A melhor banda de Nova York...

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Miguelito em New York

por Miguel Cordeiro

Nova York sempre foi uma festa. Capital do mundo e seu maior centro cultural desde a chegada dos artistas modernistas e de vanguarda que lá se estabeleceram a partir dos anos 1930 deixando para trás as cidades européias devido a ameaça nazista. Marcel Duchamp, Salvador Dali, André Breton, Mondrian, Max Ernst e muitos outros foram viver em Nova York.

E se você quiser ir para uma cidade onde o rock´n´roll faz dela a sua morada certamente Nova York é o destino mais que apropriado. É normal você andar pelas ruas desta incrível metrópole e ouvir saindo de algum lugar uma música do The Who, ou de um táxi uma do Bruce Springsteen, ou de uma cafeteria uma canção daquela banda underground que é a sensação dos últimos quinze minutos.

Nos quase dois anos em que morei em Nova York, no início dos anos 80, todo dia era dia de rock! De segunda a segunda tinha show para se ver, desde o mais baratinho até o que o meu bolso comportava. Das 9 da manhã até às 5 da tarde eu trabalhava fazendo vários serviços de peão e a grana ganha era gasta no aluguel de um quitinete minúsculo no Greenwich Village (East Side) dividido com uma namorada-esposa brasileira, poupava alguns dólares para não voltar pro Brasil sem nada no bolso, ia de vez em quando a um restaurante, e, no mais, muito cinema e show de rock´n´roll quase todo dia.

Toda terça-feira no R.T. Firefly, um inferninho perto de onde eu morava, se apresentava uma banda que ao vê-la pela primeira vez passei a gostar muito. A banda se chamava Soviet Sex. Eles tinham um público cativo que a partir das dez da noite começava a formar uma fila do lado de fora esperando a hora de abrir as portas. Uma noite estava lá na fila o Robert Quine que tocava com o Lou Reed, outra noite o grafiteiro-artista plástico Basquiat com o seu séqüito e semanas depois, também na fila, vi Lee Ranaldo & Kim Gordon do Sonic Youth abraçados e dividindo uma cerveja .

Sim, o Soviet Sex era uma banda muito bacana. Tocava uma espécie de punk rock com melodias interessantíssimas, boas letras, formado por cinco integrantes e no vocal uma linda garota de cabelo curtinho e voz maravilhosa.

Depois de um tempo eles passaram a se apresentar em outros lugares e o público os seguia onde quer que tocassem. E ir aos shows do Soviet Sex passou a ser um dos melhores programas musicais naquelas noites frias do inverno novaiorquino e como eu era um freqüentador assíduo deu para confirmar que a banda era mesmo do caralho. Eles tocavam bem, as canções marcavam fundo na platéia, tinham carisma e presença de palco, deixando o público alvoroçado e sempre pronto a interagir com eles nos palcos do Village.

A linda garota vocalista era espirituosa e não deixava pedra sobre pedra quando algum engraçadinho fazia piada sobre a sua condição de jovenzinha ou sex simbol. Ela devolvia a piada na hora e a banda emendava um petardo sonoro levando a platéia ao delírio. Era comum depois do show, no balcão do bar, ouvir comentários que o Soviet Sex era a melhor banda de Nova York.

Acho que de tanto assistir o Soviet Sex tornei-me um rosto familiar a seus integrantes e como eles moravam ali pelo Village sempre os via passando pelas ruas ou em compras nas delicatessens. Até o dia em que eu fazia um breakfast no Veselka Café e eis que a vocalista do Soviet Sex entra, procura um lugar disponível em meio ao ambiente lotado, pede licença e senta na minha mesa. Nos apresentamos. Seu nome, Anne. Trocamos algumas palavras, falei sobre a banda dela e ela disse já ter me visto nos shows. Digo que sou do Brasil. - Brazil. Coffee, you know?
O papo estava ficando animado, mas prá mim não dava... Eu tinha ido tomar café da manhã e minha namorada-esposa me esperava no apartamento, pois estava separando umas roupas que eu ia levar para a lavanderia e depois eu ainda tinha de pintar um loft lá do outro lado da cidade. E eu, claro, não podia me dar ao luxo de abrir mão daquela grana.

Continuei indo aos shows do Soviet Sex e após aquele breakfast eu me sentia na condição do conhecido brasileiro da vocalista Anne, que sempre que cruzava por mim pelas ruas do Village soltava um aceno e um caloroso hello! Voltei para o Brasil e nunca mais ouvi falar sobre o Soviet Sex, aquela que por algum tempo foi a melhor banda de Nova York.