Mustang, Rock de alma lavada


Oxymoro, muito além da mesmice

por Cláudio Moreira

Arte como expressão da alma. Esse deve ter sido o pensamento que levou Carlos Lopes, cantor, compositor e guitarrista, a criar, em 2000, a Mustang, pouco depois de dissolver a Dorsal Atlântica. Essa, a seminal banda carioca do movimento heavy metal nacional que conquistou projeção no circuito internacional da música alternativa pela sua ousadia criativa. Ela foi pioneira no Brasil em juntar metal e punk hardcore (o original), elaborar letras com referências culturais além do habitual no gênero, fazer a primeira ópera trash metal no mundo, manter uma atitude não colonizada e influenciar os então garotos do Sepultura e outras bandas daqui e de fora. Depois de quase 20 anos de labuta heróica, fugindo da mediocridade, Carlos Lopes resolveu apertar a tecla do "foda-se!" quando se viu cansado de tantos problemas internos na banda e por sentir que a cena que ajudou a consolidar em território tupiniquim tinha perdido a essência rebelde de outros tempos.

Carlos "Vândalo" , como era conhecido nos tempos iniciais da era metal no Brasil, não teve outro jeito a não ser seguir o que sua mente e o coração clamavam. A Dorsal, como sempre foi chamada pelos seus fãs, entrava para a posteridade do underground intergaláctico, porém seu criador não iria abandonar as trincheiras da guerrilha cultural de fazer música sem fronteiras e longe do senso comum. A Mustang não foi a única cria desse idealista cultural, que parece ter nascido para transpor paradigmas. Seu outro rebento, a Usina Le Blond, devotada ao funk psicodélico e outras coisas com balanço radical, também tem servido para desafogar outras nuances da sua criatividade musical.

Um novo capítulo do rock brasileiro (infelizmente ainda nos subterrâneos) está sendo escrito pela Mustang, radiografada aqui em seu segundo trabalho, "Oxymoro", lançado, em 2004, pelo selo goiano Monstro Discos. A banda já tinha debutado dois anos antes no selo carioca Old School Lessions com o "Rock´n´roll Junkfood". Agora, o grupo acaba de lançar, novamente pela Monstro Discos, o cd "Tudo está mudando...mas nem sempre pra melhor" (em breve resenha aqui no clashcityrockers).

Na época do "Oxymoro", o power trio era composto pelo Carlos Lopes, Américo Mortágua (bateria) e Wlad Vieira (baixo), contando ainda com a participação pra lá de especial do maestro Rotieh Ortseam (teclados).

O título "Oxymoro" surgiu de uma entrevista de Carlos Lopes (que também é produtor e jornalista) com Wayne Kramer do lendário MC-5. O ancestral termo grego se refere, basicamente, a junção de conceitos aparentemente opostos que unidos dão vazão a novas idéias, pretensamente antangônicas, presentes até hoje na linguagem utilizada em nossas vidas, como, por exemplo, "silêncio ensurdecedor".

A Mustang é uma banda de textos fortes que dão sustentação a um instrumental bem feito e recheado de feeling, mas muito feeling mesmo, tocado por bons músicos. É rock´n´roll dos bons, orgânico, mas feito com muita criatividade e sem dogmatismo de nenhuma espécie.

Segue resenha sobre o cd e uma entrevista


Oxymoro

A obra - O cd abre de peito aberto para a festa dionisíaca em "Muito além". É impossível não se emocionar com a pureza da energia bruta desse rock´n´roll cheio de guitarra faiscante e baixo pulsante na linha evolutiva Status Quo/Hellacopters, que parece conter a senha existencial de Carlos Lopes sobre as cobranças estéticas e de atitude sobre seu passado militante no metal e sobre os novos rumos de sua carreira artística. Duvida. Então, perceba a mensagem: "pare de me olhar assim, oh yeah!/se desapegue do passado/uma outra parte de mim está livre para o bem e para o mal/ei, você não lava minha cueca, então me deixe em paz...ei, nós não temos compromisso/então, não te devo satisfação! Eu estou muito alééémmm!!!".

