Bang!

Reuters

Jagger em Copacabana

por Sérgio 'Cebola' Martinez

Para Mick, Keith, Charlie e Ronnie

Uma homenagem a Ray Charles, pela maior banda da Terra, na praia de copacabana, para um público de mais de um milhão de pessoas, neste sábado inesquecível. Falando assim não soa meio surreal? Quando The Night Time Is The Right Time ia lá pela metade, com os vocais de apoio entoando o mantra soul night and day, night and day, night and day, acabaram as dúvidas. Eu não estava lá, pela primeira vez em um show dos Rolling Stones no Brasil, mas fui pego de jeito. Eles ainda são os melhores sim. Semana que vem algum garoto ligado vai descobrir a salvação do rock, vai sair na New Musical Express como uma das cinco melhores bandas de todos os tempos, na coluna de Lúcio Ribeiro, nos blogs antenados e nos progamas de rádio de novo rock. E de novo, e de novo, e novamente, e de novo. Mas as "caricaturas de si mesmo" como este crítico inteligente escreveu na Bizz, vão estar por aí, autocaricaturizando-se em cima de um palco, tocando pequenas peças de música velha e acabada.

Pois sim. Uma vez perguntaram a Charlie Watts o que ele achava de não ter sido citado em uma lista (de novo, novamente e de novo), dos 10 ou 100, ou sei lá, melhores bateristas de todos os tempos. Resposta: "Eu sou um Stone". Bate Charlie, soca sem dó esta estúpida competição de listas e atitudes vazias e posturas quadrúpedes desta "pós-modernidade" de chupeta. Tanta coisa em uma resposta de aparência simples e arrogante. A arrogância inteligente. Um gentleman rocker, Mr. Charlie Watts sabe quem ele é. Sabe o que representa. Percebe o peso da sua História de criação, quedas, cinzas e glória. "O impressionante não é os Beatles terem terminado, o impressionante é os Stones ainda continuarem". Na verdade o engraçado é que John Lennon disse isso aí lá pelos idos da década de 70. Mas se me perguntassem por que eles ainda estão na ativa, responderia na lata: ora, porque sim. John Lee Hooker ainda gravava discos com 80 anos de idade, Johnny Cash gravou os melhores discos de sua vida à beira de sua morte.

Os Stones lançaram recentemente (ou no século passado neste calendário de rompimentos & abortos ) uma aula de rock n' Roll, A Bigger Bang, reinício, respeito. Podem rir das rugas de Keith Richards, do acabado Ron Wood (citando Pedro Bó), ou dos 62 anos de Mick Jagger. Mas quem é você, infeliz? Onde estaremos daqui a quarenta anos? Merda, estaremos sem os Stones, certamente, e pensar nisto já é um saco.

Na década do sonho natimorto, das flores & ácido, do desbunde, Beatles & Maio 68, e tanto mais, eles eram a encarnação da rebeldia e violência. Let It Bleed, e as coisas sangraram mesmo pro lado deles. Por favor assistam Gimme Shelter. Aquela insanidade lúgubre merece um ensaio profundo e cuidadoso. Nos setenta, o hedonismo, a luxúria, a esbórnia tomou conta e quem eram os maiores representantes? Por favor ASSISTAM Cocksucker Blues, documentário maldito até hoje proibido mas que se arruma aí pela rede. (rede abençoada rede). Eu já tenho o meu (valeu aí Nei). Na década de oitenta, vá lá, mostras de cansaço criativo, brigas internas, confusão mas péra lá. O Tatoo You garantiu a redenção. Por favor, TENHAM o Tattoo You. Sobreviventes da queda, os anos 90 são assombrados por um Vodu. O Voodoo Lounge foi uma ressureição. Um puta disco, celebrado na época e até hoje com canções presentes no show. Em 1995 no Rio de Janeiro, eu estava lá, nas duas datas. 98 também, desta vez com nada mais nada menos que mr. Bob Dylan. Absolutamente inesquecível a visão de Dylan e Jagger juntos no palco em Like A Rolling Stone, com Bob Dylan tirando um sarro de Mick Jagger, cantando, às vezes, a parte que provavelmente seria de Mick. E, claro, sorrindo pela sacanagem. Agora a explosão. A explosão primordial, a maior de todas. A Bigger Bang. Talvez o último, mas quem pode dizer? Eu vou estar esperando, pagando pra ver & ouvir.

O show continua, tem de. Ainda é rude, poderoso. As canções estão quase no osso. Sem adornos desnessessários, básicas, como devem ser. Que versão é aquela de Get Off Of My Cloud? Descambou no soul e acabou sendo o ápice de um set list que abriu com Jumppin' Jack Flash e terminou com I Cant Get No (Satisfaction . E é aí que está o segredo. Da longevidade e da urgência. Da vida eterna, afinal. Por onde quer que vá, de qualquer que seja o tamanho, por maior que seja a conta bancária, o Rolling Stones foram, são e sempre serão uma banda de garagem. Na alma, garotos que cresceram alimentados pelo blues & soul profundos da américa negra. Robert Johnson e Chuck Berry. Ray Charles e Muddy Waters. Ombros de gigantes.

Quando começam (os caras inteligentes & modernos) a especular sobre a relevância de uma banda de sessentões no mundo de hoje eu lembro de um sorriso. Eu lembro de Keith Richards, dando aquela risada esgarniçada, chiada, envelhecida por décadas de abuso & paixão, com um cigarro pendendo entre os dentes, um copo de uísque na mão, e um olhar perscutador, profundo e estranho. Basta isso. Não sei dizer porque. Mas aquela risada me transmite a segurança de uma pedra de toneladas de canções ternas & furiosas, arquivadas em uma alma apaixonada & atormentada, mas verdadeira. Uma pedra sólida, inquebrável, bruta e muito, muito pesada...mas que ainda rola.