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Mr.Bowie, há quarenta anos mostrando o caminho
por M. Rodrigues
Imagem, embalagem, moda, pose. Essas são algumas das palavras que, volta e meia, são utilizadas no meio do rock'n'roll para se tentar desqualificar uma banda. Afinal, banda que é banda se apresenta de qualquer jeito; o importante é a música, não é isso?
Não, não é bem assim. Existem coisas mais complexas do que a nossas vãs tentativas de enxergar o mundo de forma dicotômica e confortável; branco e preto, certo e errado, bonito e feio, conteúdo e embalagem, Belle & Sebastian e Placebo.
Pra começo de conversa é preciso fazer uma distinção sobre o conceito de imagem. Imagem é o que se tem por representação física de alguma coisa (imagens visuais); mas não só. É também a construção social que se faz de uma pessoa, uma instituição ou mesmo uma banda de rock. Quando então passa a se falar em imagem pública. Bono Vox e os direitos humanos; Chorão e a bestialidade humana; Fred 04 e a nova esquerda.
Essas imagens públicas como construções sociais, podem ser conscientes, e aí temos os trabalhos de marketing; ou inconscientes, que se constroem na somatória de atitudes, visuais, correlações e filiações a este ou aquele pensamento. Nenhuma das duas formas, no entanto, é superior ou inferior à outra.
Do topete e rebolado de Elvis, passando pelos terninhos Yves Saint-Laurent e o bom mocismo inicial dos Beatles, pelas maquiagens e distanciamento do glam rock, pelos jeans rasgados e palavrões dos punks, até a caretice barbuda e o desleixo do figurino dos Loser Manos, imagens públicas foram sendo montadas e agregaram algum valor à música. A relação é complementar e não antagônica.
Enganam-se redondamente aqueles que pensam que bandas como Radiohead, REM, Legião Urbana, Pixies e outras consideradas pelos seus fãs como bandas 'honestas', sem pose, blá blá blá, não pensam ou pensaram de forma consciente a sua imagem. Esta é uma seara onde não se tem escolha; o simples optar por não se importar com isso já marca uma filiação; "é absurdo imaginar que a verdade consiste na opção, quando toda tomada de posição equivale a um desprezo pela verdade" (Cioran).
Chegando a este ponto, é importante frisar que não é a falta de opção, pelo ato de ter que escolher um lado para ficar, que nivela as bandas de rock'n'roll. Nem uma banda 'honesta' faz necessariamente um som 'honesto', nem uma banda 'fashion' faz necessariamente um som fake. Aqui entram outras variáveis mais sutis.
Pegue-se a 'moda', por exemplo, como umas dessas variáveis. Ora, não podendo deixar de citar nossa provinciana Salvador, note-se que por aqui, no meio rock'n'roll, a simples pronúncia da palavra 'moda' causa incômodos e urticárias em muita gente. Confunde-se moda com modismo. Mas não só. Associa-se moda à frivolidade, como se uma banda que estivesse na moda (sonora, de vestiário etc) fosse necessariamente uma banda sem consistência.
Esse tipo de preconceito acaba por gerar uma cena extremamente conservadora, sem fantasias, sem seduções, sem novos ares e que acaba por não entender a importância do efêmero nesse meio. Desmonta-se assim parte do circo do rock'n'roll e deixa por ai muito roqueiro com cara de corretor de imóveis. Aplaude-se quando bandas de fora se permitem a marcar presença com atitudes diferenciadas, mesmo quando em shows por aqui; no entanto, o máximo que permitem a si mesmo é vestir a velha calça jeans com uma camiseta preta. O uniforme de roqueiro soteropolitano. Da mesma forma, em geral, as atitudes são contidas, as palavras mesuradas e o som pouco criativo. Imagem e 'conteúdo' em perfeita sintonia.
Uma cena rocker se faz com boas bandas, infraestrutura, mídia e, sim, também com a construção de imagens públicas. É assim em Manchester, em Seattle, em New York, em Porto Alegre, em Curitiba. Já é hora de perder a ingenuidade.
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trilha incidental: Virginia Plain, Roxy Music.