Antes de recuperar o fôlego da diversão cheia de adrenalina com air guitar, "Rosana está?" surpreende e conquista na primeira audição. Seria um hit se no Brasil existissem (salvo exceções, é claro) emissoras de rádio realmente independentes e atuantes fora da lógica do 'jabá' ou de outros interesses. Um mezzo glitter rock mezzo surf music, onde Carlos Lopes desconstroi preconceitos ao prestar uma homenagem à transformista Rosana Star, um ex-paquito. A letra existencial corajosa carrega no fino humor com duplo sentido pontuado por vocais alternados e superpostos: um, doce e o outro, 'das cavernas": A forma como Carlos Lopes canta essa música é uma atração à parte e é só a ouvindo para entender a força que sua interpretação dá aos seguintes versos: "eu quero ver se Rosana está (star)?/se o mundo caminha, eu não sei para onde vai/a frustação corroi/pior ficar parado e só reclamar/aqueles que fazem tipo, 'cabeça intelectual', não gostariam de ter um filho homossexual/da boca para fora, é fácil!/ quero ver, é entrar um pouco de sinceridade/nos teus olhos, a dor de quem não se compra/ amar o próximo é respeitar/ninguém disse que seria fácil/melhor fazer do que falar/Rosana está (star)?".

Desista de prevê o que vem na seqüência porque em "Saco Cheio" a farra continua num hard rock modernoso pontuado por guitarra weezeriana (fase Pinkerton) e na letra que aborda a história de um cara sem paciência para a baixa estima de sua namorada. A Mustang demonstra não ter compromisso com a previsibilidade e nem com a necessidade dela, mas sim com o espírito livre de criação. Isso fica claro em vários momentos do cd, como no arranjo dessa canção marcada pelos teclados psicodélicos beatleanianos de toque inusitado e na forte marcação da bateria de Américo Montágua.

Dignidade – O artesão rocker reforça sua profissão de fé na integridade da sua trajetória musical em "Tudo pelo dinheiro". É aquela velha lição – que pode parecer papo ingênuo, mas lá no seu fundo filosófico não é mesmo - de que não podemos abrir mão de nossos sonhos. Rock pesado sem maneirismo, mas com teclado progressivo viajandão e solo de guitarra bem old school. A paixão do mentor da Mustang pela Ufologia surge em "Contato", onde o som espacial ganha corpo nos teclados, moog e guitarras e no texto que diz que "uma resposta e um rosto cruzaram o hiperespaço pela força do pensamento sem um único/ com destino ao acaso, acertaram o alvo/ fizeram contato/não, não sai de perto/ esse é próximo século/ não vamos destronar deus/não há motivo para se assustar".

Outro destaque do "Oxymoro" é a faixa "Esse mundo é muito grande", glitter com refrão grudendo no ouvido. Impossível de novo ficar insensível ao ouvir que "esse mundo é muito grande/eu vou encontrar alguém/em outro lugar/com erros diferentes/eu já cansei de suportar...vontade que cala/diálogo sem fala/verdade muda/que nasce morta/batendo de porta em porta/vou encontrar alguém..." .

Sob o brilho da influência marcboliana, a Mustang prossegue com sua aula de como fazer rock com paixão e cheio de variações melódicas em refrões ganchudos, como em "Caridade". Essa música traz à tona as contradições de um mundo tão caótico e cheio de rancor porque "se o mundo está doente, não é a toa, se é feito de pessoas honradas como você, você, você...para sentir-se melhor, coloque a culpa na governo, na polícia e na política...mas são todos seres vivos e com defeitos como você...". Efeitos psicodélicas de gravações invertidas dão o tom mágico para Carlos Lopes cantar que "você é tão caridoso e caridade precisa de publicidade...mas, entre quatro paredes, você coloca seus demônios para fora...". O arrepio continua até na versão instrumental da música tocada em teclados fora de órbita. Cortesia by maestro alemão Rotieh Ortseam, que "baixou" no estúdio para abrilhantar as gravações. Será que isso foi mais um lance do intricado universo simbólico de Carlos Lopes?!. Who Knows...nada com a Mustang parece mesmo passar perto do previsível.

