A volta por cima de Marianne Faithfull

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por Miguel Cordeiro

Filha de tradicional família da aristocracia inglesa, dotada de uma beleza fora do comum, bem educada, intelectualizada e musa da Swinging London dos anos 1960 que despertava paixões de fâs e de músicos, Marianne Faithfull iniciou carreira como cantora com o single As tears go by, uma belíssima balada composta exclusivamente para ela por Mick Jagger & Keith Richards e que alcançou os primeiros lugares das paradas britânicas em 1964.

A partir daí, lançou discos periodicamente, se tornou mulher de Jagger, enveredou também na carreira de atriz atuando em alguns filmes, sendo o mais famoso deles A Garota da Motocicleta em que contracena com o galã francês Alain Delon. Marianne Faithfull também foi co-autora da canção Sister Morphine que está no álbum Sticky Fingers, de 1971, dos Stones.

Acompanhar o ritmo de vida dos Rolling Stones é uma tarefa para poucos e às vezes torna-se mesmo um risco de vida. Que o digam os finados Brian Jones, Gram Parsons e vários outros sobreviventes, anônimos ou não. E para Marianne Faithfull a barra pesou com a chegada dos anos 1970, marcando o começo do seu inferno astral ao cair no labirinto das drogas pesadas e que trouxe sérias consequências à sua vida particular.

Separou-se de Jagger, afundou mais ainda no vício, a carreira artística também desceu pelo ralo, teve problemas de falta de grana e, por uns tempos, viveu nas ruas londrinas dormindo em prédios abandonados. Até que ela se esforçava, tentando uma carreira no teatro, um ou outro mal sucedido tratamento para se libertar das substancias químicas, arriscava lançar um disco ou outro mas não conseguia reverter a situação em que se encontrava e teve de encarar um longo período de ostracismo.

Eis que, em fevereiro de 1979, Marianne Faithfull ressurge das cinzas ao lançar o album Broken English. Um trabalho poderosíssimo que teve repercussão imediata e que era diferente de tudo que ela tinha feito antes. Após o levante dos novos artistas da cena inglesa de 1976 / 1977 e observando um ambiente musical de muitas transformações, Marianne se aproxima daqueles jovens assimilando e incorporando as diretrizes do movimento punk. Primeiro ela agrupou em torno de si uma puta banda, compôs em parceria com seus integrantes várias canções e o repertório espelha essa guinada radical.

Guitarras e teclados se entrelaçam pontuando uma base rítmica perfeita para a interpretação de Marianne Resultado: um discaço! Um álbum punk, violento, porém, com um tratamento sonoro sofisticado e muito bem executado. Aquela voz angelical e aveludada de antes deu lugar a uma voz dilacerada e sombria. As letras desta nova fase não são como aquelas que ela costumava cantar, do sonho utópico dos anos hippies. Agora ela canta sobre a angústia e o desespero. Discorre sobre as sequelas cerebrais em Brain Drain, encara com sarcasmo o sentimento de culpa em Guilt, descreve o prazer erótico e carnal com palavrões despejados aos borbotões em Why D'ya Do It, vocifera contra o totalitarismo e a guerra fria em Broken English, aponta o dedo para a empulhação política numa releitura irrepreensivel de Working Class Hero de John Lennon, o único compositor representante da geração dos anos 60 e digno de sua reverência.

Broken English é mais um daqueles álbuns memoráveis e reconduziu Marianne Faithfull de volta ao panteão do rock. Com este trabalho ela encontra, de uma vez por todas, o seu próprio estilo e cria uma marca pessoal muito apropriada à sua lenda e biografia. Firmou-se como uma excelente cantora, passou a ser cultuada pelo público e tambem pela nata de compositores do rock que escrevem canções para ela cantar e que se sentem homenageados quando ela os interpreta. Tornou-se uma mulher madura, consciente do seu talento, e, parece ter aprendido a conviver com as forças que habitam o seu interior.