Joe Cocker, antes daquilo tudo
por Miguel Cordeiro
Os excessos por uso de álcool e de drogas pesadas só contam a favor para aqueles rockers que morrem de forma trágica e se tornam mártires. Porque acontece muito do cara não ser essa coca-cola toda, morrer de overdose e passar a ser supervalorizado e a ser “gênio”. Mas quando o cara pega pesado, vai ao fundo do poço, permanece vivo e tem de encarar a vidinha terrena segurando as pontas, aí é que é o grande desafio. E o glorioso rock´n´roll não costuma perdoar. Este tipo de rocker pode continuar na ativa mas, seguramente, vai cair na vala burocrática da industria fonográfica. E o pior é que ele sabe que para voltar a fazer discos brilhantes vai ter de entrar na bagaceira de novo, então ele fica com um pé atrás pois sabe do altíssimo risco desta manobra.
Ainda na virada dos anos 1950 para os anos 1960 Joe Cocker já estava participando de bandas e o seu modo emocionado de interpretar descende de Ray Charles, do gospel e cantores negros de rhythm´n´blues apesar de ser um inglês branquelo e desengonçado. Inesperadamente alcançou as paradas britânicas em 1967 com o single Marjorine e já o seu primeiro álbum, With a little help from my friends, de 1968 o consolidou no cenário. Um ano mais tarde lançou outro LP intitulado apenas Joe Cocker e estes dois trabalhos foram suficientes para projetá-lo como um intérprete imcomparável de pérolas do universo roqueiro da sua geração, sendo que suas versões são tão boas quanto as originais. Dos Beatles cantou Something, She came in through the bathroom window e recriou With a litlle help from my friends com a ajuda da guitarra de Jimmy Page. Revisitou Bob Dylan em Just like a woman e I shall be released. Refez à sua maneira Feelin´alright do Traffic. Reinventou o blues dilacerando o clássico Don´t let me be misunderstood e Bye bye blackbird de Willie Dixon. Reconduziu às paradas The letter dos Box Tops (Alex Chilton). Reviu Bird on a wire de Leonard Cohen. Também compôs boas canções com seu pianista e baixista Chris Stainton e deve-se ainda destacar os músicos extraordinários que o participam destes álbums, entre eles, Jimmy Page do Zeppelin, Steve Winwood do Traffic e do Blind Faith, Tony Visconti que posteriormente trabalhou com David Bowie e T. Rex.
Sua adrenalizante apresentação registrada no filme Woodstock cantando With a little help from my friends deixou o público chapado e o levou ao estrelato, mas ficou estigmatizado como um cara muito louco que dava bandeira de estar sempre alto de birita e LSD.
Em 1970 Joe Cocker estava na crista da onda e de forma audaciosa organizou uma excursão genial (Mad Dogs & the Englishmen) que se transformou numa enorme roubada. Com uma numerosa banda liderada pelo pianista, guitarrista e arranjador Leon Russell e mais quarenta pessoas a bordo de um antigo avião Constellation, Cocker mapeou os Estados Unidos com muito sucesso, porém devido à bagunça generalizada, excessos de todo tipo, falta de planejamento operacional e comercial chegou ao seu final com dívidas monstruosas. Ainda por cima, Joe teve de enfrentar um período de barra pesadíssima de esgotamento nervoso e problemas sérios com álcool e drogas.
Retornou alguns anos depois de forma apenas razoável e sem o pique inventivo de antes. Ainda fez uns dois ou três discos meeiros, mas com o passar dos anos se tornou um artista previsível. Às vezes acerta em uma música ou outra mas aquele Joe Cocker piradão e genial que destroçava e desconstruia as canções ficou lá atrás num longínquo passado.