Longe dos hypes - A pegada mais hard´n´heavy do "Oxymoro" fica por conta de "Cheiro de Mijo guardado", onde Carlos Lopes destila sua velha veia crítica aguçada e algum humor para falar da sua falta de paciência com a cena rock brazuca tão marcada por modismos, modismos às avessas, atitude colonizada e posers de todos tipos. Sem cerimônias, ele avisa que "parece que só tem viciado ou viado/nada contra, mas vá fumar pro outro lado...eu amo rock´n´roll/ mas essa cena está um saco de gato...o inferno está lotado/ de gente com boas intenções/são os filhos desgarrados/atitude furada/ estética colonizada... essa é a noite do mijo guardado".

Outro momento agradável do cd começa ao som da, quem diria, saudosa estática de vinil, que abre o neo rhythm´n´blues "Sem mulher, sem dinheiro". Um piano boogie, uma guitar hard blues e um vocal glitter comandam a folia. A canção relembra o pesadelo dos que vivem atolados na esfera hedonista da vida, pois "nesse mundo, ninguém pode caminhar sozinho...sem mulher, sem dinheiro...sem grana, sem fama: estou puto!".

Se fazer declaração de amor na cultura de massa é chover no molhado, a Mustang consegue virar esse jogo imagético, pois em "Eu te amo" , um rock ligeiramente marcboliano, Carlos Lopes divaga para uma musa imaginária: "...eu te amo/eu te quero tanto/não banco para nós um lugar especial/nada acima do bem e do mal/mais sabedoria, acumula mais riqueza/ que o caminho das pedras até o Santo Graal/ para sorver o cálice do seu amor...". Brilhante?! Sei que não, mas transbordando criatividade autoral e senso de liberdade como há muito tempo não acontece no rock cantado em bom português.

O power pop melancólico mutante "Fim de semana" é um grande achado do repertório da Mustang. Letra existencial, exalando sinceridade, trata da busca de felicidade da humanidade, que joga todas fichas nos finais de semana num contraponto ao dia-a-dia, que lhe rouba a alma. Dilema conhecido, intercalado por quebradas jazzísticas, ele emenda: "não espero muita coisa dessa vida/mas, não perco a esperança/rio da minha tragédia/dessa situação comédia/ralo de segunda a sexta-feira/ à noite, ganho meu salário de fome...viver assim será que é alienação ou simples diversão?/chegou o fim de semana/sem compromisso/um brinde a nova moral/nem tudo é eternamente já". Quando se pensa que a música vai caminhar de forma linear entra uma mensagem nonsense – saindo de voz de megafone, que nos remete ao obscurantismo patropi dos anos 70, sob acompanhamento de solos de guitarra e moog em transe enlouquecido – para informar que chegou "uma nova segunda-feira, venha, sorria/você é um trabalhador brasileiro...aceite a sua situação, sua situação, sua situação...". É o fantasma do "Grande Irmão" de George Orwell assombrando o imaginário coletivo para que ele não lute contra o seu "destino". Rock visceral que emociona os de mente aberta e espírito libertário.

Para fechar a tampa, "Ela lê a Bíblia" – um rockão stoniano com introdução instrumental bem AC/DC (fase For Those About Rock...) e solo de guitarra desconcertante –, que fala de um cara que pediu a deus uma garota que fosse "dama de dia e puta na cama". Mas, o incrédulo rapaz fica extasiado porque, oh céus!, como "...ela lê a Bíblia e faz de tudo...ele atendeu, valeu deus!". De forma espirituosa, o personagem da canção escapa de passar como um pecador laico ao agradecer a deus por facilitar seu prazer carnal. A Mustang tece uma crítica enviesada ao falso puritanismo que inunda corações e mentes mundo afora. Mais "Oxymoro", impossível.

