Interpol, corte sob medida

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por Marcos Rodrigues

Acendam as luzes. O título paradoxal para uma melancolia que permanece. "Existe uma dignidade que nos preserva de desaparecer em Deus e que transforma todos os nossos instantes em preces que não faremos jamais". Acendam as luzes. Nem tudo está perdido. "Não necessito tanto de luz quanto de trevas (...) me atemoriza demais o que há de banal na existência humana", dizia Hölderlin. Passados mais de duzentos anos, a inversão faz sentido. Hora de sair da escuridão. Não da introspecção que nos preserva, não da meditação que nos alimenta. É apenas hora de acordar.

Turn on the bright lights (2002, Matador), o álbum de estréia do quarteto novaiorquino Interpol, marca antes de tudo um despertar. "Quando feiúra, design pobre & desperdício estiverem sendo impostos a você, transforme-se num luddita, jogue o sapato no mecanismo, retalie. Esmague os símbolos do Império, mas não o faça em nome de nada que não seja a busca do coração pela graça".

A música do Interpol recoloca, de alguma forma, na pauta do dia a questão do fazer. Do artefato, da arte enquanto uma via humana para chegar ao sublime. Sim, uma perspectiva moderna ainda. O Rigor & a Precisão que nos mantém vivos, numa competição com Deus. Um som obsessivo. Rigor & Precisão que liberta. Elipses do pós-punk inglês no seu encontro tangencial com a vanguarda de New York, sobretudo o Television.

Uma poética que retoma a inevitável Paris dos anos loucos. Tom era Verlaine, Paul Banks (vocal, guitarra, letras) também foi encontrado na Cidade Luz. No rol de referências múltiplas, não à toa, a concepção gráfica da banda apoia-se no design construtivista russo do início do século XX. Le Rouge et Le Noir. Estética beirando os sistemas totalitários. Alemanha e Rússia. Nisso também chegam-se outras bandas novas como o Franz Ferdinand. Esse minimalismo racional de uma utopia que encontramos de novo, sem as ingenuidades de outros tempos.

O som do Interpol só poderia ser essa trilha sonora da desilusão moderna. Consciência de solidão. Não a consciência de impotência que paralisa, mas uma lucidez de se saber humano e de explorar essa beleza trágica. Love songs cinzentas. I will stand by all this drinking if it helps me through these days / It takes a long time just to get this all straight / I'll showcase on Route 7 when I find the right place. Navalha na carne.

O segundo álbum, Antics (2004) veio e, para desespero da turma do 'quanto pior melhor', confirmou a determinação da banda em fazer rock adulto. Outro termo que virou palavrão nesses dias de Peter Pan. Os acordes dissonantes, distorcidos, em dedilhados insistentes, cortantes; baixo e bateria num combo classudo, quebrando compassos; expresso trans-siberiano. Teclados etéreos e uma voz que remete, é fato, ao monolito chamado Joy Division.

De toda a (boa) nova cena novaiorquina, o Interpol está alguns degraus acima dos seus vizinhos: The Stills poderiam chegar perto caso se levassem mais à sério. Revisitam outras épocas sem serem saudosistas: não há aqui roupinhas de brechó dois números abaixo, nem simulações de gravações em estúdios analógicos, nem desleixo estudado. São uma banda do novo século e deixam isso claro no cuidado com as gravações e nos caminhos que apontam com suas composições. E, no mais, se também usam ternos completos, o fazem com cortes sob medida. My best friend's a butcher / He has sixteen knives.

O Interpol em 2005 continua na tournée do último álbum. Sold out em várias cidades da Europa até Junho deste ano. Sinais de que vida inteligente continua possível no rock'n'roll e os estilhaços, de uma fragmentação que nunca existiu de verdade - não, não vivemos em fractais - estão sendo recompostos. I wish I could live free / Hope it's not beyond me / Settling down takes time / One day we'll live together / And life will be better.

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Trilha incidental: Say Hello To The Angels (Interpol, Turn On The Bright Lights)