por Yara Vasku
Cantava baixinho o tal do Nego Dito. Talvez para nos instigar a prestar mais atenção no que ele dizia ou no som que ele fazia... Mas Itamar Assumpção também alternava a voz baixa com elementos vocais e sonoros que nos causavam surpresa e, porque não dizer, susto. Talvez a proposta era somente algo diferente, ou, quem sabe, nos tirar da acomodação musical que muitas canções da MPB nos proporcionava. E ainda proporcionam...
Itamar Assumpção é lembrado como um dos principais artistas da vanguarda musical de São Paulo, além de ser conhecido como “maldito”, principalmente porque sempre evitou perseguir o sucesso fácil e imediato. Ele nunca gostou deste rótulo. Nem quando era vivo (ele morreu de câncer no intestino em 2003), tampouco ainda hoje, sua obra era conhecida e respeitada no país tanto quanto merecia este artista singular que misturava música, poesia, vídeo, teatro, dança e muita experimentação. Um artista de MPB, mas uma MPB diferente que o coloca no rol dos “malditos” de tantos outros estilos musicais que brigam contra a mesmice, a mediocridade, o modismo.
Mas Itamar nunca se encaixou na MPB tradicional, pois misturava samba, influências da black music, da música africana e elementos pop. Tampouco era reconhecido como artista ou poeta sério, pois suas letras sempre foram irreverentes, cheias de ironia sobre o cotidiano urbano. Para completar, suas músicas ganhavam arranjos complexos e cheios de referências (muitas vezes polirrítmicas, como também gostava Arrigo Barnabé...). Música rica, mas de difícil aceitação comercial. Por outro lado, Itamar gostava de se manter no mercado independente, mesmo que nem sempre por vontade própria. Resultado: abandono da mídia que logo o rotulou de “maldito”.
Paulista da cidade de Tietê, Francisco José Itamar de Assumpção nasceu em 13 de setembro (ops!, quase no meu aniversário, dia 14) de 1949. Primeiro se lançou com sua banda Isca de Policia (em 1979), no Festival Feira da Vila (no bairro paulistano de Vila Madalena) com Nego Dito, de sua autoria. A partir daí, consagrou-se em shows no Teatro Lira Paulistana, misturando reggae, samba, rock e funk, com letras de critica e sátira social. Este local tornou-se sede da música alternativa da cidade, abrigando artistas que tinham em comum propostas criativas, mas que não recebiam a atenção da grande mídia.
O lançamento de estréia do selo próprio da Lira foi com o primeiro álbum de Itamar, “Beleléu leléu eu”, de 1980. Com este disco, Itamar recebeu o prêmio de cantor revelação pela Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA). Juntamente com este primeiro, os seguintes (também independentes) “As Próprias Custas S.A.”, de 1983, e “Sampa Midnight”, de 1986, foram relançados em CD pela Baratos Afins em 1994. Seu único LP produzido por uma grande gravadora (Continental), recebeu o irônico título “Intercontinental! Quem diria! Era só o que faltava...”, em 1988.
Em 1994 lançou a série “Bicho de sete cabeças” (três LPs também na forma de dois CDs), acompanhado pela banda Orquídeas do Brasil. Em 1996 lançou um CD com musicas de Ataulfo Alves, “Ataulfo Alves por Itamar Assumpção – Pra sempre agora”, que foi premiado como melhor do ano pela APCA. Desfez a banda Isca de Policia em 1991, mas voltou a se apresentar com seus integrantes em 1996-1997. Desde a década de 1980 tinha público fiel na Alemanha, onde se apresentava regularmente. Seu último trabalho, “Pretobrás”, de 1998, era para ser o primeiro de uma trilogia. O segundo, gravado com o percussionista Naná Vasconcelos, “Isso vai dar repercussão”, foi lançado postumamente, em 2004.
Na vida pessoal, Nego Dito era tranqüilo, humilde, simples e apaixonado pela família. Profissionalmente, Itamar foi mais do que um grande compositor. Artista obcecado pelo novo, estava sempre insatisfeito e preocupado em se aprimorar, sem deixar de lado sua admiração pela música popular brasileira. Apesar de gostar de ser conhecido apenas como um artista popular, Itamar foi (ou é?) um gênio, uma figura, um mito, aquele que mais inovou a música paulista e, assim, contribuiu para a oxigenação e a criatividade da música popular brasileira. Morreu (quase) esquecido pela mídia e pelo público, deixando vasto material musical inédito, além de dois livros infantis e outros projetos. Grande Itamar Assumpção!!!