Velhas Virgens, o bom e velho rock'n'roll



por Cláudio Moreira

Fazer por 20 anos um rock lascado, em bom português, sem vergonha de ostentar a maldita tríade dionisíaca de álcool, sexo e rock and roll. Essa é a marca do grupo paulista Velhas Virgens: um verdadeiro baluarte do rock brasileiro que sempre trilhou seu caminho longe de modismos musicais. Goste-se ou não da estética classic rock das Velhas Virgens, não se pode negar que o grupo faz um trabalho de muita qualidade e autenticidade. Antes do show realizado em terras baianas, na noite do dia 12 de maio, no Rock in Rio Café, o colaborador do Clash City Rockers que vos escreve motorizou devidamente a cabeça (era meu aniversário!) e deu um pulo no backstage para bater um papo rápido com Paulo Afonso Macedo de Carvalho, 40 anos, mais conhecido como o Paulão das Velhas Virgens. Compositor, cantor e líder da maior banda de rock independente do Brasil, a figura gente fina é um roqueiro de linhagem old school daquele tipo idealista cultural que sabe amar, antes de tudo, a boa música. Destilou torpedos pra lá de sinceros sobre o rock, samba, jabá e o tal do sucesso e fez um show com sua trupe, que gerou uma catarse impregnada do mais puro rock and roll, agradando em cheio o público de rockers (não, não, não, os moderninhos de plantão não apareceram!) e até uma surpreendente ala feminina. Todos se divertiram com a performance teatral das Velhas Virgens, que não deixaram pedra sobre pedra com suas guitarras no talo, back vocal sexy e letras cruelmente verdadeiras cantadas em coro. Terminado o show, a celebração dionisíaca invadiu a madrugada. Só que a parceira dessa aventura não era velha e muito menos virgem.


- O novo cd "Cubanajarra" segue a velha tríade conceitual sobre sexo, álcool e rock and roll?

- Estamos lançando o "Cubanajarra" no final de maio e é o nosso sétimo cd. De certa forma, nós fizemos algumas experiências sonoras, mesmo nessa praia de rock and roll nos últimos discos. Até tentando achar algumas alguns outros temas, que não fosse essa tríade. Mas, eu enchi um pouco o saco de querer plantar alguma coisa e voltamos extamente a esse tema. Então, esse sétimo disco parece muito com os dois primeiros. Então, eles falam basicamente de boemia, de putaria e de bebedeira. E tocando rock and roll reto pra caralho.

- Eu acho o texto de vocês com um fundo crítico apesar de toda carga hedonista.

- O nosso critico é como Nelson Rodrigues. E meio que observando o comportamento das pessoas e dessa coisa de hipocrisia, de fingimento social, do medo que as pessoas têm de assumir sexualidade, de falar de sexo. Em alguns discos, como no "Srº Sucesso", tem a música (a que dá titulo ao cd) que fala dessa coisa da indústria fonográfica, de obter o segredo do sucesso. A gente critica pra caralho. E aí chegamos a conclusão que deveríamos fazer de novo um disco de rock and roll reto. Esse disco foi feito em um mês, foi muito rápido

- Eu acredito que as Velhas Virgens têm um público em potencial muito maior do que você imagina em Salvador. Vocês são a maior banda independente do Brasil. Qual é a licão que a banda pode passar para outros grupos que querem persistir nesse caminho de integridade artística e de conquista gradativa de publico?

- É saber que a realidade é você subir no palco e fazer um puta show. E conversar com as pessoas, utilizar-se da internet, que e uma forma muito legal de se aproximar dos fãs em qualquer parte do mundo. E basicamente acreditar nessa integridade de fazer um som, ter uma cara e batalhar em cima daquilo. E ir para para a estrada e correr atrás do trampo sem ficar com essa ilusão de ser super star, de querer aparecer. Tem de pensar em fazer o que curte e bem feito porque a internet permite que você faça seu trabalho sem depender da mídia comum, do jabá e do cacete a quatro?

- Voltando ao assunto do jabá, que vocês tratam em "Srº Sucesso", como analisa a iniciativa de artistas em proporem a votacão de um projeto de lei para acabar institucionalmente com o jabá, esse mecanismo tão prejudicial com a diversidade musical na mídia?

- Eu acho que tem de ser feita alguma coisa para se acabar com essa corrupção descarada e pelo cultura, que é a musica. Não tem razão de acontecer, entendeu?! As pessoas precisam se movimentar e a gente apóia isso completamente. Porque a porra da radio deveria divulgar o que acontece e não ser comprada por gravadora ou pequenos grupos com grana por aí. Nós estamos juntos nessa idéia.

- Musicalmente quais são as suas influencias? Sei que você é fã do AC/DC e eu também sou muito.

- Na veia! (me mostra a tatuagem do AC/DC num dos braços)

- Porra!

- Nós vamos tocar hoje com uma das nossas grandes influências foderosas, que é o pessoal do Camisa de Vênus. Eles e o Ultraje a Rigor são as duas maiores bandas no rock brasileiro cantado em português que nos influenciaram.

