Rita Lee, na época do album Fruto Proibido
por Yara Vasku
Século 21. Alguns pensam que o mundo está em constante evolução, inclusive culturalmente, enquanto outros acreditam que os movimentos são basicamente cíclicos. Não importa. Algumas verdades pairam – quase – absolutas no meio desta discussão filosófica. Uma delas é sobre a pequena, mas igualmente importante, participação das mulheres no rock´n´roll. O porquê desta pequena participação, no entanto, não interessa para os indivíduos que enxergam as coisas além dos cromossomos XX e XY.
Século 20, década de 60. Em São Paulo nascia uma das bandas de rock´n´roll mais criativas e talentosas do Brasil: Os Mutantes, tendo como formação inicial os irmãos Arnaldo Baptista e Sérgio Dias (mais tarde se juntariam ao grupo o baterista Ronaldo Paes Leme, o Dinho, e o baixista Arnolpho Lima Filho, o Liminha), ao lado de RITA LEE. Sim, a personagem deste post-quase-manifesto-feminista. Personagem interessante durante o período que realmente interessa: dos Mutantes a Tutti Frutti, antes de Rita Lee iniciar o caminho que a trouxe onde está hoje...
Nascida de descendentes americanos e italianos, Rita Lee desde criança se interessou por música (chegou a estudar piano clássico com a famosa concertista Madalena Tagliaferro) e também por quebrar as regras. Quando sua família descobriu que ela fugia de casa para cantar num grupo formado por amigas, o “Teenage Singers”, a obrigou a ser uma ‘boa menina’. Lee prometeu inclusive estudar muito, mas em troca, pediu uma bateria. Como baterista, e depois como baixista, Rita Lee tocava com este e outros grupos em festinhas na escola.
Em 1964 participou do Tulio Trio, depois do grupo Six Sided Rockers, que mudou o nome para O'Seis e lançou um compacto com as músicas "Suicida" e "Apocalipse". No final de 1965, com a mudança de alguns integrantes, o grupo mudou o nome para O Konjunto. Nessa época conheceu os irmãos Sérgio e Arnaldo. Quando chegaram a um trio, surgiu Os Bruxos que logo foi rebatizado de Os Mutantes, grupo do qual Rita fez parte de 1966 a 1972, gravando cinco discos. Estava formada a banda que surpreendia com suas melodias, letras, roupas e atitudes lúdicas, psicodélicas, debochadas, irreverentes, vanguardistas e muito mais.
Alguns discos depois e loucura demais – a turma se encharcava de LSD e maconha – fizeram Os Mutantes perderem um pouco o humor e o senso de pop do início. Nesta fase, (principalmente) Arnaldo culpou Rita Lee (também sua esposa) pelos problemas e insucessos da banda que acabou terminando. Eles acreditavam que a culpa era dela: uma mulher e, como tal, não tinha nascido para o rock. Pois é, uma mulher que era responsável pela voz (ao lado dos demais integrantes), percussão e efeitos das músicas da banda. Ela inclusive, foi co-autora da maioria das canções dos Mutantes desta fase (após 1972, a banda teve várias formações e gravou três discos), como “Ando Meio Desligado”, o rock visceral “Meu Refrigerador não Funciona”, a psicodélica “Tecnicolor”, a latinizada “El Justiciero”, a balada “Vida de Cachorro”, entre tantos outros sucessos.
Ainda na banda, em 1970, Rita Lee lançou o primeiro álbum solo, “Build Up” que, no entanto, traz direção musical de Arnaldo Baptista e Os Mutantes como participação especial. Depois, em 1972, um disco com a formação dos Mutantes (muitos consideram o sexto e último trabalho da banda com Rita Lee, mas que foi somente atribuído a ela) “Hoje é o Primeiro Dia do Resto de Sua Vida”. Duas pérolas do rock feito no Brasil ao lado dos já conceituados discos de Os Mutantes e da fase posterior, com a banda Tutti Frutti.
