Hey Bo Diddley!!

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por Miguel Cordeiro

Quem era aquela figura que de vez em quando aparecia naqueles programas musicais americanos dos anos 1960 e que eram repetidos aqui na televisão brasileira? Quem era aquele negro da pesada, meio rechonchudo, cabelo alisado com ferro quente e um vistoso topete, óculos de aros grossos e paletós esquisitos? E aquela levada, elétrica e desconcertante, própria e peculiar, cheia de reverb e distorção que se assemelhava ao ruído de um trem sacolejando sobre os trilhos? E que banda simpática era aquela que o acompanhava e que contava com uma guitarrista de postura blasé (The Duchess) que fitava tudo com o canto do olho e um percussionista tocador de maracas (Jerome Green) que tinha uma marcação alucinante? E aquela dança engraçada que ele fazia enquanto se apresentava? E aquela incrível guitarra vermelha que ele usava em forma de caixote de maçã?

Aquela figura era Ellas McDaniel, nascido Otha Ellas Bates no estado do Mississipi em 1928 e que conquistou o mundo pela alcunha de Bo Diddley. Ele, ao lado de Chuck Berry e Litlle Richard seriam assim os pilares fundamentais, o triunvirato negro que estabeleceu os parâmetros de tudo. Little Richard foi o transgressor, o portador do grito primal – uóp bop loom uóp lop bam bum. Chuck Berry definiu a guitarra do rock e foi o grande poeta contador de histórias. Já Bo Diddley seria o mentor sonoro de toda a coisa, o inventor, o originador da batida selvagem e tribal daquilo que veio a se chamar rock´n´roll.

Criado por uma tia que com ele se mudou para Chicago ainda no início dos anos 1930, o garoto Ellas lá despertou para a musica, teve lições de violino clássico, ganhou uma guitarra da irmã e se apaixonou pelo rhythm and blues, pelo jazz e pelo blues elétrico que florescia em Chicago. Ainda na segunda metade da década de 1940 formou uma banda que costumava se apresentar nas ruas e esquinas da cidade e no raiar da década seguinte, quando o percussionista Jerome Green se integrou ao grupo, Bo Diddley foi ganhando cada vez mais notoriedade na cena local.

Mais alguns anos, mais precisamente em 1955, ele recebeu um convite para gravar pela lendária Chess Records cuja sede era em Chicago e que tinha no seu cast nomes como Chuck Berry, Little Walter, Muddy Waters, Howlin´ Wolf. E, então, foi lançado seu primeiro disco que trazia duas canções. De um lado, Bo Diddley, e do outro lado, I´m a man. Rapidamente este single alcançou os primeiros lugares da parada musical e Bo Diddley obteve fama e respeito e caiu na estrada para se apresentar em várias cidades americanas.

Seu ritmo diferente e que às vezes era absurdamente mantido num único acorde tinha o poder de mexer, involuntariamente, músculos esquecidos do corpo. Suas composições de grande originalidade e muitas delas auto-referenciais se tornaram clássicos instantâneos do rock´n´roll: Who do you love, Road runner, I´m a man, You can´t judge a book by its cover, Hey Bo Diddley, Before you accuse me, Gunslinger, Cadillac, Pretty things.

Como era de se esperar, sua influencia foi profunda e marcante através de várias gerações. Elvis Presley, Buddy Holly – que compôs Not fade away com o riff roubado da levada de Bo. Em 1963 fez sua primeira excursão à Inglaterra com efeito devastador, deixando em polvorosa as platéias e marcas profundas nas bandas que pipocavam em terras britânicas. Rolling Stones, Yardbirds, Animals, Pretty Things, The Who, Van Morrison & Them, The Kinks, todas elas foram impactadas pelo som de Bo Diddley e pela marcação rítmica e presença cênica do percussionista Jerome Green.

Anos mais tarde outros artistas também foram afetados pela mordida selvagem e venenosa de Bo Diddley. Cream, Stooges, Z Z Top, George Thorogood, alcançando também a geração punk com The Clash que excursionou com ele no final dos anos 1970. O mesmo com alguns grupos dos anos 1980 como Jesus & Mary Chain e seguindo firme até hoje com bandas como White Stripes e outras. E esta influência avançou sobre outros estilos afetando até os rappers já que o velho Bo, ainda nos anos 1950, costumava tagarelar em cima de uma base rítmica.

Atualmente, beirando os oitenta anos de vida, Bo Diddley ainda está na ativa. Faz shows com regularidade, tem uma enorme legião de fãs, mas não lança novos trabalhos há décadas. Pelo seu histórico e importância isto não faz a menor diferença, pois, com muita maestria e picardia, já fez o que tinha que ser feito.