Bauhaus, minus hands of the electric clock

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por Marcos Rodrigues

O tempo é uma dimensão ilusória. Não à toa, é miticamente comandado por um demônio; Chronos. O tempo não segue em linha reta. Ele é cíclico, gira em misteriosas espirais.

O tempo. 1869, 1919, 1972, 1980, 2003. Uma sucessão de datas com um invisível fio de Ariadne a uni-las: a pretensão. Característica humana que nos fez competir com Deus e decretou a Era Moderna. Dos prenúncios do cinema à redescoberta da magia liberta de misticismo. O tempo, essa esfinge. Aos idiotas a condenação de estarem presos em cômodos inexistentes.

Direto ao ponto. O nome da banda é Bauhaus e, no início dos oitenta, em pouco mais de um par de anos, foi uma das responsáveis por colocar o rock'n'roll mais uma vez na linha de frente das manifestações humanas que valem à pena prestar atenção.

Citando diretamente a Alemanha do início do século XX, o Bauhaus foi uma banda artsy. Pretensiosa ao extremo, dialogava esteticamente com o cinema expressionista alemão, de filmes como o Gabinete do Dr. Caligari; com a arquitetura e o design da escola homônima - criada pelo arquiteto Walter Gropius em 1919 - assim como tangenciavam também a literatura fantástica de Edgar Allan Poe e a poesia simbolista francesa.

Tendo à frente a figura carismática e vampiresca de Peter Murphy, o Bauhaus com suas letras recheadas de morte, paixões sangrentas, medos psicológicos, além de sonoridades soturnas acabou por influenciar boa parte do que se convencionou chamar de rock gótico. As referências da banda vão muito além, no entanto.

Sonoramente estavam mais próximos do glam rock de Bowie, fase Ziggy Stardust (aliás, de quem fizeram uma das melhores versões). Gravaram também Telegram Sam, do T.Rex. Tire as plumas, os paetês e o colorido; deixe os instrumentos no trio básico, minimalista; baixo, guitarra e bateria. Acrescente-se a pegada da revolução de 77 e a opção pelo lado escuro da existência. Uma sucessão de discos angustiados e obsessivos que colocaram a banda entre os clássicos do póspunk. In the Flat Field, Mask, The Sky's Gone Out. Discos viscerais, com a guitarra alucinada de Daniel Ash soltando urros e grunhidos.

O filme The Hunger (Fome de Viver, 1983) ajudou a fomentar a aura sombria da banda. Num elenco que incluia David Bowie (de novo, ele) e Catherine Deneuve como vampiros pra lá de sedutores, o Bauhaus era a banda que abria o filme tocando dentro de uma jaula num clube gótico. A música? Bela Lugosi's Dead, que celebrava o famoso ator de filmes de terror. Claro, virou um hino para as hordas que vestem negro.

A banda acabou em 1984, logo após o lançamento do album Burning From The Inside. Peter Murphy saiu em carreira solo e os outros três Bauhaus montaram a Love and The Rockets. Uma reunião da banda foi feita em abril passado, no festival californiano Coachella, mas nada ainda indica uma volta definitiva.

O som do Bauhaus continua uma referência forte e uma presença viva, fundamental. As sonoridades sofisticadas dos ícones do póspunk refletem uma face do rock'n'roll que não tem medo em ser adulto, pretensioso, perigoso e politicamente incorreto. Parece que faz tanto tempo, mas o tempo é uma dimensão ilusória. Não à toa, é miticamente comandado por um demônio; Chronos. O tempo não segue em linha reta. Ele é cíclico, gira em misteriosas espirais.

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Pra começar: Bauhaus 1979-1983, vols.1 e 2 (coletânea)