Kraftwerk, a saga dos homens-robôs

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por Miguel Cordeiro

Uma das maiores revoluções que aconteceu no rock tem mais de 30 anos e veio da Alemanha. Até então, as mudanças ocorreram de forma quase linear a exemplo da invasão britânica do inicio dos anos 1960, a poesia das letras de Bob Dylan que libertaram o rock do universo juvenil, as experimentações lisérgicas dos Beach Boys com Pet Sounds e dos Beatles com Seargent Peppers e as infinitas possibilidades da guitarra elétrica de Hendrix.

Mas foi em território germânico que brotou algo inconcebível: a bem sucedida mistura do rock´n´roll com a eletrônica e a cibernética. O que antes era feito pelas guitarras, os alemães passaram a fazer com os teclados eletrônicos, os seqüenciadores, os simuladores sonoros, o sintetizador Moog, o mellotron. É bem verdade que Beatles, Pink Floyd e outros do rock progressivo já usavam estes instrumentos ainda nos anos 60, mas na maioria das vezes para reproduzir sons sinfônicos quase como substituindo uma orquestra. Os alemães foram mais além, utilizando essa parafernália de instrumentos para criar uma música totalmente nova, de estética minimalista, incorporando ruídos, mesclando com a batida do rock.

O Kraftwerk é o exemplo mais perfeito disto. Formado em Dusseldorf no ano de 1970 por Ralf Hutter e Florian Schneider, estudantes de musica erudita, eles decidiram criar um projeto musical sem a presença de nenhum instrumento tradicional - guitarra, baixo e bateria. Tudo seria feito por instrumentos eletrônicos e o único traço humano seria a utilização da voz e mesmo assim, para falar sobre coisas do mundo do futuro, das máquinas e da ficção científica. O próprio estilo visual da banda seria diferente. Expressões faciais gélidas. Espécies de cientistas ou humanos robotizados. Mas ao contrário do que se possa imaginar de músicos de formação acadêmica se propondo a fazer musica eletrônica, eles não eram sérios e desprovidos de humor. O rock era facilmente percebido ali na batida sincopada e no ar cínico das letras.

Quando surgiram no cenário os homens-robôs do Kraftwerk logo chamaram a atenção. Aquele era o som do futuro, a trilha sonora das estações espaciais, e ao sair o seu quarto disco, Autobahn, em 1974, foram reconhecidos como criadores de grande originalidade.

Começaram a despertar o interesse das pessoas em geral e de gente como David Bowie, Brian Eno, artistas da disco music e até Iggy Pop. Ganharam a simpatia dos grupos punk / new wave e os influenciaram, se não sonoramente, mas filosoficamente. Afinal, seria possível imaginar em Devo, Gary Numan, Talking Heads, Soft Cell, Human League, New Order e bandas pós-punk com predominância de teclados sem a existência do Kraftwerk?

Lançaram, sucessivamente, álbuns que confirmaram a sua posição na vanguarda do movimento musical indo cada vez mais fundo nas suas propostas iniciais e tornando mais presente o ingrediente dançante, que os colocava nas pistas de dança de todo o mundo.

Com o tempo a sua influencia tem sido cada vez mais reconhecida. Os pioneiros artistas do rap e hip hop como Afrika Bambaataa, Grandmaster Flash, Kurtis Blow utilizavam bases de músicas do Kraftwerk para criar suas canções. O mesmo aconteceu com os DJ´s da cena techno da segunda metade dos anos 80. Artistas e bandas da dita 'música eletrônica' dos anos 90 tambem tinham um link com o Kraftwerk.

É certo que virou moda entre alguns músicos dizer que bebiam na fonte do grupo alemão, mas tinha muito papo furado nestas declarações. Isto, na verdade, serve apenas para marcar pontos, enriquecer releases e lhes dar uma aura de 'modernos'. Porque com o passar dos anos muitos destes artistas se revelaram conservadores, desprovidos de criatividade, lançando trabalhos fracos e de interesse apenas comercial, cumprindo religiosamente as exigências da indústria fonográfica, sem idéias provocadoras e, portanto, distantes anos luz dos homens-robôs.

O Kraftwerk continua na ativa, possui um estúdio próprio que leva o sugestivo nome de Kling Klang, desenvolve uma carreira independente sem se curvar aos caprichos das gravadoras e do mercado, lança discos quando acha que vale a pena, faz excursões esporádicas e quando isso acontece dá um enorme trabalho às transportadoras pois condiciona seu sofisticado equipamento num container todo especial. Por essas e por outras o Kraftwerk, com seu estilo único, permanece na vanguarda mantendo o seu lugar na verdadeira música eletrônica.