialmente no Brasil. Foram despejados no mercado livros de William Burroughs, Allen Ginsberg, Jack Kerouac, Sam Shepard, Bukowski, Ferlinghetti, Timothy Leary, Gregory Corso, Ken Kesey, Neil Casady, etc etc.. Revistas em quadrinhos como Chiclete com Banana de Angeli, a revista de Glauco, diversas publicações sobre rock, o jornal Planeta Diário, edições em livro dos Freak Brothers, a revista Animal já no finalzinho dos 80 com o melhor dos quadrinhos underground da época.
O tempo voa, já se vão vinte anos e hoje com todos os avanços que temos, a velocidade da informação, a Internet, MTV, as novas tecnologias, a liberdade de expressão mas para os rockers brasileiros que gostam de cultura, nada se compara ao que aconteceu nos anos 80, e observando os dias atuais é fácil concluir que não estamos num bom momento. O rock deixou de ser um fenômeno popular, voltou para o gueto.
Ideologia, eu quero uma pra viver - dizia Cazuza, integrante do mainstream. Hoje temos no mainstream DJs blasé de eletrobossa que se acham híbridos perfeitos de Stockhausen e Tom Jobim, temos a baba emo-core e o hardcore melódico, ou melhor, meloso, temos a mistureba musical criada pelos grupos nordestinos - o rock taboca ou rock Sarney, que agrada em cheio as ¨fundações culturais¨ de regiões onde a plenitude cultural e democrática ainda está longe de ser alcançada. Temos a praga da desinformação e do "politicamente correto" que às vezes até leva o pessoal do rock a elogiar músicos do sertanejo, axé e pagode. E nas livrarias temos José Saramago e o Código da Vinci.
Mas se por acaso você estiver passando pela rua principal e souber da existência de um túnel do tempo que possa te transportar para os anos 80, pode entrar sem medo. Vá até lá e aproveite.