Shivaree

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por Marcos Rodrigues

O mundo descobriu Shivaree com I oughta give you a shot in the head for making live in this dump, título de 1998, que vendeu mais de 500 mil exemplares, só na Europa, puxado por uma exaustiva tournée de 17 meses. O Brasil, mais recentemente, através de Goodnight Moon, da trilha sonora de Kill Bill 2 e, infelizmente, através da bela canção Close my eyes, que virou tema de par romântico nos Big Brothers da vida.

Shivaree. Serenata de bêbados. Como o encontro de dois homens e uma garota: Duke McVinnie (Johnny Otis, J.J Cale), Danny McGough (tecladista de Tom Waits) e Ambrosia Parsley (cantora, guitarrista). Três californianos. Dá pra pensar em Jules & Jim. Mas Ambrosia parece preferir ser a Dorothy do Mágico de Oz cercada por Hunck, o espantalho e Hickory, o homem de lata. Uma história mágica como esse encontro que criou um ponto de enclave para estilos diferentes, como o cabaret, o blues, o jazz, o folk e o rock. Uma alquimia possível graças a composições seguramente cinematográficas. Sua música é inclassificável. É preciso escutá-la.

Um primeiro álbum construído à maneira de um road movie que permite ouvir e ver os grandes espaços norteamericanos habitados pela poesia de Ambrosia Parsley. Como um filme de David Lynch. Um álbum que escutamos felizes por nos deixarmos transportar por uma voz que transmuta-se; cristalina, infantil, profunda, envolvente e por vezes rouca. Dá para pensar em Rickie Lee Jones ou em Cat Power. Ambrosia evita os rótulos. Ela dá o tom do Shivaree. Envolve por sua delicadeza e sua fluidez, pedaços melancólicos, impressionistas, raramente alegres. Citando Ray Charles, ela diz que Peggy Lee, Dr Seuss, Harold Arlen, Nina Simone, Gainsbourg, Piaf, Django Reinhardt e Gershwin contribuem largamente para o seu processo de criação.

Em 2002, o trio lançou Rough Dreams (em homenagem a I've got dreams to remember, de Otis Redding), um álbum rico em gêneros, tão elegante quanto o primeiro porém mais eletrônico e menos melancólico. Um álbum que nunca saiu dos Estados Unidos, por obscuras razões da gravadora. Pouco importa, Shivaree se ateve às novas composições. Seduziu o público pelo talento musical e pelas canções, mas também pela simplicidade e, notadamente, pelo magnetismo da bela Ambrosia, que joga teatralmente com evocações de musas do cinema.

Who's Got Trouble, o novo trabalho em onze faixas, também é melancólico, doce e por vezes político. O título tirado de uma sequência de Casablanca. Sam, no início do filme, cantando Knock on wood, de Eddie Floyd, diz Who's Got Trouble e responde We've got the trouble. Ambrosia gosta da analogia entre Casablanca e White House. A música New Casablanca, primeira faixa do disco, fala de uma mulher um pouco diabólica que tenta fazer um homem triste sair de sua grande casa branca. Sempre esse desejo de fazer canções como se faz um filme. Músicas como 'Close my eyes', Little Black Mess, Someday (dos Waterboys) e Fat Lady of Limbourg (de Brian Eno) poderiam tranquilamente nos remeter a um Pulp Fiction ambientado nos anos 30. A voz vai se configurando por um estilo cabaret rugoso, urbano, atravessado por um pop mais sofisticado. Dorothy Parker, Leonard Cohen, Cowboy Junkies. E as referências não param.

Who's Got Trouble com suas sonoridades envolventes, devidamente acompanhadas por uma seção de cordas, mantém o Shivaree na linha de frente da nova música pop que vem ganhando o mundo desde 91. E Ambrosia Parsley já é séria candidata a se tornar uma nova Françoise Hardy. Bem, essas noites frias e chuvosas de junho já têm trilha sonora.


fonte Chrysalis, Paris