Uma penetra no Clube do Bolinha

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por Miguel Cordeiro

Sempre que voce lê, lembra ou conversa sobre os primórdios do rock´n´roll lá nos idos da década de 1950, a primeira imagem que surge é a de um bando de marmanjos ora remexendo a pélvis, ora empunhando guitarras endiabradas, ora martelando as teclas do piano ou berrando a plenos pulmões “uop bop loom uop lop bam bum”. Mas não era só isto. No meio daquele universo dominado por testosterona existia uma garota fora de série chamada Wanda Jackson. Nascida em 1937 no estado de Oklahoma (USA) e com o apoio do pai músico, Wanda deu os primeiros passos no piano, no violão e participando de corais gospel da igreja local. Entre 1954 e 1956 lançou alguns compactos como intérprete de canções country de apelo romântico. Mas, ao excursionar com Elvis Presley que, impressionado pela sua voz e por outros atributos, a incentivou a cantar o rock´n´roll e Wanda Jackson seguiu os conselhos do Rei e decidiu ser intérprete daquela música animalesca e libidinosa.

Em 1956 lançou seu primeiro álbum já dentro deste estilo e começou a se destacar no meio dos marmanjos, o que gerou comentários elogiosos pela sua verve artística, sua bela voz e também comentários maldosos de que ela seria uma garota selvagem... Mas aquela era uma época em que o mundo era mesmo muito machista e as mudanças comportamentais ainda estavam por vir; e, afinal de contas, o rock´n´roll era um palco basicamente restrito aos homens.

Wanda Jackson era uma garota deslumbrante, uma pioneira em todos os sentidos. Peitou, literalmente, as regras vigentes e foi a primeira performer da musica popular a usar maquiagem marcante, roupas sexy e provocantes e ter postura de palco incendiária. Uma cantora versátil, de voz privilegiada que nas suas interpretações lhe permitia alternar suavidade, doçura e grunhidos rascantes.

As versões de Wanda para os hinos do rock´n´roll são simplesmente sensacionais. Para confirmar isto basta ouvi-la cantando Long tall Sally e Slippin´ and slidin´ (Little Richard), Brown eyed handsome man (Chuck Berry), My baby left me (Arthur Crudup), Kansas City, Riot in cell block # 9. Outras canções ela própria popularizou: Mean mean man, Let´s have a party e Fujyama mama.

Apesar de fazer sucesso ela nunca foi um fenômeno de vendas, mas entre 1956 e 1962 Wanda Furacão reinou sozinha como a mais legítima representante feminina do rock´n´roll. Devido aos preconceitos e sendo uma mulher à frente do seu tempo, ela não teve um apoio mais incisivo dos produtores e das gravadoras e preferiu redirecionar sua carreira para a musica country. Abraçou a causa cristã mas nas excursões que sempre faz pela América e Europa (onde tem um público fiel), o fogo profano do rock´n´roll arde em altas labaredas.

Reverenciada pelo Cramps, Brian Setzer, Elvis Costelo, Jack White e muitos outros o exemplo de Wanda Jackson repete a lenda que diz que os pioneiros pagam um preço muito alto pela sua originalidade, porém o reconhecimento torna-se cada vez maior à medida que o tempo passa. Entretanto, a maior ousadia de Wanda Jackson foi participar do Clube do Bolinha e se recusar a só bancar o papel da garotinha que faz os serviços domésticos. Ela foi pro centro de decisões, subiu no palco e se fez, com todos os méritos, a Rainha do Rockabilly.