Pingue-pongue com Carlos Lopes (Mustang)


Carlos Lopes, criador da Mustang

CCR – Antes de mais nada, é importante superar a questão de analisar o fim da Dorsal Atlântica e da criação da Usina Le Blond e da Mustang sob uma ótica de ruptura de vida pretensamente impensável num mundo tão cheio de paradigmas. O que interessa saber é qual foi a mudança em essência ocorrida na cabeça daquele jovem que criou uma das mais influentes bandas do rock pesado mundial no final da ditadura militar brasileira até chegar ao cara mais experimentado de quarenta anos que continua fazendo rock autoral visceral sem fronteiras em tempos de Brasil redemocratizado, mas infestado de tantos modismos musicais?

CL – Nenhuma mudança é de uma hora para a outra. É algo que vai se delineando. Há quase 2 décadas descobri que era isso o que me diferenciava. Eu me sentia mais diferente do que os diferentes em muitas coisas e iguais aos iguais em outras. Sempre amei descobrir, pesquisar, romper convenções, contradizer a contradição. Eu sou muito sensível, isso quase me matou muitas vezes, mas aprendi que o que vale nessa vida é a ação consciente, mesmo que solitária, mas nunca a intenção. Na vida tudo é ilusão, é um jogo jogado por todos para que no dia seguinte possam acordar, pelo menos acreditando que exista um estilo favorito, uma estética real ou um Deus palpável. A destruição de tudo isso, te trás a um lugar santo, que não sofre interferência de nada fútil. Eu caí de cabeça nessa realidade alternativa, por assim dizer, há pelo menos 15 anos. Por isso falo que venho mudando (ou me aprofundando ano após ano) há bastante tempo. A música acompanhou minha cabeça. Ela representa uma parte mais atual do meu eu, mas ainda é incapaz de retratar o que caminha dentro de mim, como um corcel, ou melhor: um Mustang.

CCR – Ao ouvir o segundo cd da Mustang, "Oxymoro", tem-se a sensação que ali está registrado o DNA artístico de um músico que quer fugir de qualquer "camisa-de-força" estilística. Pode-se perceber nitidamente que é um cd cheio de visceralidade e paixão. Qual foi a bússula existencial que lhe orientou para compor material tão rocker (no sentido romântico e não colonizado do termo) e ao mesmo tempo tão cheio de referências estéticas refinadas?

CL – Não dá para prever, não dá colocar dentro de uma redoma. É orgânico, é espiritual. Se eu fosse me desesperar com todas as derrocadas da vida, eu já teria abandonado a música ou a arte e me tornado um medíocre, para alimentar ainda mais mediocridade. As faixas de cada álbum foram compostas em um período relativamente curto de tempo, mais ou menos 6 meses. Compor é um ato solitário de coletividade espiritual, é pura explosão, é um orgasmo após o outro. É tiroteio. O que acredito que tenha te impressionado mais no trabalho é a liberdade que exala de cada faixa, porque eu não dou a mínima para o mercado, para a moda, para o lugar comum. Eu respeito o Tom Zé e adoro o Elomar, mas eu não sou eles. Cresci ouvindo Kiss e Wilson Simonal na mesma vitrola na sala. Não tinha como não mexer com minha cabeça. O importante sempre é canção, a melodia, o que te fala à alma. Tem que ir além de gostar, não gostar, entender ou não entender. Falo sério com humor e rio da desgraça. A música é a roupa de gala.

CCR – O amor é um tema recorrente em quase todas faixas. Você preserva o texto perspicaz de outros tempos, mas com outro viés. Elas têm relação com sua viagem de busca espiritual?

CL – Amor é tudo o que importa nessa vida. Não o amor apenas possessivo (Raul dizia que quem ama, liberta), sexual, mas o amor pela verdade. E o que é verdadeiro? O que é mentira? Para alguns é o status, as contas pagas no fim do mês, que significam paz de espírito. Isso seria o ideal, desde que viesse acompanhado de coisas mais importantes. Mas não dá. Não nasci para isso. Sou um kamikase, um deus destruidor, nunca estou satisfeito. O amor me sufoca, me dá esperança. Mas com humor, desce bem melhor.

