Quem tem medo de Timothy Leary?

.

Leary e sua esposa Rosemary, 1968.


por Miguel cordeiro

Se ligar, se sintonizar e cair fora. Este foi o mais famoso dos seus lemas e poucas pessoas foram tão cruciais para a cultura contemporânea quanto o norte americano Timothy Leary. O que este cara fez durante a sua existência não está no gibi. Para se ter uma idéia o presidente americano Richard Nixon, político reacionário, senhor da guerra do Vietnam e artífice da espionagem e grampos de Watergate certa feita declarou que Timothy Leary era 'o homem mais perigoso do mundo'.

Psicólogo e professor da Universidade de Harvard, liderou um grupo de pesquisas sobre os efeitos causados pelas drogas psicoativas, experimentando várias substancias até chegar ao poderoso LSD (criado em 1938 pelo suíço Albert Hoffman), e quando Dr. Leary pingou algumas gotinhas dele em sua própria língua, o mundo mudou para sempre. A partir daí, Leary virou uma figura emblemática passando a conviver com cientistas, atraindo personalidades como Aldous Huxley (que se tornou um grande amigo), escritores beats, artistas da contracultura, gente do cinema, músicos do jazz e do rock. Virou o guru da malucada e, lógico, foi expulso de Harvard.

Sem vínculos oficiais mergulhou fundo na agitação dos anos 60. Falava abertamente sobre a experiência do LSD, organizou sessões psicodélicas nos parques de São Francisco da Califórnia ao lado de Ken Kesey e ao som do Grateful Dead e logo logo era o cara mais influente entre os que influenciavam. Aprontou tanto que as coisas começaram a complicar para o seu lado e terminou indiciado por ser pego com uma pequena quantidade de marijuana.

Em 1969 decidiu se candidatar a governador da Califórnia com o apoio da malucada e a campanha financiada por roqueiros famosos. O próprio John Lennon confirmou que Come Together dos Beatles foi composta originalmente por ele para ser jingle da candidatura. A investida de Leary na política foi a gota dágua para a moral conservadora americana. Terminou condenado por aquele processo por porte de drogas e foi encaminhado para o xilindró no inicio de 1970. A pena: 30 anos.

Nove meses depois, com a ajuda dos amigos e apoio logístico do grupo guerrilheiro Weathermen Underground, fugiu espetacularmente da cadeia para o exílio e sua escapada cinematográfica provocou a ira das autoridades por ridicularizar a eficiência carcerária norteamericana. Foi caçado em todos os lugares enquanto pulava de um país para outro, mas num vacilo, em 1973, fez a asneira de ir para o Afeganistão e caiu numa armadilha da Interpol, do FBI e da CIA.

De volta aos Estados Unidos amargou três anos de cadeia, sendo transferido constantemente de uma prisão de segurança máxima para outra, às vezes com o nome trocado pelas autoridades. Foi interrogado, ameaçado de diversas formas, colocado para ser vizinho de cela do assassino macabro Charles Manson, até que foi libertado em 1976, o que levou a proliferação de boatos de que havia colaborado com a CIA e dedurado antigos companheiros em troca da liberdade. A verdade é que o caso é meio nebuloso. Leary teria falado para as autoridades sobre os Weathermen Underground, mas, em se tratando do 'homem mais perigoso do mundo', um cara odiado tanto pela direita conservadora por ser uma ameaça a moral e aos bons costumes como pela esquerda autoritária que o acusava de alienar a juventude através das drogas, não é de estranhar que seria difamado pelo resto da sua vida.

Uma vez em liberdade, Leary estabeleceu-se na Califórnia, voltou a ser uma celebridade, fez palestras, escreveu artigos e roteiros, enveredou pelo mundo dos computadores e lançou em 1986 uma sensacional autobiografia, Flashbacks, onde ele narra com detalhes a sua trajetória.

No inicio dos anos 90 foi diagnosticado com câncer, mas não esmoreceu. Utilizou a doença a seu próprio favor dizendo sentir-se excitado com a proximidade do fim da vida. Falou em transmitir sua morte on line e resolveu ser congelado após o óbito mas desistiu pouco antes de morrer afirmando ter tido uma visão em que acordava algumas décadas adiante totalmente desesperado por estar cercado de cientistas sisudos fazendo anotações em pranchetas.

Nos seus últimos dias vivia festejado pelos amigos, admiradores, repórteres e costumava passear pelas avenidas das praias do sul da Califórnia a bordo de carros rabo-de-peixe sem capota ao lado de garotas de topless. Promoveu um jantar de despedida no palco de uma casa noturna simulando um cenário igual ao do quadro A Última Ceia de Leonardo Da Vinci. E ainda gravou um excelente CD - Right to fly, com o mais puro rock´n´roll onde canta e se despede da vida. Timothy Leary, o Papa da Contracultura, morreu em 31 de maio de 1996, foi cremado e suas cinzas, transportadas num foguete da Nasa, foram espalhadas no espaço sideral.

P. S.
Para conhecer melhor a vida deste fantástico personagem leia a autobiografia Flashbacks, veja o filme Flashbacks (com Denis Hopper e Kieffer Sutherland) e consiga o CD Right to fly.