How about Mod Culture?

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por M. Rodrigues

Europa, passada apenas uma década de pós-guerra. Em Paris os jovens do Quartier Latin fumam seus Gauloises sem filtro, enquanto lêem Sartre e pensam, às margens do Sena, na morte de Deus. Dizzie Gillespie e Miles Davis fornecem a trilha sonora. Roupas e atitudes certas compensam o vazio existencial.

Do outro lado do Canal da Mancha, mais precisamente na Inglaterra, outros jovens também procuram por uma vida mais interessante do que a dura rotina que levam. São membros da chamada classe operária ávidos por uma forma de expressão e um posicionamento frente à vida. Procurando por algo que os tirem da grande massa silenciosa.

Essa revolta contida eclode ali por volta de 1959, gerando um dos movimentos mais influentes da cultura jovem mundial até os dias de hoje. Ancorados em música e moda, os Mods têm ajudado a tornar o mundo um pouco mais respirável.

Os 'Modernists' ou simplesmente Mods, são basicamente jovens da periferia de Londres interessados em marcar distância da vida difícil e sem graça do meio em que vivem. A válvula de escape para isso se dá pela estética, uma solução relativamente ao alcance. "Uma vida limpa mesmo sob circunstâncias difíceis". Por quê se contentar com o universo dos bairros miseráveis londrinos se é possível ser um cidadão do mundo, sobretudo europeu? Querer o melhor do melhor; a melhor música, a melhor roupa, os melhores livros, o melhor meio de transporte. Produtos não necessariamente caros, no entanto 'cool'.

Assim os Mods andam de scooters italianas (baratas e acessíveis), Vespas (modelo CS150) e Lambrettas (TV), bebem café expresso, cortam os cabelos e se vestem como os franceses, bem como assistem os filmes da Nouvelle Vague. Intelectuais por excelência, e muito por pose, lêem também os escritores existencialistas e os poetas beatniks norte-americanos. Uma estética 'moderna'.

Na música o movimento começa com o jazz, do Soho, no final dos anos 50; frequenta a cena de blues londrina (Animals, Rolling Stones, Yardbirds) e se expande quando bandas inglesas começam a fazer suas recriações do soul norte-americano (dos selos Motown e Stax) e do ska e bluebeat jamaicanos. Inicialmente nomes como Geno Washington - que recebeu até uma homenagem póstuma nomeando um dos discos da banda oitentista Dexys Midnight Runners - depois bandas como Small Faces, The Who, The Creation e Spencer Davis Group, definiram melhor a estética musical (e visual) Mod, incorporando a 'pegada' rock. O culto a obscuros artistas e selos norte-americanos de soul music gerou também uma outra subcultura radical chamada de Northern Soul, que ainda hoje tem seus clubes e festas (e sites!). Assim também, como no final dos 60, muitos se voltaram para as origens trabalhistas do movimento, ouvindo ska original e deram origem aos hard mods, que depois viraram os conhecidos skinheads (não necessariamente nazis). Mas isso é um outro assunto.

Trabalhadores de dia, os Mods mantêm-se acesos à noite, pulando de festa em festa na base da famosa anfetamina 'purple hearts' (que também virou nome de banda). A 'gagueira' de Roger Daltrey em 'My Generation', um hino Mod por excelência, é uma tentativa de simular os efeitos da droga. O culto à noite e aos encontros em grupos por vezes também gerava brigas coletivas, sobretudo com os Rockers; adoradores do rock'n'roll branco, munidos de topetes, casacos de couro e Harley-Davidsons (ou as inglesas Triumph). Algumas dessas 'tretas' ficaram bem famosas e, de certa forma, contribuiram para uma estigmatização dos Mods.

Estar na vanguarda é obsessão; pular fora da adoração a uma banda ou deixar de usar uma peça de vestuário quando se torna massificada e banal. Do traje Mod clássico (início dos 60) dá para ressaltar os mocassins de couro de crocodilo em diversas cores ou sapatos de boliche ou ainda as famosas Desert Boots, de Clarks. A camiseta com a marca de Fred Perry, jeans Levi's com dobras nas barras e camisa Ben Sherman. Aqui e ali símbolos com a bandeira britânica (Union Jack). As garotas, influenciadas pela Op Art, vestiam-se com vestidos de peça inteira com estampas geométricas e cores primárias.

No final dos 60 com a ascenção da psicodelia e o advento dos hippies, a elegância Mod vai perdendo força para voltar renovada uma década depois. Os responsáveis pelo segundo levante Mod foram o The Jam, de mr. Paul Weller (the Modfather), e o lançamento do filme Quadrophenia, em 1979, com The Who. A película recria a atmosfera dos anos 60 e acaba por provocar uma onda de revival Mod em toda a Europa. Surgem novas bandas como The Chords, Secret Affair, The Circles e, a já citada, Purple Hearts.

No Brasil a banda mais conhecida, que bebe dessa fonte, é o Ira; tanto nas composições (algumas remetem ao Small Faces, prestem atenção), quanto na execução, com Edgar Scandurra dedilhando sua Rickenbacker (outro símbolo), emulando Pete Townshend e Weller.

Nos dias que correm a cultura Mod segue presente, em festivais anuais como o Euro Ye-yé, de Gijón ou o Isle Of Wight, na Inglaterra. Centenas de bandas pelo mundo fazem revivals dos 60 ou se deixam influenciar pela estética 'avançar e conhecer', que é o coração do movimento. Os discos estão por aí, há um monte de livros sobre o assunto (infelizmente importados) e o cerne da inquietação que move os Mods também continua viva em boa parte da cultura jovem mais hedonista. Para começar a entender melhor esse 'estado de espírito' vale ver o filme Blow Up, do estupendo Michelangelo Antonioni, que capta bem a movimentação da Swinging London - o filme é de 66 - além de conter cenas históricas como uma das raras aparições ao vivo dos Yardbirds e a semi-nudez da, então ninfeta, Jane Birkin.

www.modculture.co.uk