CCR – O conceito "Oxymoro" surgiu de uma conversa sua com Wayne Kramer (MC5). O vermelho das roupas da banda vem da fase "comunista" dos New York Dolls. Em tempos de rock sem espírito rebelde e impregnado de teor excessivamente comercial, a Mustang poderia ser definida como um grito rocker independente contra a atitude colonizada, modista e acomodada do cenário do rock brazuca?

CL – O oxímoro é uma frase de duplo sentido, que se contradiz, como por exemplo: inteligência da polícia. O conceito do disco é esse: uma contradição que se contradiz. O novo e o velho, a verdade e a mentira, o amor e o amor. A maior dificuldade que as pessoas têm em entender o que faço, seja no Mustang ou na Usina é decifrar o enigma da esfinge. Nunca é apenas escutar música, longe disso, é um pacto de fogo. Chegar perto de algo incandescente, te queima. Ouço e vejo muita coisa boa, mas elas não me representam em nada. E cada um é um universo. Não tem como julgar quem quer que seja. O julgamento sempre é algo puído. O ideal é que a música e a arte em geral, devam ser atemporais, para que influências passageiras não interfiram no processo, para que possam se conectar sem ingerências. Ou gosta-se ou não. Ou entende-se ou não. Quantas vezes eu chorei defronte uma pintura e morri de tédio em um show de rock. Até perdi a conta.

CCR – Você já disse que considera a Mustang como punk´n´roll. O "Oxymoro" parece não caber nessa expressão, pois vai muito além. Você já citou em entrevistas New York Dolls, Beatles, Stooges, MC-5, Thin Lizzy, UFO, The Rods e Raven como sons que ainda fazem sua cabeça. Eu tenho 36 anos de idade, quase 25 mergulhados no portal mágico do rock, fui platéia do Dorsal Atlântica, não me considero um saudosista e me emocionei bastante ao ouvir o cd. Que tipo de público a Mustang tem alcançado?

CL – Vamos dizer que essa expressão se adequava melhor aos tempos iniciais da banda. Como a música que escrevo evolui mais rápido do que poderia imaginar, hoje não dá mais para rotular a banda: não é rock clássico, porque não é embolorado, não é mais punk porque toco progressivo, mod e psicodelia; tem o humor do glam mas também tem costeleta; é brasileiro mas é latino; sou um carioca paulista pernambucano baiano cearense gaúcho goiano de Manaus. Se nem sei quem sou, como você acha que podem me entender? Eu só tenho amor e suor para dar. Se for isso o que você procura, talvez sejamos bons amigos. A única coisa que posso te dizer é que sou um branco negro ou um buraco negro.

CCR – Você parece ser um cara muito espiritualizado, num sentido amplo do termo. Conte-nos como foi a experiência da participação do maestro Rotieh Ortseam na elaboração de arranjos?

CL – Bem, Rotieh é o codinome de um amigo maestro que tem uma grande relação de respeito e amizade conosco. Uma afinidade espiritual, de fato. Sempre que ele escreve os arranjos, os faz na hora, nunca ouvindo a música antes. É ou não é. E eu gosto assim.

CCR – O primeiro trabalho da Mustang, "Rock´n´roll Junkfood", lançado em 2002 pela gravadora carioca Old School Nice Lessons e sua versão em inglês tem um som mais básico do que o "Oxymoro"?

CL – Pode-se dizer que sim. Acrescentaria que o primeiro CD foi ousado à imagem e semelhança daquele momento, mas àquela época eu nunca imaginaria o que estaria escrevendo em apenas 3 anos. Evoluí muito como compositor, a banda mudou de formação, novos músicos acrescentam novas formas de tocar, a técnica de gravação se adequou mais à proposta que eu sonhava desde o início, mas não tinha ainda a percepção adequada para realizá-la. É muita coisa em tão pouco tempo. Praticamente 3 discos em 3 anos.

