Thin Lizzy, Black Rose - A Rock Legend

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CDs que você tem que ouvir antes de morrer

por Cláudio Moreira

O hard rock já estava mais do que escaldado pela crítica no ano de 1979, apesar do sucesso de público nos dois lados do Atlântico. Alguma coisa tinha de ser feita para levantar a moral dos cabeludos frente ao levante punk, sem, evidentemente, criar nenhum antagonismo. Coube ao Thin Lizzy a honra de fazer o trabalho mais maduro artisticamente do segmento e, ao mesmo tempo, antenado com as novidades da época.

Desde 1976, quando estouraram mundialmente com "The Boys Are Back In Town" do LP "Jailbreak", Phil Lynott, Brian Downey e Scott Gorham (e Brian Robertson até sair do grupo em 78) curtiam o reconhecimento e a vida selvagem das longas turnês. Mas, antes de tudo, eles já tinham elevado à estado de arte o som das guitarras dobradas associadas ao belo vocal e letras existenciais de Phil Lynott (um mulato filho da inusitada união entre uma irlandesa e um brasileiro).

Restava à banda irlandesa (apenas Scott Gorham era norte-americano nessa formação) fazer o registro definitivo em estúdio dessa alquimia musical com o antigo companheiro Gary Moore. Não bastava fazer bonito como nos trabalhos anteriores. Tinha de ser um álbum recheado de canções profundas e acessíveis ao mesmo tempo, mas com muito punch e refinamento para mostrar que o hard rock tinha ainda fôlego para entrar revigorado na nova década.

Mantiveram a parceria com o produtor Tony Visconti (T. Rex e Bowie) e se trancaram nos estúdios Good Earth na Inglaterra e o EMI na França. Mesmo com Phil Lynott e Gary Moore gravando simultaneamente seus respectivos álbuns-solo, a magia deu certo. Foi mais um capítulo da história do rock em que o talento falou mais alto.

O cd abre com o rockão arrasa-quarteirão Do anything you want to, com letra cheia de slogans libertários, guitarras faiscantes e vocais poderosos. Toughest street in town, parceria instantânea entre Phil, Gorham e Moore, é um hard/heavy sem frescuras, prenunciando a sonoridade que Gary Moore iria seguir nos seus primeiros trabalhos heavy na década de 80. O fino humor de Phil Lynott aparece em S&M com seu andamento sincopado, bateria suingada e guitarras marcantes. Só poderia ser mesmo uma canção de Lynott com o baterista Brian Downey. O hit Waiting for Alibi invadiu as rádios com um som onde as guitarras dobradas mostram toda maestria e inventividade da dupla Scott Gorham e Gary Moore.

Com Sarah, o Thin Lizzy mostrou que pode tocar uma balada de acento soul-jazz sem perder o pique e nem destoar do resto do repertório. Assinada por Lynott e Moore, ela traz as experimentações que o primeiro levou para sua carreira-solo paralela ao Thin Lizzy e o segundo trouxe das suas incursões anteriores pelo jazz-rock do Colosseum II. Falando em tom sério e sem falso moralismo, Phil Lynott fez o alerta sobre o perigo do abuso de drogas pesadas em Got to Give it up. Talvez uma premonição lírica de Lynott, pois, anos depois, ele iria ter sérios problemas com o uso de heroína, vindo a falecer, em janeiro de 1986, por complicações de saúde derivadas. Uma perda lamentável de um rocker influenciado pela lírica de Van Morrison e pelos vocais de Jimi Hendrix. Um outsider que uniu o hard rock à poesia.

Em Get Out Of Here, de Phil Lynott e Midge Ure, guitarrista do Ultravox (banda dos primórdios do tecnopop europeu), Brian Downey usa bateria eletrônica e dá timbres inovadores à canção, que fala de forma sublime das desavenças do amor. A balada With Love mostra o lado lover de Phil Lynott com baixo desconcertante e solos de guitarras emanando emoção à flor da pele.

Mas os lizzies ainda tinham uma carta na manga. Fecharam a tampa com o épico Roisin Dubh (Black Rose) - A Rock Legend. Um verdadeiro mergulho de mais de sete minutos para homenagear a cultura irlandesa e seu passado celta. Entremeando a tradição da cultura folk irlandesa com arranjos thinlizzianos de camadas e mais camadas de guitarras dobradas, como já tinham ensaiado antes com Whiskey in the Jar (primeiro sucesso do grupo em 73), Phil fez uma belíssima homenagem à Irlanda, sua grande paixão em vida. Um discaço que virou referência para quem quis fazer rock celta, como o Big Country e o The Alarm, bandas de fora do universo hard rock. Se o álbum não alcançou um enorme sucesso comercial, pode-se festejar que a turnê dele foi marcada por shows lotados.

A discografia do Thin Lizzy é recheada de clássicos, mas foi no Black Rose que eles alcançaram um altíssimo nível para o hard rock em termos de composição e sonoridade. Ele significou uma legenda cinco estrelas na trajetória dessa fantástica banda.

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P.S.: Philip Parris Lynott (1949-1986) descanse em paz, cara. Um dia nos encontraremos em outra dimensão. Obrigado Marcelo Nova, pois foi no seu programa de rádio nos idos dos anos 80 que, aos 13 anos de idade, ouvi pela primeira vez o Thin Lizzy.