Em 1973, Rita e a cantora Lúcia Turnbull formam a dupla acústica "Cilibrinas do Éden" que não vai adiante, mas o trabalho juntas ainda pode ser conferido na banda seguinte que Lee monta ainda em 1973: Tutti Frutti. Esta é a época de consolidação de seu talento e carisma, com a gravação de quatro discos: “Atrás do Porto tem uma cidade”, de 1974; “Fruto Proibido”, de 1975 (apontado por muitos críticos como o melhor disco de rock nacional de todos os tempos); “Entradas e Bandeiras”, de 1976; e “Babilônia – Rita Lee & Tutti Frutti”, de 1978 (disco que estréia a parceria musical com Roberto de Carvalho).
Era época das primeiras turnês e de melhorar o astral e a auto-estima, mas o machismo (?) a perseguiu com esta banda e Rita Lee, deprimida, tentou o suicídio engolindo um monte de comprimidos. Foi salva por um amigo que arrombou a porta e a levou para o hospital. Em 1976, cumpriu um ano de prisão domiciliar por porte de maconha. Neste mesmo ano Rita conhece e se apaixona pela pessoa e pela música de Roberto de Carvalho. A partir daí nasce uma nova Rita Lee com algumas “coisas” interessantes no final da década de 70 e outras pitorescas e datadas na de 80... Mas aí é outra história...
__________
Discografia Mutantes e Rita Lee:
Os Mutantes – 1968 (Os Mutantes com Rita Lee)
Os Mutantes – 1969 (Os Mutantes com Rita Lee)
A Divina Comédia ou Ando Meio Desligado – 1970 (Os Mutantes com Rita Lee)
Build Up – 1070 (álbum solo)
Jardim Elétrico – 1971 (Os Mutantes com Rita Lee)
Hoje é o Primeiro Dia do Resto de sua Vida – 1972 (com Os Mutantes em obra atribuída a ela)
Mutantes e seus Cometas no País dos Baurets – 1972 (Os Mutantes com Rita Lee)
O A e o Z – 1973 (Os Mutantes sem Rita Lee)
Atrás do Porto tem uma Cidade – 1974 (Rita Lee e Tutti Frutti)
Tudo foi Feito pelo Sol – 1974 (Os Mutantes sem Rita Lee)
Fruto Proibido – 1975 (Rita Lee e Tutti Frutti)
Entradas e Bandeiras (Rita Lee e Tutti Frutti)
Mutantes ao Vivo – 1977 (Os Mutantes sem Rita Lee)
“Babilônia – Rita Lee & Tutti Frutti”, de 1978 Tecnicolor – 2000 (obra póstuma de Os Mutantes com Rita Lee)
Biografia Rita Lee (pós Mutantes e Tutti Frutti):
“Rita Lee”, de 1979 (cinco músicas com Roberto de Carvalho, entre elas Chega Mais, Papai me Empresta o Carro e Mania de Você); “Rita Lee”, de 1980 (seis músicas com Roberto de Carvalho, a exemplo de Lança Perfume e Bem-me-quer); “Saúde”, de 1981(sete músicas com Roberto de Carvalho, como Saúde, Mutante e Banho de Espuma); “Rita Lee & Roberto de Carvalho”, de 1982 (o maridão pela primeira vez na capa e co-autoria de todas as músicas, entre elas Flagra, Cor-de-roda Choque); “Bom-Bom – Rita Lee & Roberto de Carvalho”, de 1983 (todas as músicas da dupla, fase de Desculpe o Auê); “Rita e Roberto”, de 1985 (novamente todas em dupla, como em Vírus do Amor, Noviças do Vício); “Flerte Fatal – Rita Lee & Roberto de Carvalho”, de 1987 (início de outros parceiros); “Zona Zen”, de 1988; “Rita Lee & Roberto de Carvalho”, de 1990; “Rita Lee em & Bossa´n´Roll ao vivo”, de 1991 (início do resgate músicas antigas); “Rita Lee”, de 1993; “A Marca da Zorra”, de 1995 (novo resgate); “Santa Rita de Sampa”, de 1997; “Acústico Rita Lee”, de 1998; “3001”, de 2000 (dizem que foi um novo disco de rock para compensar as bobagens de 80 e 90); “Aqui, Ali em Qualquer Lugar”, de 2001 (releituras de músicas do Beatles); “Balacobaco”, de 2003 e “Rita Lee MTV ao Vivo”, de 2004.