CCR – Como você define em termos sonoro e lírico as composições do próximo trabalho do grupo?

CL – O novo álbum foi lançado pela Monstro em janeiro de 2006 e se chama "Tá Tudo Mudando... Mas Nem Sempre Pra Melhor". O título também simboliza muito o conteúdo. Estava passando em uma rua do meu bairro, quando vi uma construção no meio de um parque. Aquela área ficou igual durante mais de 10 anos. Quando vi a mudança, essa foi a frase que falei... e que virou o título do novo trabalho. Cada disco não é apenas a fotografia de um momento, mas sim, mais uma estrela que surge no firmamento. É como o Cruzeiro do Sul com mais uma estrelinha. Desde o início do Mustang e da Usina, a idéia sempre foi fazer música orgânica. Só gravamos ao vivo, eu e o baterista ao mesmo tempo. Sempre ao vivo. Depois o baixista grava sem nunca ter ensaiado ou ouvido as músicas antes. E ele grava de prima, cria os arranjos, descasca, morde, assopra, consome, faz o baixo chorar ali no ato. É inacreditável. Pura organicidade. E eu passo, como produtor, horas no estúdio, equalizando o áudio para que ele soe como um vinil, nunca como um CD.

CCR – O que conhece do rock feito na atualidade no Nordeste e, mais especificamente, da Bahia? Existe alguma perspectiva de tocar por aqui?

CL – Tocar na Bahia sempre foi um sonho. Sou apaixonado por história, é essa foi a nossa velha capital, pelas barbas de Cabral! Nas vezes anteriores tivemos problemas com os produtores baianos, nem gosto de lembrar. Acredito que encontraremos propostas melhores para realizar esse sonho antigo, que é "pegar santo" na Bahia em frente de todo mundo. Isso para mim vai ser uma grande realização, falando sério. Só me conhecendo para ver que não estou brincando. Os baianos atuais que mais admiro são os Retrofoguetes, Dr. Cascadura e Nancyta, mas não conheço tantos artistas locais para fazer uma grande lista.

CCR – Uma das faixas desse CD disponível para download chamada "Geração Perdida" diz na letra que a "Bastilha será em Brasília". Como encara o atual cenário político nacional?

CL – Eu mantenho minhas convicções, mas em outro nível. De uma certa forma, o escândalo petista nos amadurece, nos faz ver que a verdade não pertence a nenhum lado. A história republicana no Brasil é uma história de golpes e contragolpes, por isso a menção à Bastilha.

CCR – A Mustang caminha cada vez mais na direção de um rock´n´roll básico e diversificado ao mesmo tempo, abarcando até nuances mods típicas de Small Faces e The Who? No caldeirão musical da banda cabe um arco-íris de influências abrangentes, como Secos e Molhados, Mutantes, passando pelo AC/DC, Sweet, Motorhead e Grand Funk, sem esquecer do glitter do T-Rex e do power pop do Big Star?

CL – E muito mais, meu caro Watson. Tudo o que couber que não tenha contra-indicação.

CCR – O "Oxymoro" tem um som bem orgânico, percebe-se isso principalmente quando se utiliza um headphone e ouve-se todos detalhes em cada faixa, o que me remeteu ao feeling dos vinis de hard rock, glitter rock e proto-punk. Ou seja, um som mais cru e natural. Como se deu o processo de gravação e como foram registradas especificamente as guitarras, que dão o tom ao lado dos teclados e moog?

