por Marcos Rodrigues
Mil novecentos e setenta e oito. Após dois anos encarnando o 'enfant terrible' do rock'n'roll, na figura do Joãzinho Podre, o porta voz dos Sex Pistols resolveu que era hora de abandonar a genial orquestração de Malcolm Mclaren e criar a sua própria banda. Bem acompanhado pelo baixo dub de Jah Wobble, a cortante guitarra de Keith Levene (da primeira formação do Clash) e a bateria tribal de Tim Walker, John Lydon monta o conceito Public Image Ltd, mais conhecido como PIL.
Enveredando por uma vigorosa experimentação que mesclava tribalismo étnico, cerimonial fúnebre e ambientação psicodélica, o Public Image foi uma das bandas que deu contornos mais definidos às experimentações do chamado post-punk, ao lado de The Fall, Joy Division, Wire, Gang of Four e Magazine.
O que era raiva selvagem no Sex Pistols se transmuta em drama psicológico no PIL. Uma representação sinistra e paranóica da angústia existencial. Com o Public Image, Lydon tem a possibilidade de liberar a criatividade e refazer uma vasta gama de sons que vão de Can a Captain Beefheart, do reggae dub à música étnica, unida a visceralidade do post punk. A voz é de um profeta do apocalipse, alucinante e extremamente original. O resultado é uma das sínteses sonoras mais intrigantes da virada do rock britânico.
O primeiro album, First Issue (1978), é imerso numa atmosfera desolada e alienante, que passa da dança macabra de Fodderstompf ao hardcore de Theme, terminando com o robusto hino Public Image. Mas é com o segundo album, Second Edition (originalmente lançado como Metal Box, numa singular caixa metálica, como as de rolo de película cinematográfica) que o Pil vem forjar o melhor do seu som, combinando ritmos obsessivos, alimentados pelo baixo lúgubre de Wobble, sufocado por camadas de ruídos. É nesta conjugação de psicodelia e dark-punk que está a sua verdadeira originalidade. O album tem duas partes. A primeira é composta de cinco faixas desoladas: dos vocais arabescos de Swan Lake ao funk exótico de Memories, do caos alienante de Optones ao synthpop sinistro de Careering, terminando na liturgia apocalíptica de Albatros. Na segunda parte do album, o ritmo cresce a partir da dança atmosférica de Socialist ao ballet mecânico de Chant, passa pelo intermezzo instrumental de Radio 4 e desagua na balada tétrica de Graveyard. Um discaço.
Em Flowers of Romance (1981, tirado do nome da primeira banda de Sid Vicious), o Pil perde o baixista Jah Wobble e aumenta a experimentação e a gama de instrumentos com violino, batha e percussão de Bali. Músicas como Four Enclosed Walls; Phenagen (marca de barbitúrico), Francis Massacre e Under The House são uma alucinante colagem de sons étnicos, ruídos industriais, ritmos duros e vocais árabes. Mas é a faixa-título a verdadeira obra prima do disco e (talvez) de todo o repertório do Pil: uma dança sinistra, construída sobre mantra tibetano, liturgias do oriente médio e cítaras indianas, formando um clima onírico e claustrofóbico. Em Flowers of Romance o uso da música étnica, combinada com eletrônica, converge para um ritual esotérico de cores macabras.
Nos trabalhos seguintes a banda perde fôlego e só reaparece aqui e ali com algum momento iluminado, como em This Is Not A Love Song (1983) e Rise, do Album (1986). Este disco, aliás, contava com uma extraordinária formação composta por Steve Vai na guitarra, Ginger Baker (do Cream) na bateria, Bill Laswell no baixo (também produtor), Ryuichi Sakamoto nos teclados e Shankar no violino. Seguem-se ainda os albuns Happy? (1987) 9 (1989) e That what is not (1991), este último já o canto de cisne desta fase da vida de John Lydon, que a partir dai se lança em carreira solo.
O Public Image Ltd foi antes de tudo uma banda-conceito, que se traduzia também na concepção gráfica dos seus albuns, sempre remetendo às questões da mídia e da publicidade. Com o PIL John Lydon deu uma extraordinária guinada na sua trajetória punk e participou, em pouco mais de um par de anos, na linha de frente de duas das mais importantes guinadas do rock'n'roll. Farewell my Fuckin' Friends. Quem entendeu o recado do pequeno John avançou com ele nas possibilidades ilimitadas do rock'n'roll.