- E lá de fora?

- AC/DC, ZZ Top pra caralho, Credence. Eu gosto muito de hard rock.

- Thin Lizzy?

- Também.

- Wishbone Ash?

- Não. Esse eu não conheço muito não. Tenho ouvido White Stripes, Audioslave, The Darkness, que é um lance de recuperar toda essa coisa meio glam-glitter do caralho. Mas, ouço ao mesmo tempo, Moreira da Silva, Bezerra da Silva, Adoniran Barbosa, Zeca Pagodinho, letras de samba do morro, samba de malandro. Acho que o rock brasileiro fica meio careta demais, meio patricinha demais, meio...

- Colonizado?

- É! E com essa linguagem do samba, mas o samba legal, não samba pagode podre de butique, que isso não interessa. Esse samba maneiro que falei, os caras conseguem achar uma linguagem mais próxima do boteco, da cachaça mesmo e da vida real das pessoas. Eu ouço isso para me inspirar para as letras que a gente faz.

- Como vocês conseguem chegar a essa métrica das letras em português dentro da linguagem rock? Porque você pode transpor aquele jeito de cantar rock em inglês para o português, mas poucas bandas no Brasil conseguem chegar a essa métrica, como as Velhas Virgens, Cascadura e Mustang.

- Cascadura é do caralho! Fabão! Puta banda! Essa atitude de dizer que rock and roll não serve para português é uma atitude de covardia poderosa. Pode dar mais trabalho porque é a mesma coisa de tocar samba em inglês. É mais complicado porque a linguagem original é o português, mas da para você correr atrás dessa história. É basicamente observar as pessoas e ir tirando crônicas dessas coisas do comportamento das pessoas. Achar boas letras, sem simplesmente ficar como versões. Você tem uma letra em inglês, ela tem uma característica muito forte, pois elas têm uma característica muito forte das palavras por terem vários sentidos. Então, você sempre parece muito poético em inglês porque ele é muito especifico. Então, você tem de saber do que está falando, cara. Eu acho que, na verdade, o escrever em português é um risco, mas você tem de correr esse risco.

- A geração mais nova que curte rock de uma forma geral, apesar de toda informação pulverizada via internet não tem uma leitura, digamos assim, mais antropológica desse universo rocker. Por exemplo, a garotada de hoje que curte Linkin Park, mas nem sonha em conhecer o Grand Funk Railroad. Nao falo num tom saudosista, mas falta conhecer a linha evolutiva do rock. Como as Velhas Virgens conseguem fazer rock and roll no Brasil sem ser colonizado, tendo respeito pela tradição e modernidade ao mesmo tempo, sem soar retrô?

- Ouvindo, ouvindo pra caralho. Cresci ouvindo Credence, Beatles e Stones. Sempre pesquisei muito isso, tanto pelo lado do Brasil para saber as raízes da Jovem Guarda e da Pré-Jovem Guarda quanto conversei com Tony Campelo e Eduardo Araújo para me informar sobre a historia de rock brasileiro mesmo, procurando achar essa linguagem adequada, entendeu?! Eu acho que é basicamente isso. Se você quer tocar alguma coisa, você tem de se informar sobre ela. Hoje, pela internet, tudo é mais fácil. Você baixa pelo Kazaa, você tem informação ali na hora. Você precisa de cifra, você baixa. Não é aquela historia de você ficar ouvindo a música para tirar de ouvido. Velho, o que as pessoas precisam ter e aquilo que Raul falou: "é preciso ter cultura para cuspir na estrutura!". Você precisa se informar das coisas, tentar ouvir mais coisas e não ficar ouvindo só uma influência.

- E ter uma visão mais critica em relação ao próprio rock?

- É. Nós vivemos uma fase de que o funk carioca toca pra todo lado, não por ser carioca, mas por ser um lixo, ser monocórdio, por ter discursos rasteiros. Não por falar putaria, mas rasteiros por não ter formação mesmo. Então, as pessoas deveriam ver de onde vem isso. De onde veio essa musica negra? Ela veio da Montown? Ela veio do soul, do jazz? Basicamente, você quer ser cozinheiro? Então, aprenda novas receitas. Experimente outros pratos. É isso.

- Voltando ao tema da cultura rocker para encerrar. Qual seria a grande lição, em termos de carreira artística que as Velhas Virgens com seus 20 de estrada de trabalho no Brasil teria para passar para o público?

- Eu acho que, quando você fala a real e se expressa com honestidade, as pessoas compreendem. Mesmo que elas te achem preconceituoso ou não gostem de rock, elas vão respeitar teu trabalho. O conselho que eu dou para quem gosta de rock e tem uma banda é não desistir de fazer a coisa do ponto de vista artístico. Quer dizer, do jeito que ele acha que tem de ser e não do jeito que ele acha que vai dar certo para ganhar dinheiro. Não é visar o dinheiro e a fama. Dá uma satisfação pessoal fazer o que você gosta. Quando você faz o que gosta, velho, fatalmente você vai atingir as pessoas. Fatalmente, você contagia as pessoas.