CL – O Oxymoro, especificamente, foi gravado em ADAT (ainda uma fita) e mixado no Cubase, pois esse é o programa instalado no estúdio que gravo (Staccato no Rio). Depois da mixagem estéreo, reequalizo o disco pelo menos duas vezes. Sobre os detalhes, isso é um fato. Sou um apaixonado por LPs. Não tem jeito. Um vinil trazia paixão à bordo. Você era obrigado a virar de lado após 15 minutos, a relação da música com o ouvinte era mais próxima e emocionada. Como ter paixão por algo que se deu download e se apaga em um apertar de mouse? Nisso sou antiquado. Arte não tem nada a ver com quantidade, mas sim com perenidade. Adoro sons crus, som de guitarra no amplificador. Som de verdade. Não pretendo descobrir sonoridades artificiais e irreais. Um dia elas também encontrarão seu extertor, o ocaso. Peço aos interessados que tentem pelo menos uma vez, escutar o disco com fones de ouvido, para atingir uma dimensão mais aproximada do que eu tinha em mente, quando imaginei o disco em meus sonhos. Nunca o escutem em caixas de computador, pois estarão matando o trabalho por antecipação.

CCR – A música "Rosana Está?" é uma homenagem ao ex-paquito Rosana Star, que virou transformista. O que você quis passar como mensagem existencial ao abordar essa temática de forma tão criativa? Você quis enfocar a hipocrisia da sociedade em geral sobre o assunto?

CL – Estou glorificando o direito de ser quem você quiser ser. Isso não tem nada a ver com caráter. A pessoa tem o direito de ser feliz. Se vão te aceitar, é outro problema.

CCR – O "Rock´n´roll Junkfood" recebeu uma versão em inglês e o "Oxymoro" tem cinco músicas em inglês. Você prefere cantar em qual idioma? Como tem sido a recepção no circuito alternativo no Exterior?

CL – Eu escrevo para português. O inglês é mais um necessidade, em alguns casos, mas não me vejo escrevendo discos em inglês, a não ser que isso seja uma obrigação.

CCR – Percebe-se que você é um cara antenado, mas possuidor de um humor direto e refinado. O que lhe inspira para fazer letras tão cheias de referências culturais e tão simples ao mesmo tempo? Que livros e filmes fizeram e fazem sua cabeça?

CL – A lista é grande. Sempre fui muito cabeção em termos de literatura e cinema: Bunûel, Bergman, Glauber, Wood Allen, Capra. Já tive uma fase "pior", mas hoje até consigo assistir alguns filmes mais populares, desde que não me agridam muito. Sou um sonhador romântico, apaixonado pelos filmes norte-americanos preto e branco, sejam mudos, ou falados dos anos 30, 40, 50 etc. Adoro o Gordo e o Magro, Buster Keaton, Carmem Miranda, Charles Chaplin, Paulete Goddard, Louise Brooks, Greta Garbo. Em literatura não tenho muitas preferências, amo mais ler do que assistir filmes, mas devo citar Machado de Assis e Carlos Heitor Cony.

CCR – Pode deixar uma mensagem para os que conhecem a banda e os que ainda não tiveram a chance de conhecê-la.

CL – Que tal meditarmos juntos ao som do rock and roll? Ou fazermos sexo coletivo com um só?

http://www.monstrodiscos.com.br/

Ficha técnica
Oxymoro - 2004 – Monstro Discos
Gravado ao vivo no Estúdio Staccato (Rio de Janeiro) em ADAT em 16 canais e finalizado no Cubase entre Junho e Setembro de 2003. As vozes, alguns solos, violões e percussão foram acrescentados depois. Produção musical e executiva de Carlos Lopes. Gravado em inglês e português.

Lista de músicas
Todas composições de autoria de Carlos Lopes
1 – Muito além
2 – Rosana está?
3 – Saco cheio
4 – Tudo pelo dinheiro
5 – Contato
6 – Eu te amo
7 – Esse mundo é muito grande
8 – Gilmore Girls
9 – Sem mulher, sem dinheiro
10 – Caridade
11 – Caridade (instrumental)
12 – Cheiro de mijo guardado
13 – Fim de semana
14 – Amor Pansexual
15 – Ela lê a Bíblia
Versões em inglês
16 – Over the top (above the clouds)
17 – Puppet love
18 – All about money
19 – Weekend

Formação da Mustang (fase Oxymoro)
Carlos Lopes – Vocais e guitarra Américo Mortágua – bateria e percussão Wlad Vieira – Baixo
Plus Special Guest: Rotieh Ortseam - teclados